Votação da Política do Empoderamento das Meninas é adiada para outubro
O plenário recusou o adiamento por 4 e por 30 sessões antes de concordar com outubro. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Depois de duas horas e meia de debate em plenário, os vereadores da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) decidiram, nesta terça-feira (5), adiar, por 84 sessões, a votação da Política Municipal do Empoderamento das Meninas e das Adolescentes. Com isso, o destino do projeto de lei dos vereadores Marcos Vieira (PDT), Giorgia Prates - Mandata Preta (PT), Maria Leticia (PV) e Professora Josete (PT) só será conhecido em outubro. Até lá, os autores buscarão uma versão do texto que supere algumas das resistências discutidas hoje.
A Política Municipal do Empoderamento das Meninas e das Adolescentes prevê a realização de eventos educativos sobre o tema, como palestras, rodas de conversa, seminários e workshops, de forma que as jovens de 12 a 18 anos de idade, por meio do processo do autoconhecimento, possam se defender da violência sexual, da discriminação de gênero e de outras violações de direitos fundamentais (005.00116.2023 com emenda 033.00001.2023). O projeto também pretende criar, no período do dia 11 de outubro, a Semana do Empoderamento, incluindo a data no calendário oficial de eventos de Curitiba.
No entanto, os vereadores Osias Moraes (Republicanos), Rodrigo Reis (União), Ezequias Barros (PMB), Eder Borges (PP) e Sargento Tânia Guerreiro (União) mostraram resistência à aprovação imediata da Política Municipal do Empoderamento das Meninas e das Adolescentes, por identificarem, no texto do projeto de lei, termos que associaram à “ideologia de gênero”. “O projeto seria ótimo, se não fosse redigido dessa forma, se não viesse com uma pitada de ideologia”, indicou Osias Moraes. Rodrigo Reis chamou a iniciativa de “perigosa”, e Borges a qualificou de “anticristã”.
Responsável pelo protocolo do projeto na Câmara de Curitiba, Marcos Vieira mostrou-se irritado com a argumentação contrária à iniciativa, afirmando ser “um absurdo o ponto a que chegam as discussões nesta Casa”. Ele elaborou a proposição em parceria com Prates, Leticia e Josete, além de ter o apoio das organizações Por + Elas na Política e Coletivo Mães Pretas,que acompanharam o debate, a convite de Ana Campol, do mandato do pedetista. “O Brasil é o 5º país do mundo em feminicídios. Se não começarmos a apoiar as jovens, mostrando que elas são importantes, elas continuarão fazendo parte desta estatística”, protestou.
“Identidade de gênero” foi estopim das divergências na Câmara de Curitiba
Enumerando os pontos do projeto de lei dos quais discordava, Osias Moraes deu especial atenção ao uso da expressão “identidade de gênero” no artigo 2º da proposição. O trecho afirma, textualmente, que “são objetivos desta lei o empoderamento de meninas e adolescentes nas suas intersecções com raça, etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, territorialidade, cultura, religião, procedência nacional”. “Esse termo [identidade de gênero] foi criado ideologicamente”, acusou. Durante a sessão, Moraes buscou conversar com os autores, mas não houve consenso entre as partes: “não conseguimos entrar em acordo, então, da forma que está redigido, não tem condição de prosperar”.
Para Rodrigo Reis, a menção ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não era suficiente para delimitar a idade das jovens que seriam o público-alvo do projeto de lei. “Vou votar contra o projeto se não ficar bem claro como vai ser feito o trabalho, que eu já não gosto da palavra ‘empoderamento feminino’, quanto mais do ‘empoderamento de crianças e adolescentes’. É um projeto perigoso. O empoderamento é um termo perigoso. O que é isso? É incentivá-las a lerem livros que os pais não querem que elas leiam? Não cabe a nós, adultos, impor ideologias a crianças”, defendeu o parlamentar.
Debate em plenário repetiu argumentos do Plano Municipal de Educação de 2015
O vereador Ezequias Barros disse que os autores do Plano do Empoderamento das Meninas e das Adolescentes queriam, com a norma, reescrever o Plano Municipal de Educação, que foi aprovado pela Câmara de Curitiba, em 2015, sem nenhuma menção à “diversidade” e “gênero”. “A CMC já decidiu que as escolas não terão nenhum tipo de tratamento de ideologia de gênero. Está na hora do Estado deixar os pais cuidarem das crianças. É uma [proposta de] lei que não vem para ajudar o professor, ela vem para dividir e criar dificuldades. Empoderar uma criança de dez anos para dizer o quê?”, questionou.
“É um forte candidato a pior projeto desta legislatura”, opinou Eder Borges, cuja argumentação mais enérgica chegou a ser advertida pela Mesa Diretora, durante seu discurso, quando adjetivou de “malandra” a inclusão da proposta na pauta no mês que se comemora o Dia Internacional da Mulher. Borges se retratou e disse que criticava os autores, não a gestão da Câmara. “O objetivo do projeto é promover a ideologia de gênero, não tem nada a ver com o Dia Internacional da Mulher. O ECA e a Constituição Federal já garantem tudo isso, o projeto é redundante. É doutrinação ideológico-partidária usando a máquina do Estado”, disse.
No final da discussão, Sargento Tânia Guerreiro pediu a palavra para concordar com esses vereadores, afirmando que é errado empoderar os jovens. “Eu sou a favor da família determinar o que o adolescente vai fazer, porque, se largar para eles decidirem, vão decidir errado. Eles não têm juízo, como dizia a minha avó”, ressaltou. A vereadora Indiara Barbosa (Novo) também ingressou na oposição ao projeto, defendendo que “não será mais uma lei que vai resolver o assunto [das violências contra as mulheres]”. “A gente [do Novo] acredita em outra coisa, em dar o exemplo. Não é com lei bonita que vai resolver, não é com lacração e nem se colocando como vítima”, resumiu.
“Não tem a ver com sexualização”, rebateram autoras do Plano do Empoderamento
“Me dá a impressão que [os vereadores contrários ao Plano do Empoderamento das Meninas e das Adolescentes] não sabem o que é empoderamento”, rebateu Maria Leticia, que chegou a ler a definição dicionarizada durante a discussão na Câmara de Curitiba, defendendo que se trata de informar as jovens sobre os seus direitos. “Ter uma política municipal dessa grandeza é um sonho de todas as mulheres. Quando as jovens conhecem o corpo delas, elas podem se defender da violência. Quando alguém fala em conhecer o corpo, eu penso em saúde e segurança, não em sexualização. A maldade está no olho de quem vê”, afirmou.
Primeira a discursar na manhã de hoje, Giorgia Prates buscou explicar que a expressão “empoderamento” foi utilizada, no projeto de lei, para resumir o processo de “promoção da autoafirmação, autoaceitação, autorreconhecimento, autoconhecimento de si e de suas habilidades, promovendo ferramentas de atuação no meio em que se vive, não apenas de si mesmas, mas também em prol da coletividade e da sua comunidade”. Citando a pensadora negra Joice Berth, a vereadora defendeu que o projeto buscou compreender as quatro dimensões da emancipação - intelectual (crítica da realidade), psicológica (autoestima), política (consciência das desigualdades) e econômica (geração de renda).
Diante da resistência vista em plenário à aprovação da Política do Empoderamento das Meninas e das Adolescentes, Giorgia Prates criticou os opositores da proposta de não terem feito esse debate durante a tramitação pelas comissões e disse que, ainda que houvesse pontos a serem considerados na crítica ao texto, havia também machismo e misoginia nas falas contrárias à proposta. “O projeto prevê ações de acesso à educação, com base na ideia que o conhecimento liberta. É empoderamento por meio do conhecimento, bem diferente do que foi dito aqui, onde misturam tudo”, queixou-se.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba