"Vítimas de estupro devem sair da invisibilidade", dizem especialistas

por Assessoria Comunicação publicado 01/07/2016 18h50, última modificação 07/10/2021 11h21

Na manhã desta sexta-feira (1º), a Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Curitiba promoveu a audiência pública “Cultura do Estupro e Violência Sexual”. Com mediação de Roseli Isidoro, secretária municipal da Mulher, debateram o tema Maria Rita César e Clara Roman Borges, da UFPR, Vanda de Assis, membro do Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria) e a promotora Elaine Munhoz Gonçalves, do Ministério Público (MP-PR).

Doutora em Educação, a professora Maria Rita Cézar destacou características da “cultura do estupro”, que se configuraria na recusa em reconhecer o prejuízo causado por violências como a sexual e a de gênero. Um exemplo citado na audiência é o de quando um estuprador é preso e a sociedade se “reconforta” com a ideia de que o delinquente será também estuprado na prisão. Outro exemplo é o estupro de guerra, admitido pelas populações dos lados vencedores.  

“No Brasil”, diz Maria Rita César, “as origens desse pensamento são remotas. Basta dizer que o processo de miscigenação – muitas vezes visto de forma positiva – na verdade esconde o fato de que o estupro era um dos fatores determinantes desse processo. Pinturas da artista plástica Adriana Varejão reproduzem as cenas representadas por Debret em suas aquarelas, mas Adriana acrescentou imagens de estupro a elas, provocando novas leituras e interpretações”, relatou.

Clara Roman Borges mencionou narrativas de violências sexuais e falou sobre o problema do ponto de vista jurídico. Para ela, o direito ainda se fundamenta em concepções machistas, sustentadas pela construção social de gênero. “Ideias predeterminadas como o papel que deve ser desempenhado pelo homem e pela mulher. Um exemplo disso, se verifica no fato de que durante muito tempo, o direito brasileiro não admitia a ideia de estupro dentro do casamento. As denúncias eram ignoradas”, aponta a professora, que coordena o Núcleo de Direito Processual Penal da UFPR e desenvolve pesquisa sobre violência de gênero.

De acordo com Clara Borges, a penalização por estupro se restringia à conjunção carnal. Em 2009, houve uma mudança: estupro passou a abranger quaisquer atos libidinosos praticados mediante violência e a pena foi elevada podendo chegar de 6 a 10 anos de reclusão, sendo que se restar lesão corporal grave, ou se ela tiver entre 14 e 18 anos a pena passa a ser de 8 a 12 anos. “O direito não é a resposta mais adequada, e sim, a educação”, ela ponderou.

Invisibilidade
A promotora Elaine Munhoz Gonçalves contou experiências do Núcleo de Apoio às Vítimas de Estupro (Naves), criado como projeto provisório em 2013 dentro do MP-PR e que hoje se configura como uma estrutura permanente. “Os crimes de estupro”, de acordo com Elaine, “são cometidos na clandestinidade, sem testemunhas, ou seja, existem dificuldades na apuração da autoria, o que gera como consequência a invisibilidade da vítima”.

O Naves oferece apoio jurídico e psicológico às vítimas que, muitas vezes, sentem-se culpadas e não querem representar contra o agressor. “Pra se ter uma ideia de como o surgimento do Naves foi positivo, basta lembrar que em 2011 houve somente 2 ações penais por violência sexual instauradas em Curitiba. Em 2012, 3 ações. Desde a instalação do núcleo em 2013 já se iniciaram 74 ações, sendo que 99% dos posicionamentos do Ministério Público são acolhidos pelo judiciário”, disse Elaine Gonçalves.

Vanda de Assis, do Cefuria, lembrou que o Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo existe há 35 anos e atua nas periferias com questões como gênero, etnia etc. Ela citou frases preconceituosas difundidas pela cultura popular como “isso não é coisa de mulher”; “feche as pernas, fale baixo”; “você quer ser chamado de mulherzinha?”; “tem mulher que é pra casar”; e “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.

Frases que se tornaram “verdades” aceitas pela cultura do machismo, ela denunciou. “Ninguém vai se dizer favorável à cultura do estupro, mas na prática, o que vemos são situações como a que ocorreu nessa casa, durante a votação do Plano Municipal de Educação, em que palavras como "gênero" e "diversidade" foram eliminadas do texto final”, apontou.

Durante o debate, Rosli Isidoro destacou a criação da Patrulha Maria da Penha. “Curitiba tem o que dizer ao Brasil no que se refere a políticas públicas de enfrentamento da violência sexual. Um exemplo, foi a aprovação, em março desse ano, da Patrulha Maria da Penha (leia mais), cuja equipe atendeu até aquela data 6,2 mulheres em situação de violência na cidade”, disse.

Debate
Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Carla Pimentel (PSC) entende que é o momento da sociedade se posicionar sobre essas questões. “Jamais a vítima deve ser vista como culpada. Somos veementes quando dizemos que enfrentaremos qualquer tentativa de justificar atos de violência”, disse a vereadora, que complementou: “devemos quebrar o silêncio que faz com que as vítimas não exponham seus rostos”.

Paulo Salamuni (PV), líder do prefeito na Câmara de Vereadores, entende que houve alguns avanços já na constituição de 1988, que extinguiu a figura do “chefe de família”. “Políticas e ações públicas de enfrentamento dessas questões ganharam relevo e, hoje, a Secretaria Municipal da Mulher tem a mesma importância que qualquer outra”, destacou.

Professora Josete (PT) destacou que houve progressos quanto ao entendimento da questão, mas que, na prática, ainda há problemas, como foi o  caso da votação do Plano Municipal de Educação, em que as palavras “gênero” e “diversidade” foram eliminadas da redação final do projeto. “Essa postura fundamentalista impediu, por exemplo, que pudéssemos propor a capacitação de profissionais nas escolas para lidar com a violência doméstica”, disse.

Participações
Marielly Moresco, da organização da Marcha das Vadias, defende um estreitamento de relações entre os movimentos populares e o poder público. “Só assim vamos conseguir um avanço nesse debate”. Ela lembrou que no próximo dia 9 de julho acontece a Marcha das Vadias, manifestação que, entre outros temas, aborda a cultura do estupro. Vanessa Rodrigues de Oliveira Lima, servidora da Câmara municipal de Curitiba do setor de Saúde, apontou a necessidade de se esclarecer o tema junto às crianças.

Ivanilda Teresinha Correa apontou a situação das pessoas com deficiência que sofrem violências sexuais. “Muitas vezes, essas pessoas não conseguem nem entender o que aconteceu ou identificar o agressor. A legislação ignora essa circunstância”, criticou. Anaterra Viana, secretária do Conselho Municipal da Mulher, reforçou a ideia de estreitamento de relações entre os movimentos e o poder público. “Convém que as vítimas se dirijam à Casa da Mulher Brasileira, que fica na avenida João Gualberto, e se apropriem desse espaço”, informou.