Violência sexual: guia com orientações sobre denúncias é lançado na CMC

por Pedritta Marihá Garcia | Revisão: Ricardo Marques — publicado 14/03/2024 16h50, última modificação 14/03/2024 17h24
Cartilha traz informações sobre como a vítima pode solicitar providências legais em relação ao autor do crime, se desejar fazer a denúncia.
Violência sexual: guia com orientações sobre denúncias é lançado na CMC

O lançamento do guia aconteceu no auditório do Anexo 2 da Câmara Municipal de Curitiba. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Mulheres de diversos segmentos de Curitiba, além de representantes dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, estiveram reunidas na Câmara Municipal nesta quarta-feira (13) para o lançamento do Guia de Orientação para Vítimas de Violência Sexual da Procuradoria da Mulher (ProMulher). Transmitido pelas redes sociais, o evento marcou uma das ações do Legislativo pelo Dia Internacional da Mulher. 

A cartilha reúne dicas para as vítimas de violência sexual, como orientações sobre como receber os cuidados imediatos necessários à garantia de sua saúde e sobre como dar o encaminhamento de providências legais em relação ao autor do crime, caso a vítima deseje realizar a denúncia. No guia, também é possível acessar informações sobre a rede de atendimento e proteção disponível em Curitiba, além de dados sobre esse crime que já violou mais de 700 mil mulheres e crianças no Brasil – entre 2012 e 2022, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 

Ao reunir informações úteis para guiar os passos de uma vítima após um episódio de estupro, são consideradas as condições reais que esse tipo de atendimento apresenta, já que a trajetória das vítimas que precisam de cuidado e proteção é longa e, por muitas vezes, dolorosa. Abordar o tema com franqueza e transparência foi um dos objetivos da Procuradoria da Mulher da Câmara de Curitiba, porque, afinal, uma de suas principais atribuições é apoiar as mulheres no momento em que elas mais precisam”, explica a procuradora da Mulher, Maria Leticia (PV). 

No ano passado, uma vítima chegou até a ProMulher e nos contou sobre as diversas barreiras que teve que enfrentar, as enormes dificuldades que encontrou para acessar os serviços e a rede de proteção que, reforço aqui, são um direito de toda e qualquer vítima. A gente entendeu, naquela conversa, que ela havia sofrido o abuso e não sabia para onde ir, o que ela poderia fazer, com quem ela poderia buscar orientação. Por isso, a Procuradoria se propôs a criar algo que centralizasse todas as informações necessárias para uma mulher que sofreu abuso sexual conseguir segurança para sua saúde e também orientações jurídicas, caso ela queira denunciar o caso”, continuou a vereadora. 

Lançamento guia contra violênciaO que é violência sexual?

A Lei Maria da Penha (lei federal 11.340/2006), inclui a violência sexual como uma das cinco formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. O seu artigo 7º classifica este tipo de violência como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

A importância da informação como mecanismo de combate à violência sexual

O material foi editado pela Procuradoria da Mulher, com a colaboração de representantes do Hospital Pequeno Príncipe, da Polícia Científica do Paraná, do Instituto Alice Quintilhano e outras instituições parceiras. Todas as convidadas para o evento, sem exceção, destacam a relevância da cartilha da Procuradoria da Mulher, como mais um mecanismo de combate à violência sexual: a informação contida no guia foi considerada pelas especialistas como “clara”, “com linguagem acessível”, “imagens amigáveis” e “necessária”. 

A violência sexual é um tema que ainda é tabu. […] O estupro é um tema muito indigesto. Para uma mulher, acho que talvez seja a violência pior de todas. E o estupro traz muitas consequências, pessoal, física, emocional. Traz consequências para a família desta mulher, que tem que acolher, dar um suporte. Pode vir uma gravidez, e desta gravidez esta mulher pode ter que adotar alguns procedimentos que podem trazer muito sofrimento para ela”, afirmou a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Curitiba, Renata Cristina Carneiro. Segundo ela, o guia da ProMulher é “extremamente revelante, para que a gente compreenda que, infelizmente, o crime de estupro pode acontecer e que a gente vai ter uma rede [de atendimento, de apoio], que a gente vai ser acolhida, e que a gente não se sinta culpada”. 

Perita criminal há 15 anos, Denise Carneiro Berejuk atua na Polícia Científica com perícias de áudio e vídeo, que fornecem provas para muitos crimes, entre eles os de violência sexual. Ao informar que, recentemente fez uma coleta de voz de um estupro que aconteceu em 2016, com uma vítima de 13 anos, ela fez um alerta: dos 5.091 casos de violência sexual atendidos pela PCP em 2022, 4.418 foram crimes contra mulheres e dessas, apenas 678 eram maiores de 18 anos.No Brasil, 86% das vítimas de estupro são menores de 13 anos. Estes estupros acontecem, em 70% dos casos, dentro da residência [das vítimas] sendo perpetrados por padrastos e pais, na sua maioria. Então esta cartilha vai ensinar essas meninas a se defenderem do que têm dentro da própria casa, pois infelizmente os pais não têm dado conta deste trabalho”, atestou. 

Esta cartilha traz um alento, para que a gente possa saber que existe alguma coisa, algum caminho depois de sofrer uma violência tão brutal, tão grave, no direito de estar viva, no direito à sua própria sexualidade”, emendou a perita criminal. Outra especialista no enfrentamento à violência contra mulheres, Melissa Cachoni Rodrigues reforçou a análise da perita criminal. “Diferentes de outros crimes, quando acontece um crime de estupro, a pessoa se retrai, se esconde. E se ela não tem informação prévia, antes deste fato acontecer, ela tem muita dificuldade de buscar uma iniciativa. Por isto a importância desta cartilha, e de outros materiais, vídeos, palestras. Todo material que a gente faz para esclarecer a população é importante”, disse ela, que é promotora de Justiça e que representou, no evento, o Núcleo de Apoio à Vítima de Estupro (NAVES) do Ministério Público do Paraná (MPPR). 

Para a promotora do Ministério Público, quanto mais informações as mulheres tiverem, antecipadamente, mais “automática” será a busca por ajuda se uma delas for vítima de violência sexual. “Ela vai saber a importância das 72 horas, dos exames, de guardar a roupa, de não tomar banho, de guardar todos os vestígios. São coisas que não são naturais para quem não tem essas informações prévias. É muito natural que ser queira tomar banho, lavar a roupa. […] Quanto mais nós mulheres soubermos o que temos que fazer caso isto aconteça, isto nos ajuda: tanto a vítima, a se sentir acolhida; quanto às investigações. Para o MP, que trabalha com a investigação, quanto mais vestígios, mais provas, maior é a chance de responsabilizar esta pessoa”, alertou Melissa Rodrigues. 

Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR), Mariana Martins Nunes disse que o guia da ProMulher chega para complementar outros materiais e campanhas de enfrentamento à violência contra as mulheres existentes, pois o tema é um problema que precisa ser “exaustivamente debatido”. Isto porque, segundo ela, a conjuntura atual brasileira é caracterizada por um “aumento expressivo da violência sexual”, conforme dados apontados pelo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quando 2022 foi o ano com o maior número de denúncias já registradas no país.

Isto não se deve apenas ao aumento da notificação, mas ao aumento da violência. E isto está ligado tanto ao subfinanciamento das políticas públicas, quanto ao discurso misógino que vem ganhando espaço nos últimos anos, querendo obstacularizar qualquer debate sobre violência de gênero, debate de gênero e educação sexual nas escolas”, analisou a defensora pública. Para ela, o guia é inovador, com uma linguagem clara e acessível, informando “como é o caminho tortuoso que as mulheres enfrentam para fazer uma denúncia de violência sexual”. 

Esta cartilha traz instruções detalhadas, um passo a passo, para a vítima saber o que exatamente fazer e para onde seguir, que documentos precisa, que tipos de exames médicos devem ser feitos e qual é o procedimento para cada caso de abuso sexual. Além de transformar uma linguagem técnica em algo acessível para as vítimas, a ideia do material é reunir informações qualificadas em um só lugar para auxiliar as mulheres em um momento em que o cuidado, a escuta e o acolhimento são indispensáveis”, finalizou a procuradora da Mulher, Maria Leticia.

Também participaram do evento, a procuradora-adjunta da Mulher, Giorgia Prates – Mandata Preta (PT); a vereadora Sargento Tânia Guerreiro (sem partido); a assessora de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres da Prefeitura de Curitiba, Elenice Malzoni; Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes e Virgínia Leite Henrique, procuradoras do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT-PR); Katiely Ribeiro, da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB-PR. 

Completam a lista de participantes Gisele Schmitz, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-PR; Isabella Lustosa, do coletivo Vote Nelas Paraná; Neuralice Cesar Maina, presidente do Sindicato das Secretarias do Paraná (Sinsepar); Joseli Collaço, da Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social do Governo do Paraná; Dalila Lapuse, representando o Instituto Elos Invisíveis; Telma Nogueira e Ingrid Santos, representando o projeto Déboras; e Camilla Gonda, representando o Conselho Municipal da Juventude de Curitiba. 


Q
ual é a função da Procuradoria da Mulher da Câmara de Curitiba?

Criada para combater todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres, a Procuradoria da Mulher da CMC foi criada em 2019, após sua inclusão no Regimento Interno, e inserida no organograma da Casa dois anos depois, em 2021, com a aprovação da lei municipal 15.880/2021. No biênio 2022-2023, Maria Leticia ocupa o cargo de procuradora; e as vereadoras Giorgia Prates – Mandata Preta e Noemia Rocha são, respectivamente, a primeira e a segunda-procuradora-adjunta. As titulares são indicadas pelo presidente da Câmara, no início de cada gestão da Mesa Diretora. A ProMulher é um órgão independente, não sendo subordinado a nenhum outro da Casa. 

As principais funções são: receber, examinar e encaminhar aos órgãos competentes denúncias de violência e discriminação contra a mulher; fiscalizar as políticas públicas e os programas municipais para a igualdade de gênero; zelar pela participação efetiva das vereadoras nos órgãos e nas atividades da Câmara Municipal; promover campanhas educativas e antidiscriminatórias; cooperar com organismos locais, estaduais e nacionais, públicos ou privados; e realizar pesquisas, seminários e demais atividades ligadas ao tema e à representação feminina na política.