Vereadores debatem 1º Plano da Igualdade Étnico-Racial de Curitiba

por Fernanda Foggiato — publicado 22/11/2021 14h50, última modificação 22/11/2021 16h41
O projeto teve o 1º turno adiado por uma sessão, para análise de emenda de Carol Dartora. A Semana da Consciência Negra da CMC vai até o dia 24.
Vereadores debatem 1º Plano da Igualdade Étnico-Racial de Curitiba

Apesar da votação adiada, os vereadores realizaram amplo debate sobre a igualdade racial. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) deu início, na sessão desta segunda-feira (22), à discussão da mensagem do Executivo para instituir o primeiro Plano de Promoção da Igualdade Étnico-Racial da cidade. A pedido do líder do prefeito, Pier Petruzziello (PTB), a votação em primeiro turno foi adiada para esta terça-feira (23), para a análise de emenda, proposta por Carol Dartora (PT), que pretende incluir a habitação e as políticas urbanísticas como 10º eixo temático do documento. 

A mensagem do Executivo para criar o Plano Municipal de Promoção da Igualdade Étnico-Racial de Curitiba (Plamupir) foi encaminhada à CMC em fevereiro deste ano (005.00059.2021). O objetivo da proposta é consolidar diretrizes para o enfrentamento do racismo e da violência contra a população negra, indígena, cigana e outros grupos étnicos historicamente discriminados. 

O texto já tramitava com uma emenda, da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para adequação da técnica legislativa (035.00005.2021). No último sábado (20), recebeu a proposição de Dartora, primeira vereadora negra de Curitiba (032.00068.2021). Petruzziello, ao pedir o adiamento, frisou “a importância real deste tema, de políticas públicas, de igualdade racial”. Conforme a autora da emenda aditiva, o Plamupir, ao não contemplar a habitação nos eixos temáticos, vai na contramão do plano nacional. “Pensando o deficit habitacional enorme que a gente tem, que a gente vem denunciando há muito tempo, não tem como ter um plano de combate à desigualdade sem pensar a moradia”, justificou. Carol Dartora afirmou que a maior parte dos moradores das ocupações são negros. “E as lideranças dessas ocupações são mulheres negras.” 

Renato Freitas (PT) observou que os gastos com moradia comprometem cerca de 70% da renda da população mais vulnerável. “Viver para pagar moradia, comida e transporte, para conseguir voltar no próximo mês ao trabalho, não deixa de ser um regime de escravidão. Em outros termos, mas uma linha de continuidade”, comparou. Conforme dados do IBGE de 2018, indicou Professora Josete (PT), das 45,2 milhões de pessoas que viviam no país em domicílios inadequados (sem banheiro, por exemplo), 31,3 milhões, quase 70%, eram pretas ou pardas. 

Racismo e invisibilidade

Herivelto Oliveira (Cidadadania) lembrou da homenagem que ele, Carol Dartora e Renato Freitas, promoveram, na noite da última quarta-feira (17), abrindo a programação da Semana da Consciência Negra da CMC. Os três vereadores compõem o Conselho Municipal de Política da Igualdade Étnico-Racial (Comper) e participaram da construção do Plamupir. 

Na avaliação de Oliveira, a falta de visibilidade e de representatividade estão entre os principais problemas enfrentados pela população negra. “Os negros não aparecem como eles deveriam aparecer. Se o Brasil fosse um país só com a população negra e parda, e eu não gosto muito do termo pardo, porque para mim são todos negros, seria o segundo país mais negro do mundo. Só perderia para a Nigéria. São em torno de 115 milhões de negros e pardos no país. E a gente não vê essa população representada proporcionalmente em nenhum lugar. Em jornais, nas novelas.” 

Herivelto Oliveira, que entregou votos de congratulações à jornalista negra Dulcineia Novaes, pontuou que a aprovação do Plamupir “não é o fim”. “Não, é o começo. Todos os órgãos e secretarias vão trabalhar e há a necessidade de colocar recursos para as ações serem efetivadas”, disse. Ele também cobrou que o debate das políticas públicas de igualdade racial não seja restrito a novembro. 

Carol Dartora afirmou que o Plamupir é uma “luta histórica” do movimento negro e essencial para o combate “a essa doença da sociedade que a gente chama racismo”. Parabenizando a sensibilidade da Casa pela pauta, ela também ponderou que a discussão de raça, para que se combata o racismo estrutural, fruto de uma “abolição inacabada”, deve ser mais ampla. “A gente tem infelizmente esse contexto de mais de 300 anos desse sistema de exploração que foi a escravização de pessoas negras, sequestradas da África e trazidas para cá. […] Tiveram inclusive que construir a nação brasileira com seu trabalho. E depois de toda essa construção, essa mão de obra, [a população negra] foi esquecida. Não teve nenhum ressarcimento. Foi uma abolição inacabada”, continuou. “Estigmas históricos” e o “preconceito irracional”, apontou a vereadora, reforçam as desigualdades. 

Freitas considera essencial que Curitiba conte com uma secretaria municipal para discutir a igualdade racial – atualmente existe uma assessoria, vinculada à Secretaria do Governo Municipal (SGM). Além de alertar aos índices de violência policial, o vereador lembrou da mortalidade maior da covid-19 entre a população negra. “Porque vivem em piores condições, principalmente econômicas, em um país tão desigual. Mais de 80%, quase 90% da população negra, utiliza exclusivamente o transporte público para ir ao trabalho, ao lazer, à escola. E o transporte público foi um dos grandes vilões da pandemia”, completou. 

Professora Josete citou ato em Curitiba pelo Dia da Consciência Negra, celebrado no último sábado. Parafraseando a ativista Angela Davis, ela disse que “não é só lutar contra o racismo, nós temos que fazer a luta antirracista”. “Hoje estamos vivendo extermínio do povo indígena” acrescentou a vereadora, citando o impacto do garimpo ilegal para o povo ianomâmi, na Amazônia, e o apelo pela reabertura da Casa de Passagem Indígena em Curitiba. “Nós precisamos acompanhar a efetivação no plano. Na sequência existe essa tarefa, que é a fiscalização das políticas públicas.” 

Eu digo que é um projeto que foi construído a várias mãos [desde 2020]. Eu acredito que é um grande passo que essa Câmara dá na busca da igualdade”, afirmou Serginho do Posto (DEM). Ele destacou que o Plamupir é uma “política de Estado”, com mecanismos para a avaliação periódica das ações intersetoriais. 

Oscalino do Povo (PP) somou-se ao debate, em apoio à proposição. Ele registrou a realização de missa, na manhã do último sábado (20), na Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito, com a participação do Coral Negro de Curitiba. 

O Plamupir

Conforme o Executivo, as prioridades definidas no documento resultam do trabalho da Assessoria de Direitos Humanos (ADH), do Comper e de ações propostas pelas secretarias, fundações e agências municipais. Também foi realizada consulta pública, pela internet e nas administrações regionais, entre julho e agosto de 2020. 

Os objetivos do Plamupir preveem, além do enfrentamento ao racismo, à discriminação, ao preconceito e a todas as formas de violência: o trabalho intersetorial, considerando as metas pactuadas pelas secretarias e órgãos municipais; a garantia do acesso aos direitos fundamentais da população negra (preta e parda), indígena e cigana, promovendo a inclusão e a igualdade social; a promoção dos direitos humanos com ações afirmativas de valorização dos grupos étnicos discriminados; e o monitoramento periódico das políticas públicas e ações afirmativas, por meio do diálogo com a sociedade civil organizada. 

O Plamupir é dividido em nove eixos temáticos: saúde; educação; diversidade cultural e ambiental; esporte, lazer e juventude; direitos humanos, enfrentamento à violência e ao racismo; desenvolvimento social; segurança alimentar e nutricional; trabalho e desenvolvimento econômico; e comunicação. O plano terá vigência até o dia 31 de dezembro de 2024. Encerrado o prazo, deve ser reformulado com base na análise das ações aplicadas. 

O monitoramento dos objetivos pautados pelas secretarias, órgãos e agências municipais caberá à equipe da Assessoria de Direitos Humanos. Em uma segunda etapa, a eficácia do Plamupir será debatida pelo Conselho Municipal de Política de Igualdade Étnico-Racial. 

Plano estadual

Presidente do Conselho da Igualdade Racial do Estado do Paraná, Saul Dorval da Silva entregou aos vereadores, nesta manhã, o segundo Plano Estadual de Igualdade Racial, voltado à população negra, indígena e outros grupos étnicos. O documento, destacou ele, afeta a educação, a segurança, o trabalho, a cultura e o meio ambiente, a partir do envolvimento de todas as secretarias e das demandas da sociedade civil. 

Curitiba é uma das cidades mais conservadoras do estado, do país. Por isso precisamos de ações afirmativas”, avaliou. A sessão também foi acompanhada pelo secretário-geral e o vice-presidente do Conselho da Igualdade Racial do Estado do Paraná, respectivamente Isaac Ramos Ferreira e Alexandre César. 

Consciência Negra

Além da sessão solene e da discussão do Plamupir, a pauta alusiva à Semana da Consciência Negra, na CMC, terá a votação de denominações de logradouros, assinadas por diversos vereadores. Uma delas pretende batizar o CMEI Vila Torres como CMEI Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil (008.00003.2021). O outro projeto altera para Irmãos Rebouças, os primeiros engenheiros negros do Brasil, o nome da Escola Municipal Vila Torres (008.00004.2021). 

Na quarta-feira (24), durante a sessão plenária, a Tribuna Livre recebe a advogada, professora e pesquisadora Ana Helena Passos, cofundadora e diretora de comunicação do Instituto Ella Criações Educativas. A convite da Comissão Especial da Visibilidade Negra, ela vai falar sobre as pesquisas na área de relações étnico-raciais e branquitude (076.00043.2021). 

O presidente da Casa, Tico Kuzma (Pros), lembrou da entrega da Cidadania Honorária ao jogador de futebol Maycon Vinícius Ferreira da Cruz, o Nikão, em solenidade nesta segunda, às 19h30. Natural de Belo Horizonte (MG), ele foi autor do gol que levou o Club Athletico Paranaense ao bicampeonato da Copa Sul-Americana, no último sábado. 

Kuzma acrescentou que a Comissão de Serviço Público promoverá reunião extraordinária, nesta terça-feira (23), após a sessão plenária, para avaliar o projeto de lei de Carol Dartora que assegura cotas para negros e indígenas em concursos públicos municipais (005.00033.2021). Se acatada, a proposta estará apta para a votação em plenário. Temos realmente uma semana para lembrar deste Mês da Consciência Negra”, registrou o presidente. 

Para Dartora, as cotas são uma “política inclusiva” comprovada até mesmo na iniciativa privada, considerando-se o impacto do racismo estrutural e de esteriótipos preconceituosos no mercado de trabalho. No Brasil, apontou Professora Josete, dados sobre a renda média e cargos de chefia evidenciam não só a desigualdade racial, mas também a de gênero, já que as mulheres negras são as mais afetadas. 

Utilidade pública

Em segundo turno unânime, com 36 votos favoráveis, o plenário confirmou acatou a utilidade pública municipal ao Grêmio Esportivo e Beneficente Amigos da Bola (014.00023.2021). A autora, Flávia Francischini (PSL), lembrou que a organização, em funcionamento desde 2005, funciona no Sítio Cercado. “São pessoas que realmente fazem um trabalho por amor, com 270 crianças, com esporte. E a gente sabe como o esporte é importante”, disse ela durante a primeira votação, no final de outubro. 

As sessões têm transmissão ao vivo pelos canais do Legislativo no YouTube, no Facebook e no Twitter.