Vereadores de Curitiba arquivam moção contrária a projeto sobre aborto
Placar da votação da moção contrária ao PL 1904/2024 na Câmara de Curitiba. (Fotos: Rodrigo Fonseca/CMC)
Por 12 a 5 votos, nesta terça-feira (18), foi rejeitada a moção contrária ao projeto de lei federal 1904/2024, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas a homicídio. Se tivesse sido aprovado, o requerimento teria sido enviado pela Câmara Municipal de Curitiba (CMC) ao Congresso Nacional, onde a proposição é debatida pelos deputados federais. Contudo, como a moção foi rejeitada, ela será arquivada pelo Legislativo. O debate durou cerca de duas horas, somando o tempo usado ontem e hoje pelas discussões (416.00010.2024).
Rejeitaram a moção contrária ao PL 1904/24 os vereadores Beto Moraes (PSD), Eder Borges (PL), Ezequias Barros (PRD), Indiara Barbosa (Novo), Mauro Bobato (PP), Osias Moraes (PRTB), Pastor Marciano Alves (Republicanos), Rodrigo Braga Reis (PL), Sidnei Toaldo (PRD), Tito Zeglin (MDB), Toninho da Farmácia (PSD) e Zezinho Sabará (PSD). Há dois meses, utilizando os mesmos argumentos mobilizados hoje para arquivar a moção, a CMC tinha apoiado resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem o procedimento chamado assistolia fetal (416.00006.2024), depois suspensa pela Justiça Federal
Além das autoras da proposta, Giorgia Prates - Mandata Preta (PT), Maria Leticia (PV) e Professora Josete (PT), Angelo Vanhoni (PT) e Bruno Pessuti (Pode) também apoiaram a moção, mas os votos foram insuficientes e eles perderam a votação. Abstiveram-se da votação Amália Tortato (Novo), João da 5 Irmãos (MDB) e Nori Seto (PP), além do vereador Marcelo Fachinello (Pode), que, por presidir a sessão, votaria apenas em caso de desempate. Os demais parlamentares estavam ausentes do plenário na hora da decisão. Todo o debate foi transmitido ao vivo pelo canal da CMC no YouTube.
Com 22 semanas bebês sobrevivem fora do ventre das mães, defendem vereadores
“Nós nos preocupamos com a vítima do estupro, mas também com o bebê acima das 22 semanas, que já tem a capacidade de sobreviver fora da barriga da mãe. Pelos cientistas, 22 semanas é um bebê viável”, argumentou Indiara Barbosa (Novo), ao declarar que não apoiaria a moção contrária ao PL 1904/2024. Para a vereadora, ao se opor ao projeto “a esquerda está espalhando desinformação”, especialmente ao dizer que crianças vítimas de estupro serão presas. “Uma criança não vai ser punida por esse projeto de lei, porque não está sujeita a procedimentos criminais”, afirmou.
Rodrigo Reis (PL) cobrou do PT medidas mais duras contra estupradores. “No nosso partido, somos favoráveis à castração química de estuprador e de pedófilo. Quanto ao aborto, existe a legislação vigente, que é para proteger a mulher, mas também não podemos defender o aborto de forma generalizada”, disse o parlamentar. Ele afirmou discordar da votação em regime de urgência na Câmara dos Deputados, mas não votou a favor da moção, “porque eles [os partidos de esquerda] são contra essa discussão [de aumentar a punição dos estupradores]”. “Já passou a hora de mudar o Código Penal”, concordou a vereadora Sargento Tânia Guerreiro (Pode).
A fala da vereadora Maria Leticia (PV), referindo-se aos religiosos que apoiam o PL 1904/2024 como “sepulcro caiado”, uma referência bíblica a líderes dissimulados, foi duramente criticada em plenário. “Hipócritas são vocês, que dizem defender a vida e as mulheres, mas não defendem a menina no ventre da mãe. Não somos todos do mesmo balaio”, rebateu, exaltado, Ezequias Barros (PRD). Antes dele, Eder Borges (PL) disse que “a moção virou lacração”. “É digno assassinar uma criança com 22 semanas no ventre da mãe? É homicídio, é um crime covarde”, acusou. Sidnei Toaldo (PRD) tinha manifestado opinião similar antes.
“[Estupro] é um assunto que nos deixa a todos indignados. Esses estupradores de mulheres são nocivos à sociedade. Mas a criança é a culpada do estupro?”, ponderou Osias Moraes (PRTB), ao discutir a matéria. Ele também se ressentiu do comentário de Maria Leticia, afirmando que “o pedacinho de estima que eu tinha pela senhora foi embora, quando atacou os cristãos e não defendeu a vida”. “Atacar os conservadores da forma como a senhora [Maria Leticia] fez ontem foi vil e leviano. Há muitos pastores que dão a sua vida para salvar a de outras pessoas”, completou.
Projeto que equipara aborto legal a homicídio é “texto demoníaco” e “banaliza estupro”
Chamando o projeto de lei 1904/2024 de “PL do Estuprador”, Giorgia Prates defendeu que se trata de um “texto demoníaco” por não considerar que a vítima é um ser humano e que ele “banaliza o estupro” ao por a vítima “no banco dos réus”. Autora do projeto, ela argumentou que, em todo o Brasil, há crianças e mulheres com deficiência que não sabem reconhecer sinais de gravidez, portanto quando tomarem consciência da gestação poderão estar de 22 semanas ou mais, além dos casos em que as mulheres agredidas têm vergonha da situação, e demoram para buscar ajuda “por medo de represália”. “Cuidar das mulheres que sofrem também é defender o direito à vida”, afirmou.
“Não podemos nos calar neste momento, quando estamos vendo a criminalização das vítimas. As mulheres são violentadas e agora serão punidas? Não é possível que um projeto como esse seja debatido em regime de urgência, votado em segundos. Precisamos nos mobilizar”, convocou a vereadora Professora Josete (PT). Ela destacou que as enquetes públicas promovidas pelo Senado e pela Câmara Federal resultaram em mais de 80% de rejeição à proposta. “O PL pune as mulheres por serem estupradas, ele coloca a vida das mulheres em situação ainda mais aviltante que a condição do estupro”, finalizou.
“O fundamentalismo religioso tem que parar de interferir na vida das mulheres”, acusou Maria Leticia, coautora da moção contrária ao PL 1904/2024 na fala que provocou reações de parlamentares no plenário da CMC. “Os legisladores de 1940 eram mais inteligentes que os de hoje, que querem tirar um direito adquirido há muito tempo [do aborto legal]”, comentou a parlamentar, que dedicou parte do seu tempo a destacar que crianças submetidas à gravidez terão problemas de saúde e que não podem ser revitimizadas pela legislação. “Elas sequer sabem que estão grávidas”, protestou.
Quais moções existem na Câmara de Curitiba?
Atualmente, existem dois tipos de moções à disposição dos vereadores, que podem ser usadas pelos parlamentares para se posicionarem publicamente sobre acontecimentos locais, nacionais ou mesmo internacionais. A moção de apoio ou desagravo é usada para demonstrar solidariedade e a de protesto, para marcar a contrariedade do Legislativo a respeito de um tema, de uma instituição ou de uma pessoa. Desde 2020, quando houve uma revisão do Regimento Interno, a Câmara de Curitiba não conta mais com a moção de repúdio. Em geral, a votação dos requerimentos de moção é feita na segunda parte da Ordem do Dia, em turno único e de forma simbólica (ou seja, sem o registro no painel eletrônico), mas a votação nomimal pode ser adotada se o plenário decidir desta forma.
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