Vereadores criticam Veja por "ofensa" e TV Globo por "distorção de valores"
Após o vereador Ezequias Barros (PRP) mostrar seu descontentamento com o artigo “Essa gente incômoda”, publicado pela revista Veja, em que José Roberto Guzzo aborda a expansão das denominações evangélicas no Brasil, os parlamentares Osias Moraes (PRB), Thiago Ferro (PSDB), Noemia Rocha (PMDB) e Dr. Wolmir Aguiar (PSC) fizeram duras críticas à forma como a fé deles vem sendo tratada pela mídia. Queixaram-se de reportagens na última edição do programa Fantástico, da TV Globo, no domingo (8), e voltaram a citar o caso da exposição Queermuseu, em Porto Alegre (RS). No fim da sessão de votações desta terça-feira (10) duas moções de repúdio já circulavam em plenário.
“Esse povo composto por morenos e brasileiros vem sendo visto com horror por gente de bem da sociedade”, diz J. R. Guzzo no artigo, numa passagem que Ezequias Barros criticou diretamente, ao entender que a expressão “gente incômoda”, oposta à “gente de bem”, era um ataque à sua fé. “Ele fala de um povo que é ordeiro, e que incomoda, sim, porque faz o que muitos não fazem”, contrapôs o vereador de Curitiba, referindo-se às ações sociais dos evangélicos. Thiago Ferro chamou o articulista de “energúmeno”.
Para Noemia Rocha, que agilizou o protocolo da moção de repúdio contra o texto “Essa gente incômoda”, o artigo foi “ofensivo” e “discriminatório”, pois “a comunidade evangélica está respaldada na Constituição”. Osias Moraes ironizou serem chamados de “conservadores”, uma vez que recebem na igreja “todo tipo de pessoas”. A moção foi registrada com o código 060.00013.2017 e destaca outros trechos, como o que diz serem os evangélicos “um problema sem solução”. “O tom impresso ao texto abre flanco direto contra o sentimento, a honra e a reputação de milhões de cristãos em todo o Brasil”, diz a peça, afirmando que “o tom manifestamente abusivo” extrapola “o direito de liberdade de expressão jornalística”.
“Resta inequívoco que a comunidade evangélica continuará "incomodando" todas as práticas, políticas e iniciativas que perpetuem as mazelas sociais, a pobreza, a desagregação da família e seus valores, e em qualquer canto, pedaço ou rincão desse imenso país onde haja o menor vestígio de sofrimento humano”, termina a moção de repúdio, que deve ser levada ao plenário, para votação, na segunda parte da Ordem do Dia desta quarta-feira (11). Durante o debate, Zezinho Sabará (PDT) e Oscalino do Povo (Pode) declararam apoio à moção. O outro repúdio (060.00014.2017), reanimado por esse debate, foi em protesto à exposição Queermuseu.
Dia sem Globo
Quem sucedeu Barros na tribuna da Câmara Municipal, já no fim da sessão plenária, foi Osias Moraes. Ele disse que reportagem exibida no domingo pelo programa Fantástico, da TV Globo, no domingo (8), sobre uma família e uma escola do Rio de Janeiro que não fazem distinção de gênero na hora da escolha dos brinquedos e roupas das crianças, trata-se de “distorção de valores”. “Há uma corrente para a sociedade aceitar esses absurdos, essa inversão de valores”, disparou, convocando os vereadores a aderirem à campanha “Um dia sem Globo”, no dia 23 de outubro. Ele se referiu à emissora como “Rede de Esgoto” e disse não assistir o canal “há muitos anos”.
“No Fantástico que aprendemos [que] um casal de dois bizarros, esquisitos, de aparência suja, que criam um dos filhos homem brincando de boneca são mais modernos e corretos que você. É isso que a rede Globo passou. Nós agora estamos invertendo… nós que somos os incorretos, nós que constituímos famílias, criamos os nossos filhos dentro de uma disciplina, dentro de uma moral, dentro de um princípio, nós somos os incorretos, os cafonas, os retrógrados”, ironizou Moraes, em tom de crítica à reportagem.
Continuou citando outra matéria do Fantástico, em que traficantes teriam agido contra umbandistas na favelas do Rio de Janeiro. Osias Moraes acusou o jornal de ser parcial ao associar a fé deles com o ato de transgressão. “Eles [os traficantes agressores] são intolerantes [na visão da reportagem] com umbandistas em comunidades, porque são religiosos cristãos e não por que são bandidos, com ética e moral distorcida”, reclamou o vereador. “Olha a imagem que eles querem passar do cristão! [Olha] a distorção de valores que essa emissora passa hoje”, completou.
“Quero dizer que não sou contra a pessoa que quer fazer [o que quiser] da sua vida, [se] ela é maior de idade. [Se] ela quer, [vai] fazer da sua vida o que bem entender: "ah, eu quero ser homossexual", "tudo bem, vai ser homossexual"; "ah, eu quero ser lésbica", "tudo bem, vai ser lésbica"; "ah, eu quero ser traficante", "vai ser traficante". Faça da sua vida o que você quiser. Mas nós não podemos aceitar esta corrente que há, e é ideológica, sim, dentro das escolas, para tentar tirar a família de foco”, disse Moraes, após ceder apartes.
“Tenho certeza que o senhor não coloca os três elementos ["homossexual", "lésbica" e "traficante"] no mesmo balaio, há uma distinção gigantesca”, disse Professor Euler ao vereador Osias, referindo-se à comparação com traficantes. “Acho que saiu de contexto”, explicou-se, na sequência, o parlamentar do PRB. Ele também travou um debate com a Professora Josete (PT) sobre a definição de família, que Moraes acredita ser determinada “cientificamente”, ao que a vereadora defendeu outros arranjos afetivos.
“Meu conceito de família são pessoas que decidem viver juntas, que criam seus filhos com amor”, disse Josete, defendendo ser importante “desvincular coisas que se misturam”, assim como “uma fala que pode não se intencional, mas coloca gays e lésbicas na mesma linha que bandido”.
“Na minha [igreja] tem homossexual, que são bem-vindos, amados, participam dos nossos cultos, das nossas celebrações, e eu creio que em todas as igrejas. Família biológica: pai, mãe e reprodução. Família social é a família que a Professora Josete Disse. Apenas para esclarecimento, ideológico, por favor não nos discriminem, tenham a cabeça aberta, mais evoluída quando falarem do segmento evangélico”, pediu Thiago Ferro.
Dr. Wolmir Aguiar defendeu a necessidade de respeitar as diferenças, “mas complica quando inverte-se os papéis, que essa diferença, minoria que seja, quer impor que outro adote uma prática ou uma opção”. O debate durou quase uma hora e pode ser conferido, na íntegra, no canal da Câmara no YouTube.
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