Vereadores aprovam moção de desagravo a Curitiba após ofensa de Gilmar Mendes
Placar de votação nominal da moção de desagravo a Curitiba em razão das fala de Gilmar Mendes. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Por 25 a 3 votos, os vereadores da capital do Paraná aprovaram, nesta terça-feira (16), uma moção de desagravo à cidade de Curitiba, “em repúdio às falas de Gilmar Mendes no programa Roda Viva de 8 de maio”. Na ocasião, em resposta a uma pergunta do jornalista português João Almeida Moreira sobre a Operação Lava Jato e o bolsonarismo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) disse que “Curitiba tem o germe do fascismo”. A fala de Gilmar Mendes foi considerada ofensiva pelos vereadores da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) e a moção de desagravo é a primeira medida tomada pelo Legislativo em resposta à declaração (416.00008.2023).
A moção foi protocolada pelo presidente da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), Marcelo Fachinello (PSC), e assinada pelos vereadores Indiara Barbosa (Novo), Alexandre Leprevost (Solidariedade), Amália Tortato (Novo), Eder Borges (PP), Ezequias Barros (PMB), Herivelto Oliveira (Cidadania), Hernani (PSB), Jornalista Márcio Barros (PSD), Mauro Bobato (Pode), Mauro Ignácio (União), Nori Seto (PP), Osias Moraes (Republicanos), Pastor Marciano Alves (Solidariedade), Pier Petruzziello (PP), Professor Euler (MDB), Sidnei Toaldo (Patriota), Tico Kuzma (PSD) e Tito Zeglin (PDT).
Atualmente, o Regimento Interno (RI) da CMC prevê dois tipos de moções, que podem ser usadas pelos vereadores para se posicionarem publicamente acerca de acontecimentos locais, nacionais ou internacionais. Existe a moção de apoio ou desagravo, por meio da qual a Câmara de Curitiba demonstra solidariedade, e há a moção de protesto, usada para marcar a contrariedade do Legislativo acerca de um tema, uma instituição ou pessoa. Desde 2020, quando houve uma revisão do RI, a CMC não dispõe mais da antiga moção de repúdio, mas o termo ainda é usado como sinônimo da moção de protesto pelos parlamentares.
Nos últimos 24 anos, de 1999 a 2023, foram aprovadas 389 moções na CMC, das quais 330 de apoio e 59 de protesto ou repúdio. Há pelo menos outros dois casos em que os vereadores da capital se levantaram contra insultos dirigidos a curitibanos. Em 2018, quando o cantor Agnaldo Timóteo chamou os “sulistas” de “ingratos”, “miseráveis” e “elitistas”, 34 vereadores assinaram a moção de repúdio protocolada por Pier Petruzziello (062.00004.2018). Lá em 2001, Fábio Camargo, então vereador da capital, apresentou moção de repúdio a Alceni Guerra, na época na Casa Civil do Governo do Paraná, em razão do político ter dito que o povo curitibano é preconceituoso com quem vem de outras cidades e estados (060.00007.2001).
Lava Jato x PT
“Nós exigimos respeito”, disse a vereadora Indiara Barbosa, abrindo o debate da moção de desagravo à cidade de Curitiba, na segunda-feira (15). Ela criticou Gilmar Mendes por ter agido como um “comentarista político”, em vez de se comportar com a discrição esperada de um ministro do STF, e iniciou a defesa da Operação Lava Jato em plenário. “Quem tem o germe do fascismo são alguns ministros do STF que não respeitam o Congresso”, somou Rodrigo Reis (União), para quem “a Lava Jato tem mais aprovação [em Curitiba] que o ex-presidente [Bolsonaro], que supostamente perdeu a eleição para esse ex-presidiário [Lula] que aí está. Houve um grande esquema de corrupção, talvez o maior do mundo”.
A Operação Lava Jato foi trazida ao debate pelos vereadores do Partido dos Trabalhadores, que buscaram contextualizar a fala de Gilmar Mendes não como uma menção à cidade de Curitiba, mas à “República de Curitiba”, em referência àquilo que chamaram de “conluio” entre promotores e juízes. “Não estou defendendo o Gilmar Mendes, mas não podemos tirar uma frase de contexto para gerar sensacionalismo”, resumiu Giorgia Prates - Mandata Preta (PT). “Fiz questão de ouvir na íntegra o programa e a afirmação está sendo usada fora de contexto”, concordou Professora Josete (PT), que chamou a Operação Lava Jato de “a maior excrescência da história do Brasil”.
“Não é possível que os vereadores de Curitiba achem certo o que o ex-juiz Sergio Moro fez durante a Operação Lava Jato, combinando [ações com a promotoria]. Os áudios estão aí. Um juiz combinou as coisas antecipadamente com o promotor para culpar alguém. Pelas regras jurídicas que conhecemos há mais de 200 anos, isso é inaceitável. Eu não acredito que a CMC enxergue o Sérgio Moro como um homem vocacionado ao direito, para julgar os conflitos humanos, e nem acredito que achem que o Dallagnol seja um promotor dedicado à justiça. Perseguiu com imparcialidade setores da política nacional”, atacou Angelo Vanhoni (PT).
“A culpa do presidente Lula ter sido preso não é o fato de ele ser um corrupto, líder da quadrilha do maior escândalo de corrupção já conhecido na história do nosso país. Não, a culpa é do excelente trabalho dos procuradores do Paraná, que descobriram, e dos juízes, que julgaram”, ironizou Amália Tortato. Ela acrescentou que, “se o ministro Gilmar Mendes quiser falar, ele que concorra a um cargo eletivo, vire parlamentar e daí vá emitir opinião”. “Não honrou a toga que usa”, afirmou Sidnei Toaldo. “O STF é uma peça fundamental para a democracia e estabilidade de qualquer país civilizado do mundo. Quando seus ministros, que deviam ser imparciais, passam a ser militantes, isso é muito grave, porque descredibiliza a instituição”, opinou Eder Borges.
Gilmar Mendes em foco
“Ele demonstra um temperamento rude, belicoso, grosseiro. Já vi a esquerda defendendo Gilmar Mendes quando ele atacou a direita, mas já vi a direita defendendo ele quando atacou a esquerda. Ele não ofende direita ou esquerda, ele ofende pessoas, independente da matriz ideológica. Parece que ser rude é o prazer dele”, comentou Professor Euler, autor de um projeto para revogar a Cidadania Honorária de Curitiba concedida a Mendes em 2022. “Quando fala que Curitiba tem o germe do fascismo, ele usou o tempo verbal no presente. Se quisesse falar da Lava Jato, teria dito ‘teve’, no tempo passado, mas usou o verbo no presente”.
Para Serginho do Povo (União), a fala em questão mostra uma hostilidade pessoal entre Gilmar Mendes e Sérgio Moro, e Rodrigo Reis avançou por outra frente, dizendo que “[Mendes] no começo da Lava Jato era favorável à operação, [mas] em um determinado momento, quando ela investigou envio de dinheiro para Portugal, houve uma mudança [de comportamento do ministro]”. “O ministro do STF não deve emitir opiniões, deve emitir decisões. Se emite opiniões, [ele] macula com um vício insanável, no Poder Judiciário, que é contaminação da vontade. Acredito que houve excesso”, asseverou Dalton Borba (PDT).
Chamando à razão a discussão, Pier Petruzziello tentou situar a moção de desagravo em um polo diferente da polarização política e das críticas pessoais ao ministro Gilmar Mendes. “O que estamos votando é um desagravo, [por causa de] uma fala de um ministro da mais alta Corte do Brasil. Não tem nada a ver com o Lula, o Bolsonaro, o Moro ou o Deltan. Houve uma fala pesada do ministro e ele se retratou, não da forma como deveria, mas, ali no Twitter, pelo menos do que eu li, ele fez uma retratação. “Estamos discutindo ideologia e não é o caso. Se ele é favorável ou contrário à Lava Jato, não tem importância nesse momento”, concordou Herivelto Oliveira.
“Não é [uma moção] contra o ministro, é contra o que ele falou. Não é uma retaliação à pessoa. Todo mundo tem o direito de errar na vida e de se retratar também”, reforçou Petruzziello. Nesse sentido, João da 5 Irmãos tinha dito que, “quando o ministro generaliza uma cidade inteira, não foi feliz na fala, por isso os cidadãos de Curitiba merecem uma retratação”. Após a repercussão negativa da sua fala, Gilmar Mendes disse, no Twitter, que “jamais quis ofender o povo curitibano, não foi Curitiba o gérmen do fascismo”, e que sua fala fazia menção aos “juízes responsáveis por ela [Lava Jato] na capital paranaense”.
Filme Easy Rider
Durante o debate de segunda-feira (15), o vereador Angelo Vanhoni citou a cena final do filme Easy Rider, de 1969, lançado no Brasil com o nome “Sem destino”. Nela, os dois representantes da contracultura da época, motociclistas de cabelos compridos, que protagonizaram o filme, são alvejados de carabina por dois fazendeiros e morrem. O parlamentar usou a cena numa tentativa de explicar o fascismo, que ele vê como a intenção de aniquilar o diferente. Hoje, na retomada da discussão interrompida ontem, Rodrigo Reis e Eder Borges pediram uma retratação do parlamentar, por sugerir, com o exemplo, que os curitibanos são violentos.
Borges acusou Vanhoni de “fazer malabarismo” para defender as falas do ministro Gilmar Mendes, “passando pano para as falas infelizes do ministro”. Segundo o vereador, o exemplo do filme “deu a impressão que Curitiba, que os cidadãos têm essa característica, o que não faz o menor sentido”, uma vez que a cena, na opinião do vereador, “remete ao Che Guevara, que fuzilava opositores no paredón”. “Comparar o povo curitibano com motoqueiro, que deu um tiro na cabeça do outro, foi muito pesado e triste para a história da Câmara Municipal”, concordou Reis, que não avançou mais no assunto, em razão de Vanhoni estar ausente por motivo de viagem na sessão desta terça.
Fala no Roda Viva
Na noite de segunda-feira (8), Gilmar Mendes participou do programa de entrevistas Roda Viva, da TV Cultura. A frase que provocou a reação da CMC foi dita pelo ministro do STF em resposta a uma pergunta do português João Almeida Moreira, do Diário de Notícias. Antes de questionar Mendes se ele se arrependeu de ter impedido a posse de Lula na Casa Civil de Dilma Rousseff, no episódio do “Bessias”, o jornalista faz um longo prólogo, em que cita a “República de Curitiba”, as reportagens da série “Vaja Jato”, do The Intercept Brasil, e as relações políticas entre o ex-juiz Sérgio Moro, agora senador pelo Paraná, e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Gilmar Mendes primeiro defende sua decisão, à época, de barrar a posse de Lula, por entender que o ato tinha “um desvio de finalidade”. Depois afirma que “Curitiba gerou Bolsonaro, Curitiba tem o germe do fascismo, inclusive todas as práticas que desenvolvem investigações à sorrelfa, investigações atípicas. Não precisa dizer mais nada, a combinação, veja, não é por acaso que até os procuradores, talvez até por uma certa falta de cultura, dizem que ‘nós aplicamos o Código Processual Penal do russo’. Talvez eles quisessem dizer do soviético, da Rússia soviética, que o Moro tem um código penal dele próprio, que ‘russo’ era o nome dele”.
No ano de 2002, por ocasião da indicação pelo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, do então advogado-geral da União, Gilmar Mendes, para a vaga de ministro do STF, o ex-vereador Ney Leprevost sugeriu e a CMC concedeu a ele o título de Cidadão Honorário de Curitiba (006.00009.2002). A honraria foi sancionada pelo prefeito Cássio Taniguchi, gerando a lei municipal 10.618/2022. Na semana passada, Professor Euler registrou um projeto para revogar a norma, o que, na prática, anula a concessão da homenagem ao ministro do STF (005.00099.2023).
“Persona non grata”
Foi protocolada pelo vereador Rodrigo Reis (União) a moção de protesto que chama o ministro do STF, Gilmar Mendes, de ‘persona non grata’ (413.00003.2023). Na justificativa, Reis diz que o magistrado proferiu, no Roda Viva, “palavras de baixo calão, racistas e preconceituosas em relação ao povo de Curitiba” e que “o povo curitibano é honesto e trabalhador e não merece ser desrespeitado por um Magistrado de uma corte superior que já foi colocado em suspeição por diversas investigações”. As moções não têm efeito jurídico, servindo apenas para posicionamento político da CMC em situações extraordinárias.
Bastante comum na diplomacia internacional, o ato de declarar um indivíduo como “persona non grata” acontece quando um governo recusa um diplomata indicado por outra nação. O termo não aparece na legislação municipal, logo o uso da expressão no requerimento é a forma como o parlamentar autor da moção encontrou para expressar sua indignação com o acontecido, usando-a como uma analogia, no sentido de dizer, simbolicamente, que Mendes não é bem-vindo na cidade. A moção de Rodrigo Reis estava na lista de votações de hoje, mas, em razão do fim do horário regimental, isso não foi possível e ela retornará à pauta nesta quarta-feira (17).
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