Vereadoras acusam “desproporcionalidade” e "distorção" no caso da Igreja do Rosário

por José Lázaro Jr. | Revisão: Vanusa Paiva — publicado 14/02/2022 17h25, última modificação 21/02/2022 09h29
A crítica é que a entrada dos manifestantes no templo tem gerado mais repercussão que os assassinatos de Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho, no Rio de Janeiro.
Vereadoras acusam “desproporcionalidade” e "distorção" no caso da Igreja do Rosário

Vereadoras discordam da forma como o debate público sobre a Igreja do Rosário está acontecendo. Na foto, Carol Dartora. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Pela quarta sessão consecutiva, os vereadores da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) discutiram em plenário o caso da Igreja do Rosário. Desta vez, Maria Leticia (PV), Professora Josete (PT) e Carol Dartora (PT), em tom de acusação, afirmaram que o debate sobre a participação de Renato Freitas (PT) no ato estaria distorcido por “fake news”, levando à “desproporcionalidade” das acusações contra o parlamentar. No contraponto, Osias Moraes (Republicanos) reiterou que as filmagens mostram a invasão do templo acontecendo.

“Eu vou esperar os documentos e as provas”, disse Maria Leticia, abrindo o debate sobre o assunto e criticando a “condenação prévia” do vereador Renato Freitas, que responde a quatro representações no Conselho de Ética da CMC por ter participado do ato contra o racismo que terminou com a entrada dos manifestantes no templo. “Existe outra violência aí, quando [a repercussão de] a invasão da igreja supera a da morte de homens negros. Ninguém falou de racismo estrutural aqui. Negar que essas violências foram de cunho racial, foram racistas, é negar o racismo estrutural. É absurdo como negam o racismo estrutural”, acusou.

Para a Professora Josete, a discussão sobre o ato na Igreja do Rosário é vítima da intolerância política. “Somos contra distorções que visem unicamente a prejudicar a imagem dos manifestantes e dos movimentos sociais, especialmente do Partido dos Trabalhadores, e a atacar os nossos parlamentares. Estive na praça e presenciei um ato simbólico e justo, clamando pela proteção da vida das pessoas pretas, em uma igreja historicamente vinculada à população negra. O vereador Renato Freitas já pediu desculpas aos fiéis e a toda comunidade católica. Nós reconhecemos a importância do seu mandato para a CMC e para a população periférica da cidade”, afirmou a parlamentar.

“Sabemos que, infelizmente, alguns vereadores de Curitiba, parte da imprensa e lideranças políticas, algumas delas pré-candidatas, e até mesmo o genocida que hoje é presidente da República, têm usado esse episódio com o intuito de criminalizar a esquerda e seus representantes. Denunciamos e repudiamos a série de ataques de cunho racista que nossos colegas de bancada, Renato Freitas  e Carol Dartora, têm sofrido desde o ocorrido, pois esse movimento tem apenas o intuito de desvirtuar o debate central, que é o combate ao racismo e ao genocídio da população negra”, concluiu Josete.

“Considerando a polarização que foi feita e a politização da situação, distorcida, e que notícias falsas foram divulgadas nas redes sociais, especialmente nas bolsonaristas, manipulando e desinformando as pessoas em relação ao que aconteceu, a gente olha o pedido de cassação como algo extremamente desproporcional. Se todo o ocorrido foi distorcido, a CMC levar a cabo a cassação de uma representação legítima, negra e periférica, que enfrenta inúmeras barreiras para ocupar esse espaço, mostra quanto o racismo estrutural barra a nossa entrada e dificulta a nossa presença”, acrescentou Carol Dartora. Hoje, acompanhando a sessão, estavam os ex-vereadores Angelo Vanhoni, Dr. Rosinha e André Passos, do PT.

Autor de uma das representações contra Renato Freitas em análise no Conselho de Ética, Osias Moraes (Republicanos), respondeu às críticas das parlamentares. “Não posso me calar sobre os fatos terem sido distorcidos. Os fatos estão claros nas filmagens. Havia um ato legítimo contra o racismo em frente à igreja e, os ativistas, aqueles que estavam protestando, subiram as escadarias da igreja, e isso é fato. Não há fake news nisso. Está gravado, lá, para todo mundo ver. Que o padre foi lá pedir para eles baixarem o som e que ele foi chamado de fascista e racista. Isso é fato claro, não é fake news. Tentar transformar esse fato em racismo é leviano e imoral”, contrapôs. 

Solidariedade
Depois da vereadora Carol Dartora expor os ataques que vem sofrendo pelas redes sociais desde o dia da manifestação, com ameaças e injúrias raciais, parlamentares têm se posicionado sobre o fato, demonstrando solidariedade a ela e a Renato Freitas. “A CMC apoia as manifestações pacíficas. Na [última] reunião da Mesa Diretora afirmamos que as pessoas têm que ter muito cuidado para que, ao quererem a solução para o caso da Igreja do Rosário, não cometam outros crimes, como injúria e racismo. A vereadora Carol Dartora e também o vereador Renato Freitas vêm sofrendo essas perseguições. Não podemos admitir esse tipo de atitude”, reiterou Tico Kuzma (Pros), presidente da CMC.

“Quero deixar a minha solidariedade à vereadora Carol Dartora, vítima de alguns perfis com racismo. Isso é incabível e inaceitável. Deixo o meu repúdio e peço que a Polícia Civil possa encontrar esses racistas infelizes que atacam a vereadora”, disse, hoje, Osias Moraes. “Quero deixar meu apoio à vereadora Carol e repudiar as agressões que ela sofreu nos últimos dias”, registrou Indiara Barbosa (Novo), durante a sessão. 

Entenda o caso
Na tarde do dia 5 de fevereiro, que foi um sábado, movimentos sociais em todo o país realizaram atos contra o racismo e a xenofobia, protestando contra os assassinatos do  congolês Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho, no Rio de Janeiro. Em Curitiba, a manifestação foi marcada para o Largo da Ordem, do lado de fora da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. O protesto aconteceu ao mesmo tempo em que uma missa era realizada na Igreja do Rosário e, em dado momento, os manifestantes entraram no templo. Entre eles, estava o vereador Renato Freitas (PT).

Durante aquele fim de semana, as imagens circularam nas redes sociais e o episódio passou a ser descrito como “a invasão da Igreja do Rosário”. Na segunda-feira (7), esse foi um dos assuntos mais abordados na CMC, com 15 dos 38 vereadores declarando solidariedade aos católicos pela interrupção do culto. Parlamentares pediram a responsabilização de Freitas pelo ocorrido e uma  nota oficial da Arquidiocese de Curitiba foi lida em plenário pelo presidente da CMC, Tico Kuzma (Pros), na qual Dom José Peruzzo diz que “a posição da Arquidiocese de Curitiba é de repúdio ante a profanação injuriosa”.

O assunto seguiu sendo tema do plenário no dia seguinte (8), quando parlamentares registraram em plenário o repúdio de diversas organizações religiosas à invasão da Igreja do Rosário - Instituto Brasileiro de Direito e Religião, Associação Nacional dos Juristas Evangélicos, Conselho de Ministros Evangélicos do Paraná, Núcleo de Pastores de Curitiba, Instituto Gregoriano, Movimento Familiar Cristão e Renovação Carismática (leia mais). Na quarta (9), também a União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos.

Renato Freitas abordou o assunto duas vezes em plenário, nos dias 7 e 9. Na primeira, defendeu a escolha do entorno da Igreja do Rosário como local da manifestação, disse que a organização do ato foi de vários movimentos sociais e afirmou que a entrada no templo se deu após o fim da missa. “Foi escolhida [para a manifestação] a Igreja dos Pretos, construída pelos pretos e para os pretos, justamente porque na igreja central, na Matriz, os negros eram proibidos de entrar”, afirmou, acrescentando que “as filmagens mostram que a igreja estava absolutamente vazia [na entrada dos manifestantes]”, defendeu-se.

Na quarta, citando o depoimento do padre Luiz Haas, daquela igreja, à emissora de tevê RPC, o vereador reafirmou que a missa já havia terminado quando “a manifestação, de forma espontânea, as pessoas ali entenderam que passar a mensagem da valorização da vida dentro da igreja seria adequado”. “Algumas pessoas se sentiram profundamente ofendidas [pela manifestação contra o racismo ter adentrado à igreja] e a elas eu peço perdão, pois não foi, de fato, a intenção de magoar ou ofender o credo de ninguém, até porque eu mesmo sou cristão”, desculpou-se Freitas, em plenário (leia mais). O vereador recebeu o apoio de Frei David, da Pastoral do Negro, de São Paulo.

Na quinta (11), a Mesa Diretora da CMC se reuniu para deliberar sobre as cinco representações contra Renato Freitas protocoladas durante a semana. Ao analisar o cumprimento dos requisitos, quatro foram admitidas e enviadas para o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar: as queixas formuladas por  Eder Borges (PSD); Pier Petruzziello (PTB); Pastor Marciano Alves e Osias Moraes, ambos do Republicanos; e a dos advogados Lincoln Machado Domingues, Matheus Miranda Guérios e Rodrigo Jacob Cavagnari (leia mais). Somente a representação do PTB não foi admitida, por ser de autoria de pessoa jurídica, o que é vedado pela legislação.

O processo agora está sob análise do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, para instauração de procedimento de investigação que pode resultar nas seguintes penalidades: censura pública, suspensão de prerrogativas regimentais, suspensão temporária ou perda de mandato. Também há a possibilidade de arquivamento das representações. Em manifestação prévia, a Corregedoria da CMC opinou pela materialidade das representações contra o parlamentar (leia mais). O prazo máximo para a decisão do Conselho de Ética é de 90 dias úteis contados da notificação do representado, podendo ser prorrogado por decisão do plenário pelo mesmo período, uma única vez.