Uso de banheiros por identidade de gênero: CMC aprova moção de protesto
Vereador Osias Moraes foi o autor da moção de protesto contra a resolução 2/2023. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Em votação simbólica, nesta quarta-feira (4), os vereadores da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) aprovaram uma moção de protesto contra o teor da resolução 2/2023 do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A resolução diz, no artigo 5º, que as instituições de ensino devem garantir “o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade e expressão de gênero de cada estudante”. O autor da moção de protesto, Osias Moraes (Republicanos), declarou seu repúdio ao documento, afirmando que “criança trans não existe” e que não aceitará “ideologia de gênero dentro das nossas escolas”.
“Durante a campanha [de 2022], o presidente Lula, sobre a acusação de que colocaria banheiros unissex nas escolas, disse que ele jamais faria isso e que essa ideia ‘só pode ter saído da cabeça de Satanás’. Daí, na semana passada, nós recebemos perplexos a notícia dessa resolução do Ministério dos Direitos Humanos”, protestou Osias Moraes. O vereador defendeu que “o povo brasileiro, na sua maioria, não aceita esse tipo de imposição”. “E se houver um estupro dentro desse banheiro, como será feito? A minha preocupação é grande, assim como a de muitos pais e mães. Há uma grande perseguição contra nós, conservadores, de direita, mas enquanto estivermos aqui, não aceitaremos, não”, afirmou.
A moção de protesto foi votada no fim da sessão desta quarta-feira, após horas de debate entre os vereadores, somando o tempo gasto hoje e na segunda (2), quando o requerimento estreou em plenário. Por se tratar de votação simbólica, não há registro do placar, apenas a indicação de quem se manifestou durante a discussão. Apoiaram verbalmente Osias Moraes os vereadores Rodrigo Braga Reis (União), Ezequias Barros (PMB), Sargento Tânia Guerreiro (União), Eder Borges (PP) e Sidnei Toaldo (Patriota). Foram contra Giorgia Prates - Mandata Preta (PT), Angelo Vanhoni (PT), Maria Leticia (PV) e Professora Josete (PT), mas somente as últimas duas estavam em plenário, hoje, na hora da votação (413.00008.2023).
Constrangimento, oportunidade para pedófilos e sexualização de crianças
Os argumentos favoráveis à moção de protesto contra o uso de banheiros por identidade de gênero mobilizaram argumentos que foram do “constrangimento às senhoras” à ameaça de crimes sexuais, passando por críticas à sexualização precoce de crianças. Rodrigo Reis defende que Curitiba é uma cidade conservadora e que “as moças e senhoras se sentem constrangidas quando entra um homem no banheiro [delas]”. Ele sugeriu que os “vereadores de esquerda” façam emendas ao orçamento para a construção de “banheiros específicos para essa categoria de pessoas”. “1% não pode ditar regra para os outros 99%”, disse.
“O banheiro unissex é de uso individual, não é coletivo, logo não somos contra isso. Não queremos é que tenha banheiro coletivo unissex”, resumiu Ezequias Barros. “A resolução pode não ter poder de lei, mas ela confunde. Ela não obriga, mas alguns diretores [de escolas municipais] já estão pondo [as recomendações] em prática. Cabe a nós ir para as escolas fiscalizar isso”, continuou o vereador. Hoje, Barros exibiu reportagens de crimes sexuais cometidos por pessoas LGBTQIA+ nos EUA para ilustrar o que ele teme que aconteça no Brasil. “[Banheiros coletivos unissex] facilitam a ação dos pedófilos, que são oportunistas. Isso favorece abusadores que esperam uma chance para tocar numa criança. Temos que ter leis para protegê-las, mas estamos na contramão”, protestou Tânia Guerreiro.
“Ninguém disse que os gays são abusadores, isso não foi dito, sequer insinuado, o ponto é que essa causa nobre de vocês abre a porteira para os abusadores, será que é preciso desenhar? Não são os gays os abusadores, mas essa causa abre a porteira para tarados abusarem das nossas crianças”, argumentou Eder Borges. Ele relatou ter recebido, no WhatsApp, o relato de uma mãe, “indignada”, contando que ela foi com a filha, de dez anos de idade, a um hipermercado, mas, quando a criança entrou no banheiro, havia um homem vestido de mulher, e ela viu a genitália dele. “Vejam o desrespeito que passou essa menina, que pode ter adquirido um trauma, ao ser obrigada a ver a genitália de uma pessoa do sexo oposto”, defendeu.
Debate sobre banheiros deu lugar a discriminação e intolerância, dizem vereadores
No contraponto à maioria dos vereadores da Câmara de Curitiba, Giorgia Prates disse que ser contra regras inclusivas para o uso dos banheiros é “resistir à ideia da existência de espaços seguros às pessoas trans”. “É mais que hora de deixar a ignorância de lado e construir banheiros inclusivos, sim, que não neguem a identidade de gênero de ninguém. É triste constatar que a CMC se tornou um lugar para manifestações de discriminação e intolerância [contra as pessoas LGBTQIA+]”, apontou. “É preciso uma discussão mais inteligente, que busque uma solução, sem vir falar aqui de pedofilia”, reclamou a parlamentar.
Maria Leticia trouxe dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para o debate, para embasar sua afirmação que, diferente do que o debate aponta, que os banheiros de escolas públicas seriam lugares perigosos, “é na residência que as crianças mais sofrem violência sexual”. “Nos casos de 0 a 13 anos, 86% das crianças são vítimas de agressores conhecidos, dos quais 64% são familiares. Diretores de 1.295 escolas no Brasil relataram casos de bala perdida e de tiroteio [em escolas], e vocês ficam discutindo banheiro?”, protestou a vereadora. “Tem que parar de usar de fake news para desqualificar escolas, professores e professoras”, opinou Josete.
“As pessoas não escolhem ser trans, gays ou lésbicas. Elas nascem e, desde muito cedo, essas coisas se manifestam, porque faz parte delas. Eu respeito todas as crenças e religiões, e entendo que dentro do templo cada um defende o que quiser, mas o Estado é laico e tem que garantir a inclusão de todas as pessoas. Sou professora de Biologia e de Ciências, então fico indignada quando ouço aqui de ‘ideologia de gênero’, que não existe e foi criada para lidar de forma maldosa [com esse assunto]”, comentou Professora Josete.
Resolução não tem efeito vinculante e foi produzida pelo Conselho LGBTQIA+
Publicada no Diário Oficial da União no dia 19 de setembro, a resolução 2/2023 repercutiu no Congresso Nacional, em falas dos deputados Nikolas Ferreira (PL/MG) e Filipe Barros (PL/PR), motivando uma manifestação do ministro de Direitos Humanos, Silvio Luiz de Almeida, na qual ele pede providências da Advocacia Geral da União (AGU) sobre o assunto. “A resolução não tem efeito vinculante”, escreveu, reiterando que nenhuma escola é obrigada a adotar a medida.
No documento, Silvio Almeida diz que a resolução foi elaborada pelo Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, “que é um órgão autônomo em suas decisões”. “Nem o ministro [dos Direitos Humanos], nem o presidente [da República] tiveram qualquer participação ou influência na produção da resolução”, explica à AGU. Silvio Almeida aponta ainda que a resolução recomenda a instalação de banheiros de uso individual, segregados por gênero, “para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos”.
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