Tribuna Livre alerta a desafios da triagem neonatal ampliada
A médica Carolina Prando disse que a triagem do SCID, prevista na 4ª etapa da lei, é uma “corrida contra o tempo”. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
A Tribuna Livre da sessão plenária dessa quarta-feira (1º) apresentou desafios da implantação da lei federal 14.154/2021, que gradativamente, a partir de maio de 2022, ampliará de 6 para mais de 50 as doenças rastreadas pelo teste do pezinho oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A convite da vereadora Amália Tortato (Novo), o espaço democrático de debates da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) recebeu a médica alergista e imunologista pediátrica Carolina Cardoso de Mello Prando, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe (076.00034.2021).
Amália Tortato destacou que a convidada é mestre em Saúde da Criança e do Adolescente e pós-doutora em Genética Humana das Doenças Infecciosas. “A doutora Carolina trabalha no Hospital Pequeno Príncipe fazendo o tratamento de doenças possíveis de serem triadas no teste do pezinho”, afirmou. “A lei federal nos traz uma certa esperança, porque ela realmente prevê que o teste do pezinho seja ampliado, para que mais doenças sejam triadas no momento do nascimento da criança. Mas ela também nos traz uma dúvida, porque não estabelece um prazo [para que as etapas saiam do papel]”, explicou.
A convite da vereadora, a servidora Débora Reis de Lima, da Diretoria de Apoio Procedimental (DAP) da CMC, também acompanhou a discussão. “A Débora é mãe do Miguel. E o Miguel nos deixou por conta de uma doença que poderia ter sido triada no teste do pezinho”, relatou Amália. Segundo ela, a triagem ampliada, com o diagnóstico precoce da doença do SCID (iniciais de Severe Combined Immuno Deficiency), daria à criança mais de 90% de chance de sobrevivência.
“Eu conheci a Débora, conheci o Miguel, e sei da luta para que a triagem neonatal seja ampliada e contemple a doença do SCID”, disse a médica. Carolina alertou que a triagem às imunodeficiências primárias, grupo de doenças genéticas raras do qual faz parte o SCID, também conhecido como Doença do Menino da Bolha, só é prevista na quarta etapa da implementação da lei.
“Como isso se trata de um problema grande, uma emergência pediátrica, nós trazemos isso à tona mesmo antes do processo de implantação”, declarou. A médica explicou que as imunodeficiências primárias (erros inatos da imunidade) constituem um grupo de cerca de 450 doenças em que o número, a frequência e a gravidade de infecções não são normais.
Entre as imunodeficiências primárias, uma das doenças que podem ser triadas é o SCID, cujos pacientes precisam do transplante de medula. “A gente diz que é uma verdadeira corrida contra o tempo. 98% os bebês com SCID, se não diagnosticados, morrem antes de completar 2 anos, porque não têm um sistema de defesa que garanta que eles fiquem livres de infecções”, apontou. “Se esses bebês forem diagnosticados e transplantados antes de completarem 3 meses de vida, eles têm uma taxa de cura, de sobrevida em 5 anos, de 98%.”
Estudos mostram que o custo com a triagem de 100 mil bebês seria menor que com dois tratamentos tardios de SCID. Se o transplante for bem-sucedido, explicou a imunologista do Pequeno Príncipe, a criança tem uma perspectiva de vida normal. Além dos desafios para a implantação do teste para rastrear a Doença do Menino da Bolha e outras imunodeficiências primárias, que já são triadas em outros estados brasileiros, a convidada citou outros pontos, como o acesso a exames confirmatórios, a tratamentos especializados e a aconselhamento genético.
Sinais de alerta e subdiagnóstico
Erroneamente, apontou a especialista, as mães dos pacientes com SCID e outras imunodeficiências primárias ouvem dos médicos frases como “ele é apenas um bebê, quando crescer melhora”, “infecção é coisa de criança mesmo; logo passa”, “é o tempo de Curitiba… muda o tempo de Curitiba”, “seu leite é fraco”, “você precisa parar de trabalhar, mãe, e cuidar melhor do seu filho”. No entanto, existem sinais de alerta, como duas ou mais pneumonias no último ano; infecções intestinais de repetição ou diarreia crônica; asma grave ou doença autoimune.
Conforme a especialista, os dados brasileiros são de pouco menos de 2 mil pessoas convivendo com as imunodeficiências primárias, enquanto a estimativa seria de 160 mil a 180 mil casos. “Muitos pacientes não estão registrados [nesse banco de dados], mas é um número que não vai muito além. Mostrando não só que elas são doenças raras, mas principalmente subdiagnosticadas. 90% das pessoas com alguma imunodeficiência primária convivem com os sintomas sem saber que esse é o motivo de estarem sempre com infeções. Isso é um problema mundial”, completou.
Questionamentos em plenário
No debate com a oradora, Amália Tortato pontuou que o Pequeno Príncipe realiza testes do pezinho para o Paraná e de Santa Catarina, além de atender pacientes de outros estados. “De nada adianta fazermos a triagem se não pudermos tratar essas crianças depois do diagnóstico”, ponderou a vereadora. Curitiba, acrescentou Carolina, é um dos poucos locais que realiza o transplante de medula especializado em doenças raras.
À vereadora Indiara Barbosa (Novo), a especialista afirmou que a Câmara de Curitiba poderia auxiliar na implementação da triagem ampliada no SUS com leis e trazendo o tema das doenças para debate. A Maria Leticia (PV), declarou que o Hospital de Clínicas, o Pequeno Príncipe e o Nossa Senhora das Graças são referência não só no Brasil, mas na América Latina. Outro problema, disse ela, é a defasagem da tabela SUS.
Osias Moraes (Republicanos) falou de projeto de lei em trâmite na Casa, assinado com o colega de partido, Pastor Marciano Alves, com a proposta de orientar os pais e responsáveis sobre as doenças detectadas pelo teste do pezinho (005.00072.2021). Serginho do Posto (DEM), por sua vez, lembrou que a ampliação do teste do pezinho, dentro do SUS, é uma luta antiga. “O SUS, por mais que seja universal, ainda é um processo lento para certos diagnósticos e tratamentos, estamos em evolução”, afirmou o vereador. “Quero também agradecer a presença da Débora. Eu também sou como pai e me solidarizo à senhora”, finalizou Alexandre Leprevost (Solidariedade).
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Tribuna Livre
A Tribuna Livre é um espaço democrático de debates mantido pela CMC, como canal de interlocução entre a sociedade e os parlamentares. Conforme o Regimento Interno do Legislativo, os debates ocorrem nas quartas-feiras, durante a sessão plenária – conforme acordo de líderes, após os pronunciamentos do pequeno expediente.
Os temas discutidos na Tribuna Livre são sugeridos pelos vereadores, que por meio de um requerimento indicam uma pessoa ou entidade para discursar e dialogar no plenário. As falas neste espaço podem servir de prestação de contas de uma entidade que recebe recursos públicos, apresentação de uma campanha de conscientização, discussão sobre projeto de lei em trâmite na Casa etc.
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