Tribuna Livre aborda estudos da branquitude em prol da luta antirracista
O convite à pesquisadora Ana Helena Passos, do Instituto Ella, partiu da Comissão Especial da Visibilidade Negra. (Foto: Carlos Costa/CMC)
A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) recebeu, na Tribuna Livre dessa quarta-feira (24), a advogada, professora e pesquisadora Ana Helena Passos, doutora em Serviço Social, cofundadora e diretora de comunicação do Instituto Ella Criações Educativas. A convite da Comissão Especial da Visibilidade Negra, ela apresentou estudos no campo crítico das relações étnico-raciais e branquitude (076.00043.2021).
“É muito importante que a gente possa trazer esta temática para a Câmara de Vereadores de Curitiba. Pensar que esta temática é fundamental para que a gente supere alguns limites na compreensão sobre a necessidade do combate do racismo estrutural, que perpassa o direito à cidade”, saudou a vereadora Carol Dartora (PT), presidente do colegiado especial. “E entender o lugar das pessoas brancas na luta antirracista é fundamental.”
“Concordo com a vereadora Carol, [que] é preciso a participação responsável da população branca, com consciência racial, de história de desigualdade racial, para que a gente possa avançar em políticas públicas afirmativas antirracismo”, respondeu a convidada. “A branquitude é um conceito que convida as comunidades de identidade branca a se perceberem como tal, de forma crítica. […] A entenderem que também são racializadas e que fazem parte da violência colonial marcada na raça.”
Ana Helena destacou que relatório da ONU sobre o racismo sistêmico (ou seja, generalizado), lançado em julho passado, cobra ações dos Estados contra as violações de direitos humanos e para a reparação das vítimas. Nesse sentido, a pesquisadora do Instituto Ella chamou a atenção a dois pontos-chave dos estudos sobre a branquitude.
Uma dessas características, explicou, é a ideia de relação de poder, de hegemonia de valores onde se privilegiam pessoas brancas e um sistema de embranquecimento, levando à morte de pessoas não brancas e a desigualdades. “Isso se dá há muito tempo e a gente vem reproduzindo. Algumas pessoas até falando de genética social. Sabe quando a gente reproduz um ato e diz ‘eu não queria dizer isso, eu não sou racista’. Porque há uma genética social de reprodução.”
“E uma outra característica é que não existe neutralidade racial. Todos nós somos racializados e é preciso se ter uma compreensão responsável. A grande palavra para que a gente possa pensar branquitude é responsabilidade. Somos racializados, logo somos responsáveis pela história, para que a gente possa fazer o combate do racismo sistêmico que a ONU coloca”, completou.
Como consequências da branquitude, relatou Ana Helena, criam-se desigualdades na representação das pessoas negras nas Casas Legislativas, no campo da saúde e da docência do Ensino Superior, por exemplo. “Uma das formas da população branca entrar na luta antirracista, o primeiro passo, é entender que somos racializados, que temos raça. Temos responsabilidade com as políticas racistas que já foram feitas e com as políticas antirracistas que podem ser feitas. A neutralidade racial não existe, [não existe] uma igualdade de tratamento entre as pessoas humanas de todas as racialidades.”
No debate com a oradora, Dartora reforçou que o racismo é um sistema opressor, que precisa ser tirado do campo moral – e que, além de estrutural, o racismo é sistêmico. Ele salientou que a Comissão Especial da Visibilidade Negra em Curitiba, criada em agosto passado, vem justamente nesse sentido da luta antirracista, ao “romper esses limites, essas barreiras”.
Dalton Borba (PDT) reforçou o alerta à hegemonia de professores brancos no Ensino Superior. “Ao longo desses 22 anos de carreira magistério, tive 3 colegas negros, em 4 universidades. Nenhum em cargo de direção.” “A gente aprende muito [com a Tribuna Livre] e isso é tão relevante nesses dias”, disse Noemia Rocha (MDB). Para ela, além da escola, falta o resgate dos valores na família, “não só para a questão do racismo”.
Procuradora da Mulher na CMC, Maria Leticia (PV) falou da violência política, da dificuldade para mulheres não brancas terem acesso aos espaços de poder e do mito do racismo reverso, além de sugerir convênio com o Instituto Ella. Professora Josete (PT), por sua vez, comentou a tese de Maria Aparecida Silva Bento sobre o pacto narcisístico da branquitude nas empresas e no poder público.
Em resposta a comentários dos vereadores, Ana Helena Passos frisou a importância das ações afirmativas e da construção de políticas públicas de diversidade nas escolas. “O campo da educação é o campo primário para a gente reconfigurar, reeducar”, opinou. “Têm escolas que só têm crianças brancas. Isso é um absurdo.”
A pesquisadora lembrou que a lei federal 10.639/2003 determina o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana no Ensino Fundamental e Médio, nos estabelecimentos público e privados. Ela ainda concordou que o papel da família, por meio do diálogo, é fundamental para o “letramento crítico”: “Crianças negras dão muitos sinais de violência quando silenciam em casa, ou quando falam demais. E as crianças brancas precisam ter esse apoio da família no processo educacional, para que não reproduzam o letramento racial de uma sociedade racista”.
Tribuna Livre
A Tribuna Livre é um espaço democrático de debates mantido pela CMC, como canal de interlocução entre a sociedade e os parlamentares. Conforme o Regimento Interno do Legislativo, os debates ocorrem nas quartas-feiras, durante a sessão plenária – conforme acordo de líderes, após os pronunciamentos do pequeno expediente.
Os temas discutidos na Tribuna Livre são sugeridos pelos vereadores, que por meio de um requerimento indicam uma pessoa ou entidade para discursar e dialogar no plenário. As falas neste espaço podem servir de prestação de contas de uma entidade que recebe recursos públicos, apresentação de uma campanha de conscientização, discussão sobre projeto de lei em trâmite na Casa etc. Clique aqui para consultar os temas já discutidos em 2021.
Consciência Negra
A Câmara Municipal promoveu, entre os dias 17 e 24 de novembro, pauta alusiva à Semana da Consciência Negra. A programação teve início com sessão solene promovida por Dartora, Herivelto Oliveira (Cidadania) e Renato Freitas (PT), os três vereadores negros de Curitiba.
Em plenário, a discussão do 1º Plano Municipal de Promoção da Igualdade Étnico-Racial de Curitiba (Plamupir) dominou as três últimas sessões (saiba mais). Com emendas para incluir a habitação nos eixos temáticos do documento, o projeto do Executivo retorna à pauta, na próxima segunda-feira (29), para a análise da redação final.
Além da votação de outras propostas de lei alusivas à pauta, a CMC promoveu reunião extraordinária da Comissão de Serviço Público, na última terça-feira (23), para discutir o projeto de Carol Dartora que trata das cotas raciais nos concursos do Município. Com o aval do colegiado, a matéria está apta à inclusão na ordem do dia.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba