Três momentos na história da Praça Eufrásio Correia
por João Cândido Martins
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publicado
05/07/2013 14h30,
última modificação
12/07/2022 17h11
A estátua feminina em bronze foi trazida da França em 1915 para ornamentar o chafariz localizado no centro da Praça Eufrásio Correia: lembranças da Belle Époque curitibana. (Foto – Anderson Tozato)
Há cinco anos, a Assessoria de Comunicação da Câmara promove a publicação de textos sobre pessoas, lugares e eventos que foram determinantes para a história da cidade. Em fevereiro deste ano, o prédio da Estação Ferroviária completou 128 anos e, com ele, o antigo Largo da Estação, espaço hoje conhecido como Praça Eufrásio Correia. A Câmara participou de todas as mudanças efetuadas neste espaço público e o texto de hoje destaca três momentos dentro desta história centenária.
A escolha do local para a construção do prédio da estação ferroviária foi feita em 1880 por uma comissão presidida pelo vereador Francisco Torres (filho do empresário Mariano Torres) e pelos engenheiros italianos Antônio Ferrucci e Michelângelo Cuniberti, ambos funcionários da Compagnie Générale des Chemins de Fer Brésiliens, empresa responsável pela construção da estrada, além de um membro da assembleia provincial. A primeira opção, sugerida em relatório emitido pela Câmara oito anos antes, foi descartada pelos integrantes da comissão. Seria o terreno onde hoje localiza-se a Praça Santos Andrade. Outra hipótese estudada foi o Campo do Schmidlin (atual rodoferroviária e adjacências), mas ponderou-se que o local ficava muito distante da Praça Tiradentes e da Rua do Mato Grosso (Comendador Araújo), locais que centralizavam o comércio das indústrias de erva-mate em Curitiba. Por fim, ficou decidido que o prédio seria instalado na área conhecida como “Potreiro do Conselho”, nas proximidades da atual Avenida Sete de Setembro (que à época era uma campina praticamente desabitada e sujeita a alagamentos).
O projeto da comissão presidida por Francisco Torres consistia em construir o prédio e mais dois espaços planos dispostos em frente a ele. Tais espaços seriam divididos pela extensão da travessa Leitner (continuação da Riachuelo) que posteriormente seria conhecida por Rua da Liberdade e, em 1912, seria definitivamente batizada como Rua Barão do Rio Branco. Apenas um desses largos foi delimitado (11.500 m2) e veio a se tornar o Largo da Estação, cujo nome foi alterado em 1888 para Praça Eufrásio Correia, em homenagem ao político de Paranaguá que morreu aos 50 anos, quatro meses após tomar posse na presidência da Província de Pernambuco. Eufrásio era tio do Barão do Serro Azul.
O prédio da Estação foi concluído pelo engenheiro Cuniberti, em 1883. A estrada de ferro, por sua vez, foi terminada em dezembro do ano seguinte, quando foi realizada a viagem inaugural de Paranaguá para Curitiba. Enquanto um pequeno grupo de tropeiros protestava contra a estrada de ferro em frente à Câmara na Praça Tiradentes, uma pequena multidão se aglomerou em frente ao prédio da Estação aguardando o trem que trazia Dom Pedro II e sua filha, Princesa Izabel. Consta que a multidão gritou eufórica quando ouviu os apitos vindos da altura do bairro Cajuru.
A Exposição de 1903
Quase vinte anos depois, em dezembro de 1903, a praça foi ocupada por uma feira-exposição comemorativa ao Cinquentenário da Emancipação do Estado. Foram necessários meses para a preparação do evento que pretendia afirmar nacionalmente a força econômica do Paraná (alavancada nesse período pela produção de erva-mate). A imprensa mostrou entusiasmo com as melhorias na Praça Eufrásio Correia. “Ora é o plano de ajardinamento que se alarga, em artísticos contornos, ribando aqui, ali descendo em esplanadas; ora um novo pavilhão que se alevanta em novo colorido, fechando o quadrilátero, elevando as flechas dos lambrequins'', destacou o jornal A República de 9 de dezembro de 1903.
A exposição teve início às 13 horas do dia 19 daquele mesmo mês, data da Emancipação do Paraná. Após uma breve cerimônia no interior da Assembleia Legislativa (Palácio do Congresso, futuro Palácio Rio Branco, sede da Câmara), as autoridades se dirigiram à praça onde visitaram os pavilhões dos municípios. Ainda segundo o jornal A República, “até as 8 horas da noite, a Praça Eufrásio permaneceu apinhada de pessoas, curiosas diante de tantas novidades. Nos pavilhões de entrada estavam expostos objetos de decoração, como belas mobílias, louças da fábrica de Colombo, tecidos finíssimos e obras de arte”.
O evento fez tanto sucesso que prosseguiu pelo ano de 1904, contando inclusive com uma exótica exposição de répteis que atraiu centenas de pessoas. A descrição é novamente do jornal A República: “Na Praça Eufrásio Correia, para abrilhantar esta exposição de répteis, estava prevista a subida do balão ‘monstro de tamanho’, dirigido pelo aeronauta Mister Lanphon”. Os visitantes também puderam usufruir do carrossel mecânico ao som da banda do 39° Batalhão de Infantaria e dos serviços do botequim da própria exposição”. A Praça era uma festa.
A ninfa de bronze
Quatro intervenções no espaço urbano promovidas pelo prefeito Cândido de Abreu permanecem praticamente intactas até hoje. Elas foram feitas ao longo de sua segunda gestão como chefe do Executivo, entre os anos de 1912 e 1916. Foram elas: a reforma do Passeio Público, o Belvedere da Praça Dr. João Cândido, o prédio do Paço, na Praça Municipal (Generoso Marques) e a reforma da Praça Eufrásio Correia. Todas têm em comum o emprego da linguagem art noveau em maior ou menor grau.
No caso da Praça Eufrásio Correia, percebe-se o estilo nas luminárias trazidas da França (incluindo o lampadário postado no canto da praça em frente à estação). O art noveau também está presente na distribuição dos canteiros de grama e na aleatoriedade das trilhas (aleias) que permeiam as árvores e preservam o desenho original feito em 1913 por Cândido de Abreu. O prefeito já possuía a experiência anterior de haver participado da reformulação urbana de Belo Horizonte. A praça perdia sua característica de ponto de encontro para o comércio e assumia um perfil mais bucólico, com bancos, árvores, jardins, bustos e placas de bronze. Deixava de ser “praça-feira” para se tornar “praça-monumento”.
Naquele ano (1913), a praça estava praticamente pronta, mas faltava um detalhe: uma estátua feminina feita em bronze que serviria para ornamentar o chafariz instalado no centro da praça. A entrega da peça, que também viria da França, atrasou com o advento da 1ª Guerra e ela só chegou ao Brasil em 1915.
Melhor assim: ela não presenciou a explosão que ocorreu no dia 1º de julho daquele mesmo ano de 1913 nos depósitos da estação. Foram 18 mortos entre ferroviários, soldados e civis, em um impacto que fez tremer o chão em pontos distantes da cidade. Um soldado teria manipulado com descuido pequenos tambores com pólvora e isso ocasionou a tragédia, que acabou gerando o primeiro trabalho foto-jornalístico de Curitiba, de autoria do então fotógrafo novato Arthur Wischral.
A escolha do local para a construção do prédio da estação ferroviária foi feita em 1880 por uma comissão presidida pelo vereador Francisco Torres (filho do empresário Mariano Torres) e pelos engenheiros italianos Antônio Ferrucci e Michelângelo Cuniberti, ambos funcionários da Compagnie Générale des Chemins de Fer Brésiliens, empresa responsável pela construção da estrada, além de um membro da assembleia provincial. A primeira opção, sugerida em relatório emitido pela Câmara oito anos antes, foi descartada pelos integrantes da comissão. Seria o terreno onde hoje localiza-se a Praça Santos Andrade. Outra hipótese estudada foi o Campo do Schmidlin (atual rodoferroviária e adjacências), mas ponderou-se que o local ficava muito distante da Praça Tiradentes e da Rua do Mato Grosso (Comendador Araújo), locais que centralizavam o comércio das indústrias de erva-mate em Curitiba. Por fim, ficou decidido que o prédio seria instalado na área conhecida como “Potreiro do Conselho”, nas proximidades da atual Avenida Sete de Setembro (que à época era uma campina praticamente desabitada e sujeita a alagamentos).
O projeto da comissão presidida por Francisco Torres consistia em construir o prédio e mais dois espaços planos dispostos em frente a ele. Tais espaços seriam divididos pela extensão da travessa Leitner (continuação da Riachuelo) que posteriormente seria conhecida por Rua da Liberdade e, em 1912, seria definitivamente batizada como Rua Barão do Rio Branco. Apenas um desses largos foi delimitado (11.500 m2) e veio a se tornar o Largo da Estação, cujo nome foi alterado em 1888 para Praça Eufrásio Correia, em homenagem ao político de Paranaguá que morreu aos 50 anos, quatro meses após tomar posse na presidência da Província de Pernambuco. Eufrásio era tio do Barão do Serro Azul.
O prédio da Estação foi concluído pelo engenheiro Cuniberti, em 1883. A estrada de ferro, por sua vez, foi terminada em dezembro do ano seguinte, quando foi realizada a viagem inaugural de Paranaguá para Curitiba. Enquanto um pequeno grupo de tropeiros protestava contra a estrada de ferro em frente à Câmara na Praça Tiradentes, uma pequena multidão se aglomerou em frente ao prédio da Estação aguardando o trem que trazia Dom Pedro II e sua filha, Princesa Izabel. Consta que a multidão gritou eufórica quando ouviu os apitos vindos da altura do bairro Cajuru.
A Exposição de 1903
Quase vinte anos depois, em dezembro de 1903, a praça foi ocupada por uma feira-exposição comemorativa ao Cinquentenário da Emancipação do Estado. Foram necessários meses para a preparação do evento que pretendia afirmar nacionalmente a força econômica do Paraná (alavancada nesse período pela produção de erva-mate). A imprensa mostrou entusiasmo com as melhorias na Praça Eufrásio Correia. “Ora é o plano de ajardinamento que se alarga, em artísticos contornos, ribando aqui, ali descendo em esplanadas; ora um novo pavilhão que se alevanta em novo colorido, fechando o quadrilátero, elevando as flechas dos lambrequins'', destacou o jornal A República de 9 de dezembro de 1903.
A exposição teve início às 13 horas do dia 19 daquele mesmo mês, data da Emancipação do Paraná. Após uma breve cerimônia no interior da Assembleia Legislativa (Palácio do Congresso, futuro Palácio Rio Branco, sede da Câmara), as autoridades se dirigiram à praça onde visitaram os pavilhões dos municípios. Ainda segundo o jornal A República, “até as 8 horas da noite, a Praça Eufrásio permaneceu apinhada de pessoas, curiosas diante de tantas novidades. Nos pavilhões de entrada estavam expostos objetos de decoração, como belas mobílias, louças da fábrica de Colombo, tecidos finíssimos e obras de arte”.
O evento fez tanto sucesso que prosseguiu pelo ano de 1904, contando inclusive com uma exótica exposição de répteis que atraiu centenas de pessoas. A descrição é novamente do jornal A República: “Na Praça Eufrásio Correia, para abrilhantar esta exposição de répteis, estava prevista a subida do balão ‘monstro de tamanho’, dirigido pelo aeronauta Mister Lanphon”. Os visitantes também puderam usufruir do carrossel mecânico ao som da banda do 39° Batalhão de Infantaria e dos serviços do botequim da própria exposição”. A Praça era uma festa.
A ninfa de bronze
Quatro intervenções no espaço urbano promovidas pelo prefeito Cândido de Abreu permanecem praticamente intactas até hoje. Elas foram feitas ao longo de sua segunda gestão como chefe do Executivo, entre os anos de 1912 e 1916. Foram elas: a reforma do Passeio Público, o Belvedere da Praça Dr. João Cândido, o prédio do Paço, na Praça Municipal (Generoso Marques) e a reforma da Praça Eufrásio Correia. Todas têm em comum o emprego da linguagem art noveau em maior ou menor grau.
No caso da Praça Eufrásio Correia, percebe-se o estilo nas luminárias trazidas da França (incluindo o lampadário postado no canto da praça em frente à estação). O art noveau também está presente na distribuição dos canteiros de grama e na aleatoriedade das trilhas (aleias) que permeiam as árvores e preservam o desenho original feito em 1913 por Cândido de Abreu. O prefeito já possuía a experiência anterior de haver participado da reformulação urbana de Belo Horizonte. A praça perdia sua característica de ponto de encontro para o comércio e assumia um perfil mais bucólico, com bancos, árvores, jardins, bustos e placas de bronze. Deixava de ser “praça-feira” para se tornar “praça-monumento”.
Naquele ano (1913), a praça estava praticamente pronta, mas faltava um detalhe: uma estátua feminina feita em bronze que serviria para ornamentar o chafariz instalado no centro da praça. A entrega da peça, que também viria da França, atrasou com o advento da 1ª Guerra e ela só chegou ao Brasil em 1915.
Melhor assim: ela não presenciou a explosão que ocorreu no dia 1º de julho daquele mesmo ano de 1913 nos depósitos da estação. Foram 18 mortos entre ferroviários, soldados e civis, em um impacto que fez tremer o chão em pontos distantes da cidade. Um soldado teria manipulado com descuido pequenos tambores com pólvora e isso ocasionou a tragédia, que acabou gerando o primeiro trabalho foto-jornalístico de Curitiba, de autoria do então fotógrafo novato Arthur Wischral.
Referências Bibliográficas
Reestruturação do quadro urbano de Curitiba durante a gestão do prefeito Cândido de Abreu (1913-1916). Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História da UFPR. Rafael Augustus Sêga, Curitiba, 1996 (acesse aqui).
O verde na metrópole: a evolução das praças e jardins em Curitiba (1885-1916). Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduaçâo em História da UFPR. Aparecida Vaz da Silva Bahls. Curitiba, 1998 (acesse aqui).
Sapatos de veludo: Modernidade e urbanidade através dos espaços públicos de lazer na Curitiba do início do século XX (1913-16). Monografia apresentada ao Departamento de História da UFPR como requisito para a obtenção do título de Bacharel. Sérgio Henrique Schultz. Curitiba, 2007 (acesse aqui).
Plano de Ação e Projetos Urbanos: Rebouças, Curitiba,PR. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, da UFSC para obtenção do grau de Mestre em Urbanismo. Humberto Fogaça de Medeiros. Florianópolis, 2011 (acesse aqui).
A Rua da liberdade. Textos de Rafael Greca de Macedo e Maí Nascimento. Fundação Cultural de Curitiba, 1981.
Tribuna do Paraná, 04/09/1976
Jornal A República. Edições diversas entre os anos 1903 e 1904
O verde na metrópole: a evolução das praças e jardins em Curitiba (1885-1916). Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduaçâo em História da UFPR. Aparecida Vaz da Silva Bahls. Curitiba, 1998 (acesse aqui).
Sapatos de veludo: Modernidade e urbanidade através dos espaços públicos de lazer na Curitiba do início do século XX (1913-16). Monografia apresentada ao Departamento de História da UFPR como requisito para a obtenção do título de Bacharel. Sérgio Henrique Schultz. Curitiba, 2007 (acesse aqui).
Plano de Ação e Projetos Urbanos: Rebouças, Curitiba,PR. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, da UFSC para obtenção do grau de Mestre em Urbanismo. Humberto Fogaça de Medeiros. Florianópolis, 2011 (acesse aqui).
A Rua da liberdade. Textos de Rafael Greca de Macedo e Maí Nascimento. Fundação Cultural de Curitiba, 1981.
Tribuna do Paraná, 04/09/1976
Jornal A República. Edições diversas entre os anos 1903 e 1904
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