Tarifa zero em Curitiba: comissão debate fontes de custeio para implementação
A maioria dos membros do colegiado concordou que a cidade deve buscar fontes de custeio para aumentar o subsídio ou custear a tarifa integralmente. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Curitiba pode implantar a tarifa zero? Essa é a pergunta que a Comissão Especial do Transporte tentou responder nesta sexta-feira (6), durante a reunião que analisou informações que o grupo já coletou desde sua instalação, com agendas e visitas técnicas realizadas desde abril. Até novembro, os membros do colegiado da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) devem votar um relatório que apontará caminhos que possam ajudar a prefeitura a buscar a redução do valor da passagem ou até mesmo subsidiar o valor total da tarifa para os usuários.
A experiência da tarifa zero de cidades como Caucaia (CE) – em todo o sistema – e de Belo Horizonte (MG) – em linhas específicas – foi analisada novamente pelos vereadores de Curitiba. Não houve consenso se a capital paranaense consegue custear o valor integral da passagem de ônibus para cada morador que entrar no sistema. A maioria dos membros do colegiado, no entanto, concordou que a cidade deve buscar fontes de custeio para aumentar o subsídio para que, ao menos em dias e horários específicos, a passagem seja gratuita.
“O sistema [de Caucaia] é perfeito? Não, não é. Mas a população da cidade está feliz. Eles têm vários índices que mostram a satisfação do passageiro. A arrecadação do município aumentou em quase 25%. Então, hoje, o sistema quase que se autossustenta, porque aumentou a arrecadação do município, dos impostos, e este valor que a prefeitura paga, de R$ 3,5 milhões por mês, praticamente vem do aumento de arrecadação. É uma experiência que o prefeito [de Caucaia] coloca que não tem volta, já está consolidado”, disse o presidente da Comissão Especial do Transporte, Herivelto Oliveira (Cidadania), abrindo o debate.
Na avaliação do vereador, Curitiba pode dar um passo em direção à tarifa zero buscando ampliar a receita para o sistema. Uma ideia, sugeriu ele, seria por meio da própria iniciativa privada, que já paga o vale-transporte para os funcionários. “Talvez seria a fórmula mais fácil, alterar a Lei do Vale-Transporte para que todos os empresários que tenham trabalhadores pagassem efetivamente o vale-transporte, mesmo que não usassem o serviço, e usassem o fretamento. Essa é uma das medidas, que talvez seja a mais prática, para financiar o sistema”, contribuindo, resgatando sugestão dada pelo engenheiro mecânico Edilson Miranda, em reunião técnica realizada em maio. Nesse contexto, Herivelto Olviera ressaltou que as microempresas poderiam ser isentas do pagamento do vale-transporte.
Outra fonte de custeio sugerida por Herivelto Oliveira seria a exploração dos espaços dos 28 terminais de ônibus da capital para que lojas e prestadores de serviço pudessem locar os pontos e, assim, gerar mais receita para o sistema. “Essa seria uma forma: privatizar os terminais, que podem ter vocações diferentes. Os espaços podem ser aproveitados para serviços, para venda. Eles podem ser espaços para além do transporte de passageiros. Nossos terminais de ônibus podem gerar uma receita muito grande. Seria bem importante para a cidade, no regime de outorga.”
Tarifa zero: alternativa para a perda de usuários e acesso à cidade
“Esse vai ser um dos grandes debates para a próxima corrida eleitoral. Queremos uma cidade para todos ou com acesso apenas para alguns? Um cidade que priorize carros e trânsito e poluição? Ou uma cidade que prioriza o transporte público, em que você tem trânsito fluindo melhor e poluindo menos? Uma cidade que potencialize a economia, fazendo com que ela gire, porque as pessoas circulam? Ou uma cidade que se contente com uma certa recessão?”, perguntou Professor Euler (MBD).
Para o vereador, o sistema de transporte coletivo perde usuários a cada ano, demonstrando, com isso, que o atual modelo está “fadado ao fracasso”. “A gente não vê uma recuperação de usuários. A gente só vê, ano a ano, o número de usuários cair e, consequentemente, o aumento da tarifa. Imaginar que a manutenção do que temos hoje é algo positivo? Acho que nenhum de nós aqui imagina [isso]”, completou. Ele lembrou que, no começo dos trabalhos, a maioria dos membros do colegiado concordou que a cidade deveria buscar fontes de custeio para aumentar o subsídio os da comissão e não acreditava que a tarifa zero fosse possível, mas que a opinião mudou após ouvir os especialistas que estiveram na CMC e ter conhecimento sobre as experiências de outras cidades.
Dalton Borba (PDT), vice-relator da comissão, defendeu que a tarifa zero vai possibilitar com que as pessoas de Curitiba tenham acesso à cidade. E, com isso, vão injetar mais dinheiro na economia local, como já tem acontecido em Caucaia, no litoral cearense. “O curitibano não vai pegar o dinheiro do ônibus e botar na poupança. Ele vai comprar roupa, vai comprar sapato, o presente do filho no dia do aniversário. E isso se reverte no PIB da cidade. E quando temos um acréscimo, um aumento do PIB, isso significa, para dizer o mínimo: aumento de emprego, aumento de arrecadação para o município, mais serviços criados à disposição do cidadão pela iniciativa privada”, analisou.
Tarifa zero: qual será o custo do sistema com a implantação?
Vice-presidente da Comissão Especial do Transporte, Serginho do Posto (União) calcula que, se Curitiba decidir subsidiar o valor integral da tarifa, o custo atual do sistema, que é estimado em R$ 960 milhões/ano, poderá chegar a R$ 1,3 bi, “valor expressivo dentro de uma receita” e que a cidade não “consegue bancar sozinha”. Para ele, a implantação da tarifa zero é uma decisão que, no futuro, caberá à Prefeitura de Curitiba.
“É uma decisão que tem ser tomada de forma muito madura. Transporte coletivo é uma questão social. É constitucional o direito de ir e vir. Porém, o município ainda não conseguiu atrelar recursos [para subsidiar a tarifa] de outros entes”, completou o parlamentar. Apesar de avaliar o cenário de forma não tão otimista, Serginho do Posto defende que “algo precisa ser feito” e que os governos federal e estadual precisam contribuir com o custeio do sistema.
Na contramão do cálculo feito pelo colega, Dalton Borba afirmou que pretende demonstrar, em números, que, “na verdade, o que o município de Curitiba gasta hoje com o transporte coletivo, se ele bancasse a conta da tarifa zero, não chegaria a dobrar o investimento”. “Não chegaríamos a R$ 500 milhões por ano, porque teríamos compensações, isso sem contar com as parcerias privadas, para fomentarmos tudo isso”, atestou o vice-relator. “O sistema de saúde brasileiro não é autossustentável, educação pública não é autossustentável. Então teríamos um serviço público essencial, com a prerrogativa de ser autossustentável. Eu sou entusiasta, sim, da tarifa zero. Acredito na tarifa zero e que Curitiba pode, sim, sair como uma das grandes cidades do nosso país e do mundo a dar o exemplo”, completou.
“São números diferentes. Quando o vereador Serginho diz que o custo [com a tarifa zero] pode passar de R$ 1,3 bilhão, e o vereador Dalton diz que pode chegar a R$ 500 milhões, há uma distorção, uma diferença muito grande. Para a gente chegar, de repente, num número mais próximo, a gente precisa provocar isso. Vamos fazer um estudo? Vamos levar isso à sério?”, argumentou Jornalista Márcio Barros (PSD).
Assim como Professor Euler, Barros disse que também não acreditava que a tarifa zero fosse possível, “pelo tamanho de Curitiba e pela complexidade do sistema”, mas agora acreditar ser viável, ou, ao menos, segmentar o programa. Segundo Márcio Barros, há sim, a possibilidade de reduzir o custo do sistema existe, “porque, com a tarifa zero, não são necessários cobradores ou fiscais, por exemplo”. “Entendo que teremos que ter novas linhas, mas o valor que vai ser utilizado pelo município compensará todo o investimento.”
Tarifa zero: implantação pode ser gradual e bilhete único pode ser um caminho
Na visão de Rodrigo Reis (União), a tarifa zero pode começar a ser implantada em algumas linhas, que cortam bairros e vilas de menor poder aquisitivo, como Vila Pantanal, no Alto Boqueirão, ou Jardim Aliança, no Santa Cândida. “Nos últimos anos, houve um empobrecimento geral da população, as despesas vão subindo e o poder aquisitivo das pessoas continua o mesmo. E o melhor que ouvi dessa ideia da tarifa zero é fomentar com que as pessoas possam circular. […] Temos que pressionar a Prefeitura de Curitiba para que estude a tarifa zero, que pode ser iniciativa nos bairros de menor poder aquisitivo, para incentivar as pessoas que não têm como pagar o transporte coletivo voltem a circular a economia”, afirmou.
Relator da Comissão Especial do Transporte, Bruno Pessuti (Pode) corroborou a ideia do colega, sugerindo ainda que a tarifa seja gratuita aos usuários que saírem dos terminais mais periféricos da cidade, fora dos horários de pico. “Se a gente não consegue a tarifa zero plena, que a gente consiga a ‘meia’, onde o usuário só vai pagar só a passagem para voltar para o bairro, no final da tarde. Isto já garante ao cidadão pelo menos um litro de leite para sua casa. Lembrando que, se o ônibus sair vazio, ele vai custar a mesma coisa se sair cheio. Ele vai ter que sair, porque ele é obrigado a sair [do ponto] de acordo com o horário da tabela.”
Pessuti ainda argumentou que Curitiba tem mecanismos que permitem “um precursor da tarifa zero”: a tarifa temporal. “O conceito de tarifa temporal, que é mensal, um bilhete único, em que o trabalhador pagaria o equivalente a 44 passagens, ou 2 passagens por dia útil. Isso daria a ele, nesse conceito de assinatura mental [do sistema], a possibilidade de usufruir do sistema de maneira ilimitada. Como exemplo, o Netflix, não importa se seus filhos assistem Galinha Pintadinha ou Patrulha Canina de maneira repetitiva, ou se você maratona séries. O valor no mês é exatamente igual. O conceito do sistema tem que ser o pneu girando no chão, e não a catraca girando como fonte de receita”, exemplificou o vereador.
Qual o objetivo da Comissão Especial do Transporte?
A Comissão Especial Para Discutir o Novo Contrato do Transporte Coletivo - Tarifa Zero foi instalada em abril deste ano para discutir o novo contrato do transporte coletivo da cidade e a viabilidade da implementação da tarifa zero.A atual concessão do serviço público vence em 2025 e o grupo tinha o prazo inicial de 120 dias para elaborar um relatório que possa subsidiar a construção da nova licitação. Com a prorrogação do prazo por mais 60 dias, o colegiado terá até dia 14 de novembro para votar o parecer.
O colegiado temporário é formado por oito parlamentares, sendo Herivelto Oliveira, presidente, e Serginho do Posto, vice-presidente. A relatoria está com Bruno Pessuti e a vice-relatoria com Dalton Borba. Também são membros os vereadores Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), Jornalista Márcio Barros, Professor Euler e Rodrigo Reis.
As agendas têm servido para que os vereadores conheçam o funcionamento do sistema de transporte público da cidade e os detalhes do atual contrato. Visitas técnicas às garagens das empresas de ônibus, debates com universidades e especialistas que estudam o sistema de Curitiba e viagens para conhecer os sistemas de transporte coletivo de outras cidades também estão no radar do colegiado.
Os debates técnicos com especialistas no tema, promovidas pela comissão desde sua instalação, podem ser assistidos a qualquer tempo no YouTube - basta acessar a playlist da Comissão Especial do Transporte.
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