Tarifa zero: Curitiba precisa de outras fontes de custeio, conclui comissão

por Pedritta Marihá Garcia e Marcio Silva | Revisão: Ricardo Marques — publicado 19/12/2023 14h50, última modificação 15/04/2024 18h07
Criada para estudar a nova licitação do transporte público e formas de se reduzir o valor da tarifa, Comissão Especial do Transporte encerrou os trabalhos nesta segunda-feira (18).
Tarifa zero: Curitiba precisa de outras fontes de custeio, conclui comissão

A tarifa zero vai ser um dos principais assuntos das eleições municipais de 2024, acredita o vereador Herivelto Oliveira. (Foto: Carlos Costa/CMC)

Após 214 dias de funcionamento, com a realização de um total de 15 reuniões, além de visitas técnicas e conversas com especialistas, a Comissão Especial do Transporte da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) encerrou os trabalhos nesta segunda-feira (18) com a entrega de dois pareceres, do relator Bruno Pessuti (Pode), e do vice-relator, Dalton Borba (PDT). Em ambos os relatórios, os vereadores apontam alternativas para a redução da tarifa social, paga pelo usuário, e fazem uma análise sobre a viabilidade da tarifa zero.

O colegiado temporário foi instalado em abril para discutir sobre as formas de reduzir o valor da tarifa, o novo contrato do transporte coletivo (o atual vence em 2025), e a viabilidade da implementação da tarifa zero. Na reunião final, os integrantes da comissão discutiram sobre os pareceres apresentados e aprovaram o texto de Bruno Pessuti, que pode ser considerado mais conservador, pois conclui que Curitiba poderá subsidiar o valor integral da tarifa em algum momento, mas não a curto prazo. Já o texto de Dalton Borba conclui que a tarifa zero é “totalmente viável”, além de ser um direito social já previsto na Constituição Federal.

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O grupo, no entanto, acatou sugestão do presidente Herivelto Oliveira (Cidadania), para que partes do parecer de Dalton Borba sejam incorporadas ao relatório conclusivo da comissão. Oliveira adiantou que, após a consolidação do texto, o documento será entregue ao prefeito Rafael Greca e ao presidente da Urbs, Ogeny Maia Neto, em data a ser definida. Na opinião do presidente, o principal resultado da comissão foi colocar em pauta a possibilidade da tarifa zero, que já é uma realidade em outras cidades do Brasil e em outros locais do mundo.

“Seguramente, vai ser um dos principais assuntos da campanha [das eleições municipais] de 2024. A gente falava em tarifa zero há três ou quatro anos como algo muito distante e praticamente impossível. O que esta comissão mostrou é que, se não é possível implantar a tarifa zero de imediato, há caminhos de como se baixar o valor da passagem, desde que se busque os recursos para subsidiar a passagem e - por que não? - chegar à gratuidade total no futuro”, concluiu Oliveira.

 

Tarifa zero é inviável a curto prazo, aponta relator

No seu parecer, Bruno Pessuti, relator da comissão especial e vice-líder do governo na CMC, observa que a tarifa zero “parece algo factível e de simples aplicação”, mas quando se trata do custeio para a implantação em todo o sistema de transporte coletivo de Curitiba, “se mostra inviável a curto prazo”. O vereador relembrou que Caucaia (CE), Ibirité (MG) e Paranaguá (PR) têm experiências positivas, com o aumento do número de passageiros acima de 100% e incremento da economia local, mas que o reflexo disso foi a necessidade de mais investimentos no sistema, como o aumento da frota.

Comissão Transporte - relatório final“Ao trazermos este cenário para a cidade de Curitiba, na projeção de passageiros mensais, considerando 100% [do aumento no número de passageiros], saltaríamos dos atuais 11 milhões para 22 milhões e, considerando os passageiros da RMC que estão inseridos na RIT, passaríamos dos atuais 14 milhões para 28 milhões de passageiros no total. […] Se considerarmos operação com 100% de acréscimo de passageiros, com a mesma qualidade sobre o serviço prestado, seria necessário um acréscimo dos atuais R$ 968 milhões anuais [custo do sistema], para um total de R$ 2,73 bilhões anuais”, calculou o relator.

Se Curitiba financiasse todo o sistema, continuou Bruno Pessuti, o valor acima representaria 21% do orçamento [total da cidade] para 2023. Sob risco de retirar investimentos de outras áreas prioritárias, como saúde e educação, ou até mesmo tornar o transporte público um serviço precário. A alternativa apontada pelo relator seria a busca por novas fontes de financiamento para o sistema, a exemplo do repasse de recursos da União, através do Fundo Nacional de Infraestrutura de Transporte, cujo projeto de lei tramita no Senado Federal.

“Não há como rejeitar totalmente a proposta da tarifa zero em Curitiba, mas com certeza há que se estudá-la no médio e no longo prazo, com a responsabilidade que o tema requer e num âmbito não só municipal, mas estadual e federal. Uma possibilidade seria a aprovação da PEC 25/2023, que inclui o direito social ao transporte na Constituição Federal e estabelece as diretrizes do Sistema Único de Mobilidade (SUM), que certamente traria a previsão de repasse de subsídio federal para os entes municipais, viabilizando a implantação”, destacou o relator.

O transporte público pode impactar menos no bolso do usuário com o bilhete único

Bruno Pessuti analisou que a tarifa zero tem outro fator limitante: a atual forma com que as empresas que operam o sistema são remuneradas, pelo índice IPK (índice passageiro por quilômetro), que define o valor da tarifa técnica. Ele sugere, portanto, que a nova licitação estabeleça que a remuneração seja feita por quilômetro rodado, viabilizando, assim, a implantação do bilhete único – já prevista na lei municipal 15.508/2019 – nos horários de pico.

“A vantagem desse sistema é que, se considerarmos, numa situação hipotética, em que se os 480 mil passageiros pagantes equivalentes por dia contratassem o sistema de bilhete único mensal, isso poderia corresponder a uma arrecadação mensal de cerca de R$ 60 milhões. Apesar de ser ainda um valor inferior aos R$ 80 milhões de custo mensal do sistema, a médio prazo os benefícios da utilização ilimitada poderiam ampliar a quantidade de passageiros pagantes e o subsídio necessário para o equilíbrio do sistema poderiam ser reduzidos. Estima-se que o equilíbrio do sistema com a tarifa atual vigente seja em torno de 660 mil passageiros pagantes equivalentes por dia”, analisou. Outra sugestão seria ofertar ao usuário o retorno da “domingueira”, a tarifa mais barata aos domingos.

Sugerido que novo edital estabeleça três contratos diferentes

No parecer, Bruno Pessuti recomenda que, no próximo edital de licitação do transporte público, sejam propostos três contratos distintos, a exemplo do que já foi adotado em São José dos Campos, no interior paulista. O primeiro, sobre o fornecimento da frota, consistiria na locação de veículos elétricos à bateria, incluindo a manutenção preventiva, para a composição da frota pelo prazo de 15 anos.

No segundo contrato, de operação técnica, o prestador de serviço iria operar o sistema, incluindo serviços de manutenção corretiva, limpeza dos veículos e fornecimento de área de garagem, pelo prazo de 10 anos. E o terceiro contrato, de infraestrutura de abastecimento, consistiria no fornecimento dos carregadores dos ônibus elétricos, que seriam distribuídos nas estações de transporte, em alguns pontos finais e nas principais áreas de integração, pelo prazo de 5 anos.

“Sugere-se, ainda, uma gestão única do transporte coletivo, incluindo a região metropolitana num grande consórcio, tendo a Urbs como gestora de toda a RMC em um conceito similar ao que já foi adotado no passado antes do fim da integração financeira em 2015, com um único sistema público de bilhetagem”, finaliza o documento elaborado por Bruno Pessuti.

Para vice-relator, tarifa zero é viável e é direito garantido pela Constituição

Na análise do vice-relator da Comissão Especial do Transporte, Dalton Borba, os estudos feitos pelo colegiado o levaram à conclusão de que a tarifa zero é uma possibilidade “totalmente viável para o Município de Curitiba”. Ao observar que o artigo 6º da Constituição Federal afirma que o transporte é um direito social, ele questiona, no relatório, os motivos pelos quais o acesso ao transporte público “é visto como um direito menor, menos fundamental”.

Comissão de Transporte - Dalton BorbaPara o vereador, a implantação da tarifa zero daria à população o “acesso à cidade”. “Os cidadãos podem circular por Curitiba da forma que acharem melhor, sem que isso comprometa o orçamento mensal que deve financiar suas famílias.” Outro benefício seria a redução da evasão escolar, pois “a impossibilidade de deslocamento é, sabidamente, uma das maiores causas”. O acesso ao emprego também seria outro aspecto a ser considerado, já que a tarifa zero beneficiaria aqueles que não têm condições de se deslocar para as entrevistas de emprego, e os empresários não teriam o custo do transporte pesando na contratação de mais empregados.

Borba ainda pontuou que a tarifa zero também representa, para uma cidade, desenvolvimento econômico. “O que é economizado no transporte volta para o comércio da cidade. Se uma mãe ou um pai de família economizar uma média de R$1.000 do orçamento mensal que é destinado para o transporte, para onde será destinado esse dinheiro? Para as compras do mês no mercado do bairro, para um tênis novo, para consumo de arte e cultura, para remédios na farmácia e muito mais. Isso é provado pelo crescimento expressivo (de 10 a 20%) na arrecadação dos municípios que já adotaram a tarifa zero, o que pode ser revertido para investimentos em outras áreas das cidades”, completou o vice-relator.

Debate na comissão sobre os pareceres

Embora cinco vereadores tenham votado no parecer de Bruno Pessuti e três no de Dalton Borba, a qualidade e o aprofundamento dos textos foram elogiados por todos os integrantes da comissão. Professor Euler (MDB) admitiu que iniciou sua participação nos trabalhos de maneira “descrente”, mas que esta posição foi mudando à medida que a comissão investigava o tema. “A comissão deixa um recado, e agora a Prefeitura pode pegar os dois textos, pois são ótimos materiais para extrair ideias e ousar”.

Já para Jornalista Márcio Barros (PSD), o principal feito da comissão foi se aprofundar na discussão e deixar o tema em evidência. O vereador alertou que o tema deve ser avaliado “com os pés no chão” e que deve-se tomar cuidado com comparações com cidades que já são tarifa zero, “considerando o tamanho e a complexidade do sistema de Curitiba, que possui diversas integrações”.

“O tema está amadurecendo”, concordou Serginho do Posto (União), que lembrou das barreiras financeiras e da necessidade de se “dividir a conta com outras esferas de governo, pois o município deixaria de investir em outras coisas”. Rodrigo Reis (União) sugeriu que fossem realizados testes em linhas de ônibus que são alimentadoras, que servem às comunidades mais carentes, de forma a se construir uma “implantação parcial” da tarifa zero.

Giorgia Prates - Mandata Preta (PT) defendeu que a cidade precisa ser acessível para todas as pessoas, de todas as classes sociais, e que isso pode ser conquistado por meio da gratuidade no transporte. Para a parlamentar, é necessário ter “coragem” para se caminhar em direção à tarifa zero.

Trabalho da comissão envolveu conversa com especialistas e visitas técnicas

Ao longo de mais de 7 meses de funcionamento, a Comissão Especial Para Discutir o Novo Contrato do Transporte Coletivo - Tarifa Zero ouviu diversos especialistas, na busca por esclarecimentos e dados que pudessem contribuir com a nova licitação do transporte coletivo da cidade e a redução do valor da passagem de ônibus. Visitas técnicas às cidades de Belo Horizonte (MG), Caucaia (CE) e Paranaguá (PR) também foram realizadas, para que o grupo conhecesse diferentes operações do serviço público. No caso das duas últimas cidades, integrantes do colegiado foram apresentados à experiência da tarifa zero. Membros do grupo também participaram do 3º Seminário Internacional de Mobilidade, realizado em Brasília (DF).

Atualmente, a Rede Integrada de Transporte Coletivo (RIT) de Curitiba conta com 244 linhas de ônibus e 1.101 veículos, e sua estrutura tem 22 terminais de integração e 338 estações-tubo. Em média por dia útil, cerca de 620 mil passageiros pagantes e isentos passam pelas catracas. A atual concessão do serviço público vence em 2025 e o grupo especial tinha, inicialmente, 120 dias para elaborar um relatório que pudesse subsidiar a construção da nova licitação. Mas, ao longo do ano, três prorrogações do prazo de funcionamento foram feitas, para que a Comissão Especial do Transporte tivesse mais tempo para estudar a matéria e apresentar o documento que poderá contribuir com o futuro edital de licitação deste sistema.

A Comissão Especial do Transporte foi formada por oito parlamentares, sendo Herivelto Oliveira, presidente, e Serginho do Posto, vice-presidente. A relatoria foi de Bruno Pessuti e a vice-relatoria foi de Dalton Borba. Também integraram o grupo os vereadores Giorgia Prates – Mandata Preta, Jornalista Márcio Barros, Professor Euler e Rodrigo Reis.