Solenidade na Câmara exaltou o Dia da Consciência Negra
A Câmara Municipal de Curitiba realizou sessão solene em comemoração ao Dia da Consciência Negra. (Foto: Carlos Costa/CMC)
A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu na última segunda-feira (21) sessão solene em comemoração ao Dia da Consciência Negra. A iniciativa da homenagem foi do vereador Herivelto Oliveira (Cidadania) e a sessão teve a narração de José Nascimento, executivo, professor, mentor, consultor e autor de livros. O objetivo da cerimônia, de acordo com o vereador, foi o de valorizar indivíduos negros com destaque por suas ações de protagonismo na defesa da comunidade negra e também por suas fundamentais contribuições para o desenvolvimento do nosso país.
A mesa foi composta pelo vereador proponente da homenagem, Herivelto; por Valéria Pereira da Silva, representando a Assessoria de Políticas de Proteção da Igualdade Étnico-Racial da prefeitura; André Luis Nunes da Silva, conselheiro estadual e membro consultor da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná (OAB-PR); Maria da Luz da Costa, homenageada aos 100 anos de idade; e Anderson Farias Ferreira, presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB-PR.
>> Assista à solene no canal da Câmara Municipal de Curitiba no Youtube:
Saudação
O vereador Herivelto Oliveira, autor da homenagem ao Dia da Consciência Negra, declarou ser uma felicidade ver o plenário repleto de pessoas negras. Ele agradeceu à equipe do seu gabinete pela organização da homenagem. “Trata-se do quarto ano consecutivo em que realizamos essa celebração da Consciência Negra”, disse o vereador.
Herivelto lembrou de um episódio ocorrido em 1986, quando ele estava se iniciando na carreira de jornalista. Havia uma denúncia relativa ao Hospital Evangélico, e Herivelto, que era jornalista da TV Paranaense (filial da Globo no Paraná), produziu uma matéria a respeito. A Câmara Municipal de Curitiba, à época, convocou o então diretor do hospital. Quando esse diretor chegou à Câmara, deparou-se com o jornalista Narciso Assumpção (irmão do músico Itamar Assumpção), também negro, e passou a destratá-lo em público por achar ser ele o autor da matéria, quando, na verdade, era de autoria de Herivelto. “Essa pessoa se sentiu à vontade para agredir Narciso, porque na sua cabeça, não haveria necessidade de distinguir entre um negro e outro”, afirmou o parlamentar.
Herivelto comentou sobre seu canal no YouTube, chamado Brasil de Cor: “Neste canal, temos 70 entrevistas, sendo que apenas duas não são com negros. A ideia do canal é valorizar os negros e suas iniciativas, já que de modo geral, a mídia não os mostra, mesmo eles representando mais da metade da população”. Ele disse que sua tese de mestrado versa justamente sobre essa invisibilidade dos negros em telejornais. “Nós somos a cor do Brasil e devemos nos orgulhar disso. Devemos aparecer e exigir o espaço que nos é de direito, até porque racismo é crime no Brasil”, disse Herivelto.
Potências
Karen Oliveira, assessora do vereador Herivelto, disse que vivemos um momento histórico para o Movimento Negro no Brasil. “Nos eventos realizados nos últimos 4 anos em função da data da Consciência Negra, mais de 100 pessoas já foram homenageadas, todas com relevantes trabalhos em prol da sociedade. Falo como mulher negra, empreendedora e ativista dessa causa que nos une”, disse ela. De acordo com a assessora, a luta dos negros não é pela ocupação do espaço dos outros, mas pelos direitos dos 56% da população brasileira, composta por negros e pardos, conforme dados do IBGE. Para ela, trata-se de uma parcela da população que merece ser tratada com respeito, dignidade e reconhecimento dos mesmos direitos que assistem a população branca do país.
Karen lembrou que a representatividade dos negros está aumentando e um exemplo disso é a Câmara Municipal de Curitiba, onde atuam 3 vereadores negros: Carol Dartora (PT), Renato Freitas (PT) e Herivelto Oliveira. “Nós negros somos muito potentes e daí a expressão: ‘Nossas potências’ ser o título desta homenagem. A escolha dos nomes a serem lembrados nessa cerimônia foi um desafio, pois há muitas potências negras em nossa cidade e vocês, hoje homenageados, representam todas elas”, concluiu.
Letícia Costa, jornalista e modelo, lembrou que o Brasil viveu 353 anos de escravidão. “Nosso país recebeu quase a metade de todos os africanos e africanas que saíram compulsoriamente do continente africano. Há 133 anos, a escravidão acabou de modo formal, mas as ideias de superioridade racial continuaram a ser propagadas e se materializam em mentiras e crimes que causam sofrimentos incalculáveis ao nosso povo até o dia de hoje”, afirmou ela. Letícia destacou números revelados por pesquisas que mostram que as mulheres negras são as que mais morrem em função do feminicídio e homens negros são os que mais morrem nas mãos da polícia. Além do fato de que pessoas pretas e pardas são as que recebem os menores salários e têm menos acesso a emprego, educação e segurança. “Ainda há um imenso caminho a ser percorrido, mas aprendemos com os que vieram antes. Aprendemos a resistir e a lutar”, finalizou.
Resistência
André Luis Nunes da Silva, conselheiro estadual e membro consultor da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná (OAB-PR), saudou os presentes, em especial o vereador Herivelto, com quem mantém uma longa amizade de mais de 30 anos. Ele também saudou a senhora Maria da Luz pelo seu centenário de vida. O advogado destacou a homenagem promovida pela Prefeitura de Curitiba, por meio da Assessoria Étnico-Racial, e lembrou que a OAB-PR também promoverá um evento alusivo à data no dia 25. Ele disse ter muito orgulho de ter sido homenageado com o Prêmio Pablo Neruda de Direitos Humanos.
“Fiz parte da equipe do ex-prefeito Gustavo Fruet e, naquela oportunidade, pude entender melhor como funciona a Câmara. À época, não tínhamos a representatividade de três vereadores negros, mas hoje isso é uma realidade extremamente simbólica e importante para o avanço da cidade”, afirmou. Essa condição, segundo o advogado, eleva Curitiba dentro da luta pelos direitos humanos e pela igualdade dos negros. “Todos sabemos como é difícil ser negro ou negra nesse país, mas é fundamental que haja resistência. Advogado há mais de 34 anos em prol dos direitos humanos e no combate ao racismo, posso afirmar que não basta intitular-se antirracista. É necessário ser antirracista todos os dias”, afirmou.
Anderson Farias Ferreira, presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB-PR, parabenizou a Câmara e o vereador Herivelto pela realização do evento. “Refleti sobre o nome da homenagem, que se refere às potências. Essas potências são o brilho nos olhos dos que resistem”, disse o advogado. Ele revelou ser natural do Rio Grande do Sul e disse que, quando chegou a Curitiba, percebeu que havia um apagamento dos negros na história da cidade. “Mas conheci pessoas como o advogado André e outras pessoas do Movimento Negro e, hoje, presido a Comissão da OAB, então entendo que a ocultação da presença negra na história de Curitiba está começando a ser superada”, constatou o advogado.
Valéria Pereira da Silva, da Comissão Étnico-Racial da Prefeitura Municipal de Curitiba, disse estar contente por ver tantas pessoas negras sendo homenageadas e exaltou a iniciativa do vereador Herivelto. Para ela, os negros foram desvalorizados ao longo da história do Brasil. “Fomos apagados, mas continuamos resistindo”, disse Valéria. Para ela, os homenageados são, de fato, potências e a homenagem valoriza o legado que essas pessoas construíram e constroem.
Homenageados
Maria da Luz da Costa, homenageada de 100 anos de idade, foi funcionária pública por mais de 40 anos, aposentada. Participou do bloco Batutas do Sertão, em 1937. No carnaval curitibano, passou a desfilar como baiana pela escola de Samba Mocidade Azul, em 1975. Foi agraciada com um diploma de honra ao mérito concedido pela escola de Samba Leões da Mocidade, em função dos seus 75 anos de dedicação ao carnaval curitibano.
Simone Vitor, natural da cidade de Cornélio Procópio, veio de origem humilde e cursou Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR), na qual recebeu várias medalhas pelo seu bom desempenho. Era a única pessoa negra numa turma de 90 alunos. É médica há 24 anos e, atualmente, trabalha na Maternidade Mater Dei, do Hospital Nossa Senhora das Graças e no Hospital de Clínicas.
Maria Ângela de Jesus Silva, também conhecida como Yá Ângela d’Ogum, iniciou sua vida espiritual na umbanda no ano de 1995. Dez anos depois, abriu sua própria casa de umbanda na qual atuou por 9 anos, tornando-se referência na religião de Curitiba. Em 2021, sete anos após receber seus direitos de Yalorixá, estabeleceu o Ilê Axé Ogunjá – PR, entidade na qual desenvolve atividades com base nos ritos do Candomblé Ketu.
Letícia Costa, primeira e única mulher negra a receber o título de Miss Curitiba Universo, em 2017, tendo ingressado no Top 8 no Miss Paraná. Formada em Jornalismo, trabalha como modelo há 8 anos, participando de campanhas e desfiles de marcas nacionais e internacionais. É professora de passarela, apresentadora e também atua como assessora de imprensa. No momento, Letícia irá representar Guaratuba no “Miss Paraná Supranational” que será realizado no dia 18 de dezembro, em Curitiba.
Daniel Montelles, cantor, compositor e escritor. Graduado em Comunicação Social – Publicidade – e Propaganda pela Uninter, em 2018. Natural do Maranhão, radicou-se em Curitiba, onde lançou em 2021 seu primeiro trabalho autoral, de título “Imensidão”. Além disso, integrou espaços de pesquisas negras e suas trajetórias, conhecendo o Candomblé, o Tambor de Mina e a Umbanda.
Ana Arruda, professora internacional e dançarina, bacharel em Educação Física e formada pela Escola de Dança Jimmy de Oliveira, no Rio de Janeiro. Já visitou 25 países, nos quais ensinou a arte da dança, em particular do samba e de ritmos latinos. Atua na preparação de dançarinos e dançarinas para posições como rainha do carnaval, rainha de bateria e musas e de competições de samba.
Cássia Dominique, musa da Escola de Samba Mocidade Azul, nascida no bairro Parolin, seu primeiro contato com a dança foi aos 8 anos no projeto Ginga Total e em dois anos já dançava profissionalmente com o grupo que levava as danças de matriz africana em vários locais da cidade. Passou a ser porta-bandeira da Escola de Samba Mocidade Azul, defendendo o pavilhão por 4 anos. Tornou-se passista em 2017 e, em 2022, recebeu o título de Musa da escola. Também atua como professora de dança, com ênfase no samba.
Yabna N’Tchalá, lutador de Muay Thai, Kickboxing e MMA. Já trabalhou como modelo pela agência Tuttan. Conhecido como “Pantera Negra”, o esportista acumula 7 vitórias em 7 lutas realizadas no MMA. De acordo com ele, a luta lhe proporcionou encontrar equilíbrio, pois antes disso era agressivo em virtude do preconceito racial.
Ewerton Fernando dos Santos Ferreira, o Mestre Xingu. Mestre de bateria da escola Enamorados do Samba, atual campeã do carnaval curitibano. Vindo de uma família de músicos, cresceu dentro da Escola de Samba Mocidade Azul. Foi ritmista da Escola de Samba de Joaçaba, até que recebeu o convite para ser mestre de bateria da Leões da Mocidade em 2015 e 2016. No ano de 2018, passou a ser mestre de bateria da escola Enamorados do Samba, fundada por sua família.
Eorivaldo Xavier de Oliveira trabalhou por 9 anos na empresa Móveis Cimo, 8 anos na loja Frishmann (onde ocupou a gerência) e também foi gerente por 19 anos da loja San Remo. Aos 57 anos, inaugurou sua própria loja no Shopping Cidade e, em seguida, abriu a loja Mozart, nas proximidades da Boca Maldita. Enfrentou preconceito racial aos 20 anos, quando foi rejeitado em empregos por usar seu cabelo no estilo black power. Superou tudo, chegando ativo aos 70 anos.
Águila Kynlla, de 10 anos de idade, é modelo e atriz. Iniciou suas atividades nessas áreas aos 4 anos. Atualmente é Miss Model Curitiba e Miss Model Brasil. Além dessas atividades, Águila participa voluntariamente de uma ONG e gosta de estar próxima a pessoas em situação de rua.
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