Sedes da Câmara: Cândido de Abreu e o Paço Municipal
O prédio do Paço Municipal em 1916. No primeiro andar ficava a prefeitura e, no segundo, a Câmara. (Foto: Arthur Wischral/acervo Paulo José da Costa)
No dia 24 de fevereiro de 2016, o Paço Municipal (atual Paço da Liberdade) completou 100 anos. O prédio foi sede da prefeitura e da Câmara de Curitiba por quase cinco décadas. Na semana do aniversário de Curitiba, o projeto Nossa Memória conta a história dessa que é uma das construções mais importantes da cidade. Antes dela, entretanto, outras edificações foram erguidas com a finalidade de sediar o poder municipal.
A primeira foi a “Casa de Câmara e Cadeia”, cuja construção se deu entre 1721 e 1726 [já retratada num dos textos do projeto Nossa Memória (leia mais)].
O livro “História e usos do Paço da Liberdade” (2009) traz dados sobre as construções que sediaram temporariamente a Câmara. “Até então os poderes municiais eram quase itinerantes. Mudavam de sede constantemente. Em 1901 funcionavam na Praça Tiradentes, 490, em prédio ainda hoje existente e de propriedade dos herdeiros de Sofia Wolf. Em 1902, passam para outro prédio, de nº 21 na mesma praça. De acordo com o contrato, o prédio seria alugado por três anos pelo valor de 300 mil réis”. A Fundação Cultural de Curitiba informa que em seu site que entre 1911 e 1912, a Câmara também desenvolveu suas atividades no Palacete Wolf, localizado nas proximidades da Igreja do Rosário. A informação é confirmada pelo livro Impressões do Brazil no Século XX, editado em Londres, em 1913.
Aproximadamente nessa época a Câmara inicia as discussões para a construção de uma nova sede para o Poder Legislativo. É aprovada a lei que possibilita a construção do Paço Municipal (348/1912). Sua inauguração no dia 24 de fevereiro de 1916 foi o último ato de uma sucessão de intervenções urbanas realizadas em Curitiba enquanto o engenheiro Cândido de Abreu esteve à frente da prefeitura (1913-1916).
Os “Melhoramentos de Cândido de Abreu” como foram chamados, mudaram não só a aparência da cidade, mas também muitos outros aspectos como, por exemplo, a relação entre os cidadãos e o poder público. De acordo com Rafael Augustus Sêga, autor de uma pesquisa de 1996 sobre a gestão de Cândido de Abreu, o diferencial entre ele e seus antecessores foi a introdução do conceito de “interesse coletivo”, que além de facilitar as operações, reforçava junto à população a percepção de que a prefeitura era um órgão meramente judicioso, formal, racional, destituído de paixões e ideologias.
Cândido de Abreu
Carlos Cavalcanti, presidente do Estado, tinha a prerrogativa de escolher o prefeito. Duas opções se colocaram. Uma delas era o coronel João Gualberto, figura popular em Curitiba, comandante do “Tiro de Guerra” Rio Branco, presença obrigatória em todas as comemorações cívicas que aconteciam na cidade. Como não tinha apoio do Partido Republicano, seu nome foi preterido. A escolha do presidente recaiu sobre Cândido Ferreira de Abreu, parnanguara, neto do Visconde de Nácar, engenheiro formado pela Escola Politécnica do Rio, a primeira instituição de ensino de engenharia do Brasil. Em seu currículo acumulava passagens como chefe de seção nas obras da estrada de ferro Madeira-Mamoré, inspetor de colonização no Rio Grande do Sul e engenheiro do Ministério da Agricultura, no Rio de Janeiro.
Uma das novidades trazidas pela república a partir de 1889, lembra Rafael Sêga, foi a eleição para prefeito. Até então a administração municipal no Brasil era exercida de forma exclusiva pelas Câmaras. “Em 1892, Cândido de Abreu venceu a primeira eleição para prefeito da cidade de Curitiba. Sua tendência draconiana frente ao Executivo Municipal teve suas raízes nesse seu primeiro mandato, que por sinal foi muito breve (11 meses); foram desse período a inauguração da luz elétrica e a revisão do Código de Posturas, com o escopo de implantar medidas saneadoras e embelezadoras na cidade, assim como o esquadrinhamento das construções dentro do perímetro urbano. Porém, as limitações impostas pelo Legislativo Municipal irritaram Cândido de Abreu, que encaminhou uma carta renunciando ao cargo”, explica Sêga.
Em 1893, foi convidado por Aarão Reis para fazer parte da Comissão Construtora de Belo Horizonte, nova capital mineira em substituição à cidade de Ouro Preto. Durante a Revolução Federalista (1894), graças ao apoio que deu à legalidade (Floriano Peixoto) foi nomeado tenente-coronel honorário. Foi deputado e senador.
Melhoramentos
“Com reflexão e commedimento estão sendo delineados os planos de remodelamento da cidade. Mais alguns mezes e os ferros da picareta do progresso, na faina gloriosa da destruição civilisadora, cahirão possantes, como um terremoto benefico e esplendoroso derribando a casaria vetusta. E essa Coritiba de hoje, ‘moça bonita trajando seda, porem calçada de tamancos’, resurgirá victoriosa do pó desses escombros, como Phenix de nova especie, exuberante em perfeição e graça”, diz um cronista em nota publicada pelo jornal Diário da Tarde de 8 de abril de 1913.
De forma essencial, os melhoramentos duraram toda a gestão de Cândido de Abreu (1913-1916) e consistiram em centenas de terraplanagens, aterros, calçamentos, drenagens e outros serviços isolados como a construção de um mercado de madeira na Praça 19 de Dezembro e outro no Batel. Rafael Sêga destaca o espanto da população frente a dois compressores importados da Europa para a realização das obras. “Esses equipamentos importados são signos de uma civilização, e as suas origens acentuam bem esse referencial. Compressores, britadeiras, betoneiras e guindastes, são metáforas da criação de um novo tempo e são fetichizados pela maioria da população”.
Em praticamente todos os dias do seu mandato alguma atividade dos melhoramentos foi realizada. Todo o trabalho foi descrito em relatórios públicos em que se destaca a preocupação com o detalhamento das obras [e dos valores gastos]. “Cândido de Abreu foi além como prefeito da cidade. Tinha experiência conseguida no tempo que trabalhou na construção de Belo Horizonte. E fez o que pode, nos horizontes limitados (tanto culturais quanto econômicos) de Curitiba”, diz Irã Taborda Dudeque, arquiteto, historiador e professor do Instituto Tecnológico de Educação (ITFPR).
Alexandre Fabiano Benvenutti em sua monografia “As Reclamações do Povo na Belle Époque: a cidade em discussão na imprensa curitibana (1909-1916)” menciona alguns números: “(...) As vias públicas que receberam revestimento de paralelepípedos, tanto usados como novos, correspondiam a 101.377 m² no total. Os trabalhos de macadamização totalizavam 145.754 m². No que se refere aos passeios ou calçadas, a área total revestida foi de 31.208,14 m², dos quais cerca de 19.255,16 m² correspondiam a revestimento de cimento, 10.200,55 m² a ladrilhos, 1.158,12 m² a petit pavê, e 594.31 m² a lajes de pedra”.
“Para se ter uma ideia da grandeza dessa operação, numa cidade de sessenta e cinco mil habitantes, aproximadamente, foram assentados quase três milhões e quatrocentos mil paralelepípedos, além das ruas macadamizadas. E mais, vários prédios foram demolidos, praças reformadas (ou criadas) e eletrificadas as linhas dos bondes”, lembra Sêga. Na mesma perspectiva, comenta o pesquisador Sérgio Henrique Schultz, em sua pesquisa “Sapatos de veludo”: “os cortiços, grandes inimigos da circulação, serão atacados, avenidas serão abertas, e as praças, verdadeiros respiratórios da cidade – mesmo que sem árvores – ganharão grande importância, assumindo a função de revitalização-deslumbramento no espaço urbano”.
“Ele era muito atualizado em relação às novidades arquitetônicas”, diz Marcelo Sutil, coordenador de pesquisa histórica da Casa da Memória. “Outras construções de sua autoria, como sua residência na Avenida João Gualberto (conhecida como “Casa das Ferraduras”) e o Belvedere, na praça João Cândido se valeram de ornamentações no estilo art nouveau”.
O emprego das características dessa corrente francesa também marcaria a reforma da praça Eufrásio Correia e as mudanças promovidas no Passeio Público que ganhou um portal de entrada semelhante ao do Cemitério de Cães, em Paris. Mas a obra arquitetônica de maior relevo atribuída a Cândido de Abreu é o Paço Municipal, o último dos “melhoramentos” (entregue dentro do prazo).
Paço
Para Sutil, a localização do prédio do Paço teve caráter estratégico. “A rua da liberdade – transformada em rua Barão do Rio Branco em 1912 – era conhecida como a rua do Poder, em função da presença do prédio da Assembleia (Palácio Rio Branco) e do Palácio da Liberdade (atual Museu da Imagem e do Som), que durante anos foi a sede do Governo do Estado”. O Paço foi construído já na rua Riachuelo (continuidade da Barão), na mesma área onde ficava o antigo mercado (1874), cujas paredes lhe serviram de tapume.
A pesquisadora Suzelle Rizzi, em sua pesquisa de 2003 sobre Cândido de Abreu, salienta que os trabalhos foram dirigidos pelos construtores Ângelo Bottechia e André Petrelli, sob a fiscalização do engenheiro Eduardo Chaves. A supervisão geral era feita pelo engenheiro-chefe de Obras Municipais Adriano Goulin e pelo próprio prefeito Cândido de Abreu (a quem a obra é genericamente atribuída). A decoração interior do edifício ficou ao encargo do arquiteto Roberto Lacombe, sendo as pinturas incumbidas a João Ortoloni e João Guelffi. Trabalhos em marcenaria foram feitos nas oficinas Maderna & Boni, de Curitiba.
De acordo com o edital referente ao fornecimento de material, a construção do prédio demandou 1.168 m³/390 decâmetros cúbicos de pedra bruta para alvenaria de fundação; 65 m²/502 decâmetros cúbicos de pedra de cantaria, granito para a alvenaria de embasamento; 300.000 tijolos, 400 m³ de areia; e 125 m³ de cal. O mesmo documento abria concorrência para a mão de obra.
Dotado de três pavimentos, o prédio tem 15 metros de altura. Detalhes “art nouveau” se destacam em toda a construção, como por exemplo a estátua feminina conhecida como “Curityba”, localizada abaixo do relógio na torre, ou os peixes que adornam as portas laterais. O edifício também é lembrado por ter sido o primeiro em Curitiba a dispor de um elevador. “Sua presença valorizou o entorno da praça. Some o casario baixo e surgem edificações como o Tigre Royal”, frisa Marcelo Sutil.
Como lembra Alexandre Fabiano Benvenutti em sua pesquisa, o prédio ganhou “os mais modernos e luxuosos equipamentos: elevador Ottis Pifre, sistema de iluminação elétrica interna e externa invisíveis, duas fontes ornamentais bronzeadas, dois mictórios modernos, um artístico lampadário Torchiere, três porta-lâmpadas, um candelabro com figura, um relógio com mostradores transparentes e telefones. Na decoração externa, ricamente ornamentada, havia uma grande preocupação em ostentar a riqueza, o luxo e o poder”.
“As colunas da entrada principal do prédio estão suspensas por dois Hércules, que representam os poderes municipais, o Legislativo e o Executivo. Acima, um nicho contém uma estátua feminina, vestindo uma túnica, o que significa a cidade de Curitiba, e na ornamentação da torre, um escudo com as armas do município e cabeças de leão, símbolos da força”, descreve Marcelo Sutil em “O Espelho e a Miragem”.
E os vereadores?
Entre 1912 e 1920 a Câmara Municipal teve duas legislaturas, mas os nomes não se alteraram de forma substancial. Os integrantes da Casa durante aqueles oito anos foram: João Antônio Xavier, Jayme Ballão, Francisco de Paula Guimarães, Constante de Souza Pinto, Nicolau Mader, Percy Withers, Francisco Simas, Wallace de Mello, Wenceslau Glaser, Joaquim Augusto de Andrade, Antônio Torres e João Faucz.
Não participaram dos melhoramentos – embora recebessem informes sobre os avanços das obras – mas aprovaram uma série de leis importantes para a cidade. Algumas são listadas em uma espécie de balanço de fim de mandato que foi publicado no “Almanach do Paraná”, de 1920.
Um tema que tomou bastante a atenção dos vereadores foi a da regularização dos lotes. Eles aprovaram, por exemplo uma lei que tributou terrenos não edificados e não murados. Também exigiram que os construtores fornecessem a exata localização dos prédios para a verificação dos excessos (medida que rendeu 50 contos de réis para o município). Aprovaram, da mesma forma, a concessão de favores aos proprietários que cedessem as áreas para abertura de ruas e praças.
Dentro dessa temática, entretanto, a lei mais importante aprovada pelos vereadores das legislaturas de 1912-1920 foi a que dividiu a cidade em três zonas organizadas sob a forma de anéis concêntricos. “A 1° zona”, diz Suzelle Rizzi, “constituída pelas áreas centrais de Curitiba, com exceção da av. Batel e João Gualberto consideradas residenciais. A região central sofreu maiores reformas urbanas como pavimentação, onde também as leis e fiscalização eram mais rígidas, com preferência por edificações em alvenarias”.
“A 2° zona e a 3° zona obedeciam o mesmo formato em anel alargando-se cada vez mais para a periferia da cidade. A 2° zona era reservada as indústrias e a 3° zona para moradias de operários e sitiantes”, continua. Portão, Seminário e Juvevê, por exemplo, foram considerados “terceira zona”.
A Câmara Municipal também se ocupou da discussão e aprovação das leis que criaram a Maternidade, o Instituto Pasteur e o programa Gota de Leite. Os camaristas doaram um terreno para a recém-criada universidade e acataram a livre exploração da energia elétrica como força-motriz. Algumas atividades creditadas aos melhoramentos tiveram suas autorias reivindicadas pelos vereadores: o Palácio Municipal (lei nº 348/1912), a remodelação do Passeio Público e a desapropriação da chácara Bittencourt, ação que eles consideravam “necessária para normalizar o regime de aguas e esgotos”.
Referências Bibliográficas
Benvenutti, Alexandre Fabiano. As Reclamações do Povo na Belle Époque: a cidade em discussão na imprensa curitibana (1909-1916). Mestrado em História – UFPR. Curitiba, 2004.
Blog Paulo da Fígaro [link].
Castro, Elizabeth Amorim de. Edifícios públicos de Curitiba: Ecletismo e modernismo na arquitetura oficial. 1ª edição, Edição do autor. Curitiba, 2011.
Castro, Elizabeth Amorim de; Posse, Zulmara, Clara Sauner. As virtudes do bem-morar. 1ª edição, Edição do autor, Curitiba, 2012.
Dudeque, Irã Taborda. Nenhum dia sem uma linha: uma história do urbanismo em Curitiba. Studio Nobel. Curitiba, 2010.
Posse, Zulmara Clara Sauner (organizadora). História e usos do Paço da Liberdade. SESC-Administração Regional Paraná. Curitiba, 2009.
Rizzi, Suzelle. Cândido de Abreu e a arquitetura de Curitiba entre 1897 e 1916. Mestrado em Teoria, História e Crítica da Arquitetura. Curitiba, 2003.
Sêga, Rafael Augustus. Melhoramentos da capital: a reestruturação do quadro urbano de Curitiba durante a gestão do prefeito Cândido de Abreu (1913-1916). Mestrado em História da UFPR. Curitiba, 1996.
Schultz, Sérgio Henrique. Sapatos de veludo: Modernidade e urbanidade através dos espaços públicos de lazer na Curitiba do início do século XX (1913-16). Bacharelado em História. Curitiba, 2007.
Sutil, Marcelo Saldanha. O Espelho e a miragem. Mestrado em História. UFPR. Curitiba, 1996.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba