Relatos positivos de crianças atendidas com canabidiol marcam debate na CMC
Desde que começaram a usar canabidiol, as crianças Pétala, Pedro e Vítor melhoraram significativamente de saúde, inclusive abandonando outros remédios prescritos pelos médicos. As mães dos três foram as primeiras a relatar suas experiências, nesta sexta-feira (14), na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), durante reunião pública para debater o uso medicinal da cannabis no tratamento da doença. A atividade foi iniciativa do vereador Goura (PDT).
Pétala é uma criança de dois anos, que já fez mais de 400 exames e permanece sem diagnóstico. Ela não anda e não vocaliza, mas brinca e interage com as pessoas ao redor. Ela é filha de Pérola de Paula Sanfelice, professora universitária doutora em História. Ela conta que quando o médico receitou um remédio há 30 anos no mercado, que é barato e usado no tratamento de epilepsia, a filha ficou apática. “No primeiro dia [com a medicação comum], ela parou de dormir. De se alimentar. Parecia uma boneca de pano”, contou. Ela diz que a transição para o cabinidiol, há 40 anos, devolveu a vitalidade para a criança.
O relato feito pela empresária Patrícia Sarruf, mãe do Pedro, que teve complicações no parto, foi semelhante. Ele começou a ter crises convulsivas aos quatro meses de idade, sendo tratado com diversos tipos de medicação. Nesse período, Pedro, chegou a ter 860 convulsões num mês – que depois, com o CBD (como é abreviado o canabidiol), caíram para 299. “Mas não é só isso. Ele voltou a vocalizar, a ter tônus muscular. Chegou a ficar três dias sem crise”, contou. Patrícia queixou-se de não ter sido apresentada antes ao CBD. “O que eu mais sinto é indignação. Se tivesse tomado naquele dia dos primeiros espasmos, qual não teria sido a melhora?”.
Já Vítor começou a ter convulsões aos nove anos de idade, hoje ele tem 13. “A gente vivia o inferno em casa. Ele tinha 20 crises por semana, era extremamente agressivo, não dormia. Os médicos diziam que não tinha mais o que fazer, pois as doses [dos fármacos comuns] estavam num nível perto do tóxico”, relatou Maria Aline Gonçalves, mãe do adolescente. O ponto de virada, disse, foi quando indicaram remédios para anestesiar seu filho – mas não para tratá-lo, apenas para que ela conseguisse dormir. “Pra eu dormir ia paralisar meu filho? Os neurologistas ignoravam as minhas perguntas sobre maconha, mesmo que o canabidiol pudesse ser uma solução”. Após mudar de médico, testou o CBD. Foi quando Vítor dormiu tranquilamente pela primeira vez.
Pérola, Patrícia e Maria Aline descreveram como foi difícil obter a liberação para o uso e importação do CBD, geralmente comprado em dólar no exterior – um procedimento regulado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). “Eu tirei todos os alopáticos [do Vítor]. Só com o óleo [de canabidiol], ele tem uma vida. Não tem mais crises convulsivas, exceto uma vez ou outra. Livrou-se de duas cirurgias e vai para a escola”, comemorou a mãe.
Ao abrir a reunião pública, o vereador Goura tinha se referido à questão como um “tabu”. “É preciso pautar [discussões como essa] sem medo, com coragem. A falta do debate prejudica a sociedade como um todo”, complementou. O depoimento das mães foi complementado pelo relato da fisioterapeuta psicomotricista Carla de Camargo, com a qual algumas das crianças se tratam. “Eu acompanho diariamente na clínica os avanços que temos tido com elas”, disse, acrescentando que os resultados são acompanhados por um grupo de pesquisa e levados a congressos profissionais e científicos.
Fabiano Soares de Araújo e Allen Carolina dos Santos Costa, ambos químicos, falaram do composto em si, explicando que, como o CBD, existem vários outros canabinóides na maconha. O mais conhecido seria o THC (tetra-hidro-canabiol), geralmente associado ao uso recreativo da planta. Os dois relataram aspectos mais técnicos e históricos do uso da cannabis na medicina, enquanto os advogados Diogo Busse e André Feiges retrataram a situação das disputas judiciais pela liberação do uso medicinal do canabidiol (confira o vídeo integral da reunião pública aqui).
“Não se trata de liberação”, comentou Busse, que foi diretor de políticas públicas sobre drogas da Secretaria Municipal de Defesa Social na gestão do ex-prefeito Fruet. “A primeira proposta que eu faria para quem participa dessa causa, é que não use mais esse termo”, continuou, dizendo que é mais adequado pedir a regulação. “O maior desafio é cultural”. Busse abriu espaço para que Rodrigo Lacerda, empresário instalado no Uruguai, que se envolveu com o canabidiol quando a mãe demonstrou sinais de Mal de Parkinson.
Lacerda disse que o medicamento com base em canabidiol tem demonstrado “excelentes resultados”. Afirmou que fornece de graça o produto em alguns casos, mas ainda sofre com o preconceito, a ponto de uma carga ter sido apreendida pela Receita Federal e pela Polícia Federal em um aeroporto de Porto Alegre. A situação foi esclarecida, relatou o empresário, e serviu para estabelecer um rito para a importação. “Tínhamos toda a documentação”, afirmou, mas ainda assim foram tratados como traficantes.
Dizendo ser difícil dissociar a discussão do uso do canabidiol do debate público sobre o consumo da maconha, Feiges fez paralelos do combate aos opiáceos ao da repressão à planta. “Todos estamos reunidos hoje, sem a presença da polícia [no auditório], porque a Marcha [da Maconha] foi à rua para descriminalizar o debate. A marcha era proibida até 2011”, afirmou.
Feiges elogiou Goura pela reunião pública. “Não tenho registro de nenhum outro mandato que tenha ousado trazer esse tema para dentro dos espaços públicos”, afirmou. No final do evento, que lotou o auditório da CMC, Professora Josete (PT) parabenizou Goura. “Há temas que a sociedade tem dificuldade em debater e enfrentar e as pessoas fazem de conta que não existem”, criticou. O vereador prometeu levar o tema para a Assembleia Legislativa do Paraná em 2019, quando assume mandato de deputado estadual.
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