Rejeitado protesto à iluminação da CMC alusiva ao movimento LGBTQIA+
Entre os dias 23 e 29 de junho, a iluminação cênica do prédio histórico do Legislativo está com as cores da bandeira do arco-íris, em alusão do Mês do Orgulho LGBTQIA+. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Em votação simbólica e com apenas dois votos favoráveis, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) derrubou o requerimento de moção de protesto “sobre a propagação de ideologias por meio de luzes cênicas” usadas na iluminação do Palácio Rio Branco. O pedido foi apresentado por Eder Borges (PL) que se manifestou contrário à iluminação cênica do prédio histórico do Legislativo, nas cores da bandeira do arco-íris, em alusão do Mês do Orgulho LGBTQIA+.
O debate mobilizou a participação do autor da moção, Eder Borges, do presidente do Legislativo, Marcelo Fachinello (Pode), e do primeiro-secretário da Mesa Diretora, Osias Moraes (PRTB), além das vereadoras Maria Leticia (PV) e Giórgia Prates - Mandata Preta (PT), que têm como uma de suas bandeiras de atuação na Câmara a causa LGBQTIA+. Maria Leticia foi quem solicitou a iluminação do Palácio com as cores do movimento, com base na Instrução Normativa 03/2022.
Na moção de protesto, Borges destacou já ser de praxe a iluminação cênica do Palácio Rio Branco, “com cores que fazem alusão a temáticas em conformidade ao calendário em que há datas estabelecidas, por meio de lei, campanhas de conscientização”, mas criticou “distorções à compreensão, em que fazem do espaço predial de palanque de militância ideológica”. “Esta Casa de Leis, composta por 38 vereadores, não adere à militâncias partidárias e ideológicas, com exceção dos que militam nessas causas. Preza-se pela democracia e isonomia ideológica, em respeito à representatividade de cada parlamentar e pluralidade de ideias e valores que permeiam nossa sociedade”, diz o requerimento (413.00001.2024).
Ao pedir apoio do plenário na aprovação da moção, Eder Borges reclamou da “propaganda de bandeiras ideológicas” e do “panfletarismo partidário”, que estariam desrespeitando “significativamente a população de Curitiba”. Ele contou que encaminhou e-mail para a Presidência do Legislativo, solicitando a retirada da iluminação em referência ao Mês do Orgulho LGBTQIA+, programada para os dias 23 a 29 de junho, porque “represento inúmeros munícipes que me enviaram mensagens indignados ou perguntando porque disso, ao ver esta Casa iluminada com as cores do mês do orgulho gay”. “Eu não fui respondido”, reclamou.
Para o vereador, é preciso discutir, “no sentido do debate, a tênue linha entre a conscientização e o panfletarismo ideológico”. Borges citou, como exemplo, o Dia Nacional da Araucária, celebrado no último dia 24, quando “nada foi feito [no Palácio]”, enquanto que “estas campanhas de conscientização duram vários dias”. “Quero pontuar aqui que tal iniciativa não parte da Presidência desta Casa, certamente parte da [Diretoria de] Comunicação [Social]”, analisou, para depois pedir que a Câmara mantenha “isonomia ideológica”, pois “não é de direita, não é de esquerda, e não possui cores definidas”.
Iluminação cênica está prevista em normativa e é prerrogativa parlamentar
Presidente da Câmara, Marcelo Fachinello saiu em defesa da Mesa Diretora do Legislativo, e da Diretoria de Comunicação Social (DCS), responsável pela elaboração da IN 03/2022, vigente desde agosto de 2022 e que instituiu as políticas de Comunicação Social e os procedimentos a serem adotados pelo departamento. Neste documento estão as regras para solicitar a iluminação cênica do prédio histórico do Legislativo. A instrução afirma, em seu artigo 99, que os vereadores da cidade, a Presidência e a DCS podem solicitar a iluminação do prédio histórico.
“Temos um calendário anual pré-fixado pela Casa, com algumas datas que são programadas: Semana da Pátria, no 7 de setembro; aniversário da cidade, em março; Outubro Rosa e outras que já estão previamente definidas, que já existe uma iluminação prevista para isto. E conforme esta instrução normativa, que é anterior à minha presidência, o senhor pode requisitar, e nunca fez desde o início do seu mandato, nenhum pedido de iluminação do Palácio. Poderia iluminar com uma causa do seu mandato, uma bandeira que o senhor traz aqui para dentro, que é justo e é democrático”, disse Fachinello.
O presidente ainda orientou Eder Borges sobre como ele pode fazer o pedido de iluminação do Palácio, desde que sejam respeitadas algumas regras (previstas na IN 03/2022), como, por exemplo, que a solicitação seja feita pelo menos com sete dias de antecedência e que a data pretendida esteja liberada no calendário. Ainda em resposta ao propositor da moção de protesto, Marcelo Fachinello disse que o dia 24 de junho, Dia da Araucária, chegou a estar livre, e o vereador poderia ter solicitado a iluminação cênica.
“Embora não tenha proximidade com o tema que ilumina o Palácio agora (a pauta LGBTQIA+) eu milito no esporte, na educação, na desburocratização, esses são os temas do meu mandato aqui dentro. Ainda assim eu consigo conceber que é uma pauta que existe politicamente, que é encampada por alguns vereadores desta Casa, que têm legitimidade para isto e que foram eleitos pela população através do voto direto. Inclusive esta mesma iluminação acontece na Assembleia Legislativa do Paraná, no Congresso Nacional e em outros tantos Parlamentos espalhados pelo Brasil. Não é uma exclusividade da Câmara de Curitiba”, complementou Fachinello.
Autora do pedido de iluminação que foi mote do protesto de Eder Borges, Maria Leticia criticou o discurso “engodo e moralista” do autor do requerimento, “em busca por likes” e que “responde pelo crescimento da violência. “Haja vista que vivemos situações extremamente violentas quando somos reconhecidos como homossexuais e isto é extremamente delicado. Há de se combater a homofobia e quando vejo um discurso deste aqui na Câmara, para mim, com clareza, este discurso é homofóbico”, alertou a vereadora.
A parlamentar ainda completou: “Tenho insistido, por diversas vezes, que os nossos debates tenham fundamentos técnicos, científicos. E reforço minha fala. É preciso que, quando ocorra alguma manifestação, ela seja fundamentada na legalidade. E nós sabemos que a iluminação da Casa não tem nada a ver com [a pauta] ideológica. Estamos iluminando a Casa porque aprovamos aqui a iluminação, e foi por unanimidade, senão me engano, na época”. “Votar a favor do requerimento do vereador é cometer uma ilegalidade”, enfatizou Maria Leticia.
Também militante do movimento LGBTQIA+, Giorgia Prates rebateu Eder Borges, dizendo que é o seu posicionamento que pode ser considerado “panfletarismo ideológico com o dinheiro público”. “Cada um de nós, vereadores e vereadoras, somos pagos pela população. O dinheiro também é público e cada vez que a gente vem até aqui para fazer discursos de ódio, falando sobre questões aleatórias e que não trazem nada do bem comum, a gente está fazendo isto, o ‘panfletarismo ideológico com o dinheiro público’. É um gasto de dinheiro público, com certeza. Porque não é para isto que estamos aqui, né?”, indagou.
A vereadora também reclamou dos discursos do vereador em torno da pauta. Segundo ela, desde que assumiu o mandato na CMC, há mais de um ano, Borges tem tratado do tema com frequência, e já teria dito em plenário que “ser lésbica é fetiche”. “Eu sou lésbica. [...] E o que é ser fetiche? De forma bem estabelecida e precisa, o significado da palavra fetiche é obsessão, aquilo a que se dedica a um interesse obsessivo ou irracional. E é disto que estamos falando. Há uma obsessão de vir aqui o tempo todo levantar este debate, para ficar levantando discurso de ódio.”
“Nenhum gay, nenhuma lésbica, ou qualquer pessoa da comunidade LGBTQIA+ está pedindo aprovação ou aval para sentir orgulho de ser quem se é. Porém temos hoje uma sociedade adoecida por discursos que já foram feitos várias vezes nesta Casa, por parte deste mesmo vereador. Discursos de ódio que se levantam e que fazem com que corpos estejam sendo estendidos nas ruas de Curitiba. E é muito impressionante ver como uma pessoa morta na cidade incomoda menos a este vereador do que as luzes que estão sendo postas para justamente falar sobre o respeito que se deve ter na sociedade”, completou Giorgia Prates.
Integrante da Mesa Diretora, e da Comissão Executiva, ao lado de Marcelo Fachinello, Osias Moraes (PRTB) se manifestou contrário à moção de Eder Borges, “apesar de não concordar com o ativismo da comunidade LGBTQIA+, principalmente em relação às crianças”. “Sou um homem de respeito. E eu respeito a opção de cada um, de cada pessoa e isto é importante na sociedade. Esta Casa é uma casa plural. Vossas excelências são representantes de um movimento, de um grupo de pessoas, e devidamente aprovadas por elas. Em razão disso, vossas excelências defendem e trazem esta pauta para esta Casa, que é o lugar do debate. Do debate do LGBTQIA+, do cristão, do católico, do espírita, do ateu. É o lugar onde nós temos que fazer o debate e respeitar a opinião de cada um”, opinou o primeiro-secretário do Legislativo.
Iluminação do Palácio acontece desde 2019
Construído entre 1891 e 1895 – obra confiada ao engenheiro Ernesto Guaita –, o Palácio Rio Branco abriga a CMC desde 1963. O prédio, inicialmente chamado de Palácio do Congresso, antes sediava a Assembleia Legislativa. Pelo valor histórico e cultural, foi tombado pelo patrimônio estadual em 1978 (saiba mais). Desde 2019, a iluminação externa do Palácio Rio Branco pode ser alterada para simbolizar o apoio a datas comemorativas, campanhas de conscientização e outros temas de interesse público.
O pedido para alterar a cor da fachada do prédio histórico precisa ser feito por um vereador, diretamente à Diretoria de Comunicação Social, setor a quem compete organizar o calendário anual da iluminação cênica. A solicitação deve ser feita por meio do sistema de chamados. Já as entidades da sociedade civil precisam apresentar a causa aos gabinetes parlamentares, que podem abraçá-la e encaminhar a proposta à Diretoria de Comunicação. Se incluída no calendário anual, cada ilumnação é agendada por no máximo uma semana.
O que são as moções protocoladas na Câmara de Curitiba?
O Regimento Interno da CMC prevê esse instrumento para que os parlamentares possam formalizar decisões colegiadas, tomadas pela maioria dos seus membros, a respeito de fatos públicos que julguem relevantes. Levadas à discussão na segunda parte da Ordem do Dia, as moções são enquadradas regimentalmente como requerimentos, bastando a maioria simples, em votação simbólica, para serem declaradas aprovadas pela Câmara de Vereadores. As que são aprovadas podem ser convertidas em ofícios, que são encaminhados pelo Legislativo às pessoas ou instituições citadas, ou apenas publicizadas pela CMC, como apoio a uma causa de interesse público.
No ano passado, os vereadores aprovaram 28 moções, sendo 6 de protesto e 22 de apoio ou desagravo.
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