Regulamentação de bebidas nas vias públicas foi a tônica em audiência na CMC
Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública realizou audiência pública sobre o impacto do consumo de bebidas alcoólicas em vias e praças. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Nesta quinta-feira (17), a Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública, da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), realizou uma audiência pública para debater o impacto do consumo de bebidas alcoólicas nas ruas e praças públicas da cidade. À frente da atividade, o vereador Jornalista Márcio Barros (PSD), presidente da comissão, reuniu moradores, segurança pública, produtores de bebidas alcoólicas e empresários de bares e restaurantes para discutir as ocorrências por perturbação de sossego em Curitiba (401.00001.2022).
“Não temos um projeto sobre o assunto tramitando na Câmara”, alertou Márcio Barros, já no início da audiência, “logo a atividade é importante para conhecermos o ponto de vista de cada segmento”. Durante o debate, com sugestões variando da proibição do consumo de bebidas alcoólicas à simples realização de campanhas educativas para prevenir a perturbação de sossego, a tônica foi a necessidade de uma regulamentação das atividades de rua, com ênfase em limites que permitam a coexistência de moradores, lazer e empresas.
Perturbação do sossego
Primeiras a falarem, Regina do Rocio Sikorski e Valéria Bassetti Prochmann apresentaram vídeos de som alto e aglomeração nas ruas do anel central. Respectivamente, elas presidem os conselhos comunitários de segurança (Consegs) do Mercês-Vista Alegre e do Centro Cívico. “É uma situação muito grave, que tem motivado várias solicitações de socorro [dos moradores]”, afirmou Regina Sikorski. “A mola propulsora do desassossego é o consumo da bebida alcoólica”, completou Valéria Prochmann, defendendo que “o descanso é uma necessidade básica do ser humano”.
Concordando com elas, o capitão Ronaldo Goulart, da Polícia Militar, que é o coordenador da Aifu (Ação Integrada de Fiscalização Urbana), afirmou que “a perturbação do sossego é o maior problema que temos na segurança pública da capital” e que “é fácil pregar a liberdade para que façam o que quiserem quando não se mora [no lugar com perturbação de sossego]”. Ele defendeu a criação de novas leis, por considerar que as atuais não têm “aplicabilidade adequada”.
Responsável pelo policiamento na área central de Curitiba, a capitã Carolina Pauleto Ferraz Zancan, do 12º batalhão, da 1ª Companhia da Polícia Militar, disse que “é preciso haver o respeito e a segurança para haver liberdade”. “A ideia não é proibir, mas regulamentar. Não é possível garantir o pleno exercício de todas as liberdades sem regras para delimitar a harmonia da convivência e as garantias”, continuou. Ela trouxe para a audiência cinco propostas de medidas para serem estudadas futuramente pelos parlamentares.
Foram sugeridas pela capitã Carolina Zancan a limitação do horário de consumo de bebida alcoólica, a regularização do uso pelos bares das áreas externas (calçadas e vias) desde que condicionadas à autorização da Prefeitura de Curitiba, a regulação das distribuidoras de bebidas (que não podem se confundir com bares), a realização de um convênio entre Município e Estado para efetivar as ações de fiscalização pelos órgãos de segurança e a possibilidade da proibição da modalidade de venda de bebidas “no balcão” (venda take away).
“Restringir o consumo de bebidas alcoólicas em vias públicas parece ser uma decisão acertada”, declarou o delegado Renato Bastos Figueiroa, representando o Núcleo Estadual de Políticas sobre Drogas. Ele disse que a perturbação do sossego não se restringe à algazarra e ao som alto e que haveria “diversas formas de fazer [a restrição do consumo de álcool]”. Rafaela Marchiorato Lupion, administradora da Regional Matriz, reconheceu haver situações na Itupava, na Prudente de Moraes e no Centro Cívico - “é algo que a gente ouve muito”, assegurou. Também o inspetor João Batista, chefe regional da Guarda Municipal em Santa Felicidade, relatou casos na sua área de atuação.
Evitar “decisões radicais”
Quatro proprietários de bares da cidade foram ouvidos durante a audiência pública. Alyssa Aquino, do Yada, sugeriu a organização de conselhos locais entre moradores e comerciantes, para estabelecer soluções adaptadas à realidade de cada área. Ela também sugeriu ações para garantir que os horários de funcionamento estipulados no alvará sejam respeitados, mas ponderando que os estabelecimentos poderiam até encerrar antes se fossem realizados “mais eventos culturais diurnos”.
Para Gustavo de Paiva Jácomo, do Janela Bar, seria prejudicial aos empreendimentos abertos “uma medida que estabeleça só o atendimento na parte interna”. “Isso acarreta em aumento de mobiliário, de funcionários e de preço. Isso pode acabar segregando e impedindo pessoas de terem acesso à diversão, que hoje é possível devido ao modelo de negócio”, afirmou. Ele também defendeu um “caminho do meio”, com a regulamentação do consumo das bebidas alcoólicas na rua.
A empresária Daphne Kondo, do Nada Yada, argumentou no mesmo sentido, ressaltando que é preciso equilibrar as expectativas com a realidade dos grandes centros urbanos. Como exemplo, ela citou que, em decorrência do trabalho, vai dormir tarde, já de madrugada, e por morar próxima a uma via rápida, às 7h30 já tem o descanso atrapalhado pelo tráfego e empreendimentos imobiliários. “Dentro de um limite, a poluição sonora e visual são coisas que a gente tem que aprender a conviver”, disse.
Leonardo Tristão, do Pappa’s, citando sua formação em Economia, argumentou haver menos ocorrências policiais em bairros de uso misto que nos estritamente residenciais. “O poder público tem que estar atento [à perturbação do sossego]. O mais importante é o diálogo, para se ter uma convivência positiva”, disse, sugerindo que as regiões da cidade com vocação para o uso misto “abracem a naturalidade da utilização do espaço público”, com as suas “externalidades positivas”.
Regulamentação das calçadas
Representantes estaduais da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) e da Abrabar (Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas), Nelson Goulart Junior e Fábio Aguayo, respectivamente, pediram que a Câmara de Curitiba regulamente o uso das áreas externas pelos estabelecimentos. “A Abrasel está de acordo com a regulamentação do espaço externo e que distribuidoras não são bares”, disse Goulart, concordando com a necessidade de pôr regras adicionais ao funcionamento das distribuidoras de bebidas na cidade. Ele criticou o uso de decretos municipais para tratar do assunto, defendendo que ocorra por lei municipal, e ter o foco na organização do espaço público, não em proibições.
“Criamos os polos gastronômicos, mas nunca regulamentamos os polos”, alertou Fábio Aguayo, referindo-se à inclusão, no Plano Diretor de Curitiba, da possibilidade do poder público incentivar o desenvolvimento de uma região, com incentivos especiais. “Não é em toda a cidade que precisa de regulação, são locais específicos”, continuou. Diversas entidades do setor produtor de bebidas alcoólicas participaram da audiência pública, sendo elas as mais reativas à ideia de proibir o consumo em vias públicas.
Cristiane Foja, da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), defendeu que “o setor não é contrário a nenhuma norma para a boa convivência”. “Mas temos exemplos claros que não é necessário tolher a liberdade de consumo para se chegar nesse objetivo. Temos que regular a conduta das pessoas e não criminalizar um produto, que tem um elemento cultural e social”, argumentou. Ela lembrou que, em 1996, a Abrape criou o slogan “se beber, não dirija”, para demonstrar o alcance de campanhas de conscientização.
Representando o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, Luiz Guaraná argumentou, citando dados do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), que, em Curitiba, 58% da população é abstêmia e que 85% consomem álcool de maneira responsável, “acima da média do país”. “Proibições impactam o crescimento do mercado ilegal [de bebidas alcoólicas], que hoje é 30% do market sharte no Brasil. Restringir o acesso ao mercado legal incentivará o aumento do mercado ilegal”, acrescentou Carlos Lima, diretor-executivo do Ibrac (Instituto Brasileiro da Cachaça).
Para Anuar Abdul Tarabal, da Associação das Microcervejarias do Paraná (Procerva), “não podemos ferir a liberdade do cidadão”. Ele defendeu que a regulamentação trate da venda de produtos por ambulantes e seja dura com bebidas não oficiais. “Todos nossos produtos são comercializados por CNPJs ativos”, acrescentou Luiz Roberto dos Santos, do Sindibebidas, que representa as plantas industriais instaladas no Paraná. “Cada um que se responsabilize por seus atos”, disse, sobre a questão da perturbação do sossego. Ele afirmou ser “contra as restrições pretendidas até que se chegue a uma solução que atenda a todos os interesses”.
No início da audiência, Carol Dartora (PT), Alexandre Leprevost (Solidariedade), Sargento Tânia Guerreiro (PSL), Herivelto Oliveira (Cidadania), Indiara Barbosa (Novo), Maria Leticia (PV), Amália Tortato (Novo), Leonidas Dias (Solidariedade) e Marcelo Fachinello (PSC) opinaram sobre o assunto. A íntegra das falas está disponível na internet, no canal da CMC no YouTube (confira aqui).
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