Radares e multas dominam o debate entre Câmara e Setran
Para a superintendente de Trânsito, Rosângela Battistella, existe uma “indústria das infrações”. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
“Nós temos a indústria da infração e mesmo assim ela é muito pequena”, defendeu, na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), a superintendente de Trânsito da capital, a engenheira Rosângela Battistella. Para ela, as acusações de indústria da multa são fake news. A convite do presidente da Casa, Tico Kuzma (Pros), e do líder do prefeito, Pier Petruzziello (PP), Battistella, o secretário municipal da Defesa Social e Trânsito, coronel Péricles de Matos, e técnicos da pasta foram recebidos na sessão plenária desta terça-feira (14).
De acordo com a convidada, foram emitidos 396.164 autos de infração de janeiro a maio deste ano, sendo a maior parte deles, 237.174, por meio de dispositivos de fiscalização eletrônica. Quanto à soma dos autos emitidos ano a ano, entre 2014 e 2020, a representante do Executivo indicou que 2016 registrou o maior valor, equivalente a R$ 960.354. O menor, em 2020, foi de R$ 624.645.
Segundo ela, os valores arrecadados com multas aumentaram em função da lei federal 13.281/2016, que reajustou as infrações em cerca de 55%. A infração leve, por exemplo, que correspondia a R$ 53,20, depois de 2016 passou para R$ 88,38.
Na apresentação, Battistella também falou da diferença entre os radares, considerado um controlador de velocidade, e as lombadas eletrônicas, daí, sim, para reduzir a velocidade em determinado trecho. “Nós nem temos obrigatoriedade pelo Contran de fazer o estudo técnico para os radares. E sim para os redutores de velocidade [que são as lombadas eletrônicas], mas nós fazemos para todos".
“O curitibano respeita. 99,94% [da população] respeita a sinalização de trânsito”, avaliou. Conforme o fluxo de veículos que passaram pelos radares, em maio passado, a média de autuações foi de 0,06%. O cálculo é possível, conforme a superintendente de Trânsito, porque os dispositivos têm leitores automáticos de placas, independentemente de os veículos estarem em excesso de velocidade.
Contrapontos em plenário
“Eu continuo afirmando, a prefeitura quer aumentar a arrecadação com base na distração dos motoristas”, disse Flávia Francischini (União), que já sugeriu a criação da CPI dos Radares. Sobre um dos pontos questionados pela vereadora, de que em determinado ponto da Linha Verde, sob a avenida Comendador Franco, teriam sido aplicadas 13 mil multas, Battistella argumentou que a velocidade na marginal sempre foi de 40 km/h, até para evitar que os motoristas desviem do tráfego e mantenham a velocidade mais alta, sendo que ali há residências e empresas, além de um hospital. “Aqueles 13 mil que receberam infração, eu diria que eram 13 mil irresponsáveis que passaram numa via de 40 km/h”, avaliou.
“Em 2006, se tivesse um radar instalado, com certeza eu não teria perdido meu braço e nem parado num hospital durante três dias”, declarou Petruzziello. Entre outros pontos, o líder pediu à superintendente que falasse mais sobre “essa fake news de indústria da multa” e se existe “alguma arapuca” para autuar o cidadão. “Se [o objetivo] fosse arrecadador, a gente não sinalizava”, respondeu Battistella. “A questão da indústria da multa, se há uma arapuca, todos os nossos radares estão devidamente sinalizados, além do que prevê o Contran".
O vereador Professor Euler (MDB) questionou algumas estatísticas apresentadas. Para ele, não seria adequado comparar outros anos com 2020 e 2021, que devido à pandemia da covid-19 tiveram menos veículos em circulação. “E foi mostrado que nos primeiros cinco meses de 2022 nós tivemos quase 400 mil autos de infração. Se essa média for mantida até o fim do ano, vamos chegar a cerca de 950 mil multas, o que ultrapassa, e muito, o número de multas de outros anos. É como se a cada 3 carros de Curitiba, 2 acabassem multados."
O parlamentar também discordou do cálculo de que mais de 99% dos condutores não foram multados, argumentando que deveria ter sido considerada a frota de Curitiba. “Sobre existir ou não uma indústria da multa”, Euler atribuiu a criação do termo à postagem feita por Rafael Greca em rede social, em 2013, quando Gustavo Fruet era o prefeito de Curitiba.
“Não importa a frota, o que comprova é a passagem de veículos pelos radares. [...] Eu mantenho essa estatística, acho que ela está correta”, reforçou Battistella. Na apresentação aos vereadores, ela confirmou que Curitiba é a capital com o maior índice de motorização no país. A média é de 1,3 habitante por veículo.
No entanto, se considerada a população acima de 80 anos, em que poucos ainda dirigem, e aquela com menos de 18 anos, ainda sem habilitação, a proporção chega a um veículo para cada morador da cidade. “Curitibano gosta de carro”, brincou. Coordenador da Unidade de Monitoramento por Dispositivos Eletrônicos da Setran, Herick Dal Gobbo completou que “a frota se dissipa, os veículos saem da cidade, entram na cidade, veículos de outras cidades entram em Curitiba”.
Denian Couto (Pode) também reafirmou a existência da indústria da multa em Curitiba. “R$ 1 milhão em um único ano, jamais será algo natural”, opinou. Para ele, “há uma desconexão da vida real com o que está sendo falado hoje nesta Câmara Municipal”. “Quantos são os radares, não os pontos de fiscalização? Quantos serão instalados? Quanto cada radar multa, quanto cada radar fatura e qual a gravidade dessas multas?”, completou.
“Eu continuo afirmando que a indústria não é da multa. A indústria é da infração”, manteve a superintendente. “Basta respeitar a sinalização e a pessoa não é autuada”, afirmou. “Concordo com a superintendente quando diz que para não levar multa basta seguir a sinalização, mas a gente observa que em algumas vias da cidade há mais de um limite”, observou Amália Tortato (Novo). Para o cidadão comum, avaliou, essa mudança “talvez não faça sentido”.
“Quais os critérios usados pela Setran para definir qual a velocidade de cada trecho?”, pontuou Marcelo Fachinello (PSC). O embasamento, defendeu Battistella, está no Código de Trânsito, em resoluções do Contran e em estudos sobre o trânsito da cidade.
No Centro Histórico de Lisboa, Portugal, citou ela, a velocidade máxima é de 10 km/h. O tema também repercutiu na fala de Carol Dartora (PT), que perguntou sobre a expansão do modelo do quadrilátero central para as regionais – e, conforme a chefe da Setran, a ampliação está sendo estudada.
Educação no trânsito
Herivelto Oiveira (Cidadania) concordou com as ações para a redução de mortes no trânsito, mas defendeu que haja uma campanha massiva, por quatro ou cinco meses, de esclarecimento ao cidadão, antes de implantadas alterações no sistema. “Isso até poderia ser pedido como emenda aos vereadores”, propôs. Na análise de Indiara Barbosa (Novo), a comunicação é, sim, importante para “não haver tantos ruídos e reclamações”.
A lei municipal 14.672/2015, lembrou Noemia Rocha (MDB), regulamenta a publicidade nos ônibus. Citando campanha educativa sobre o uso do cinto de segurança, Sidnei Toaldo (Patriota) perguntou sobre as atividades desenvolvidas nas escolas. Já para Carol Dartora, os guardas municipais poderiam orientar os cidadãos: “Por que a gente não os vê na rua, conversando com a população?”. Dalton Borba (PDT), por sua vez, perguntou sobre a segurança no trânsito nas imediações de escolas.
“A gente gostaria de ter mais recurso para poder aplicar nessas campanhas”, admitiu a representante do Executivo. A Setran, apontou, realiza mais de 900 ações educativas por ano: “É pouco? Talvez seja, mas com a equipe que temos é o possível”. “Nesta gestão, cada radar implantado nós publicávamos inclusive nas redes sociais. E isso virava um absurdo, inclusive com falta de respeito, eu diria, não só com o prefeito, como com toda a equipe da Setran”, continuou.
Sobre as campanhas em escolas, empresas e outros locais, ela frisou que as atividades cabem à Escola Pública de Trânsito. “Nós não temos condições de atender a todas as escolas, então nós fazemos a capacitação, justamente por meio da Escola de Trânsito". À vereadora, que sugeriu a implantação de sonorizadores próximos aos radares, Battistella disse que a medida é vedada pelo Código de Trânsito. “Nem a placa educativa hoje é necessária, pela resolução”, continuou. Quanto às cancelas nos cruzamentos com a linha férrea, a engenheira falou do problema com furtos e vandalismo. “Mas a gente entende que não cabe apenas à administração pública, que a Rumo tem seu papel".
O Programa Vida no Trânsito, afirmou a engenheira, diminuiu os óbitos por acidentes de trânsito em Curitiba em 50%. Na próxima década, afirmou, a ideia é reduzir em mais 50%. “Não daqueles 310 lá de 2011. Mas dos 170 que tivemos em 2020”, estimou. As mortes por atropelamentos e de motociclistas, defendeu ela, caíram em função da redução da velocidade máxima em vias estratégias, a exemplo da Área Calma Central.
"Nós somos técnicos e trouxemos informações técnicas”, comentou o titular da SMDT. "O escopo final”, de acordo com o coronel Péricles de Matos, “é o beneficio do povo”, reduzindo as mortes e as lesões graves. “Quando se fala em número, número não tem endereço, não tem RG, uma esposa que fica chorando em casa porque perdeu o marido no trânsito”, ponderou.
Outros temas
Outros compromissos assumidos por Curitiba, complementou Battistella, são com a Agenda 2030, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS); o C40, para reduzir as emissões de carbono (o raciocínio é que com a velocidade menor, cai a poluição); e de adotar o conceito sueco de morte zero no trânsito. Na apresentação aos vereadores, ela ainda indicou, entre outros pontos, quais são os 24 cruzamentos de Curitiba com mais atropelamentos e a destinação dos recursos arrecadados em multas de trânsito.
Para Noemia Rocha e Salles do Fazendinha (DC), os convidados explicaram que os recursos das multas de trânsito só podem ser aportados para sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Em resposta a Nori Seto (PP), que falou da qualidade da imagem anexada aos autos, ela disse que pode ser feita uma solicitação do arquivo com melhor resolução.
Na avaliação de Ezequias Barros (PMB), que perguntou sobre a situação do Caiuá e conversões, entre outros pontos, é importante olhar para o pedestre, mas também para o motorista, que paga impostos. Para Mauro Bobato (Pode), "o caminho não é tirar todos os radares”, que trazem mais segurança à população. Os parlamentares ainda questionaram cruzamentos, radares e outras questões referentes a pontos específicos da cidade. No debate com os convidados, também repercutiram, entre outros temas, as atribuições da Guarda Municipal de Curitiba, as tecnologias adotadas pela pasta e a fiscalização do ruído de motocicletas (confira).
As sessões plenárias começam às 9 horas e têm transmissão ao vivo pelos canais da Câmara de Curitiba no YouTube, no Facebook e no Twitter.
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