PME: Manifestantes lotam galerias da Câmara e dividem opiniões

por Assessoria Comunicação publicado 22/06/2015 15h30, última modificação 01/10/2021 08h49

Manifestantes e entidades favoráveis e contrários à aprovação do Plano Municipal de Educação (PME) da maneira como foi encaminhado à Câmara de Curitiba, com estratégias voltadas à educação em diversidade, lotaram as galerias do Palácio Rio Branco, nesta segunda-feira (22). De um lado, alertas à homofobia, ao machismo, ao racismo e outras formas de violência. Do outro, a defesa da preservação da família tradicional e dos valores cristãos.  

O presidente da Casa, Ailton Araújo (PSC), explicou que o Corpo de Bombeiros limita o número de pessoas que podem entrar no Palácio Rio Branco – edificação do século 19, tombada pelo governo do Estado. “Não queremos restringir, mas o espaço nos limita. A questão da segurança está em primeiro lugar”, disse o parlamentar, que conversou com representantes de diversas entidades. “Todos têm direito à livre manifestação, independentemente da opinião. A sociedade é sempre bem-vinda, dentro das normas regimentais de não atrapalhar a sessão”, completou. Quem ficou do lado de fora pôde acompanhar os debates por meio de uma caixa de som instalada pelo Legislativo.

Coordenadora do Ministério de Fé e Política da Renovação Carismática Católica, Gislaine Maria Palhano disse que “em países como a Holanda e a Suécia, que têm o gênero na educação, a consequência foi o aumento dos estupros e dos suicídios, pela confusão na identidade”. “O gênero não foi aprovado no Plano Nacional de Educação, no Congresso”, completou.

O professor Gabriel Conte, diretor do Sismmac (Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba), definiu como um “retrocesso” as emendas apresentadas por vereadores, que suprimem do PME o debate sobre gênero, diversidade e orientação sexual, dentre outros itens. “É um ataque mudar aquilo que foi aprovado na Conferência Municipal de Educação. Falta à Secretaria Municipal assumir que violência de gênero existe e por isso devem haver políticas públicas para combatê-la. A leitura que passa [com as modificações propostas] é que a mulher e o homossexual podem apanhar”, sustentou.

Representante da população LGBT e professor da rede estadual, Leonardo da Cruz também faz parte da Federação das Comunidades Quilombolas e do Fórum da Juventude Negra do Paraná. “Nós somos invisibilizados nas escolas, no poder público e no mercado de trabalho. Somos evidenciados apenas quando apanhamos, se morremos nas ruas vítimas do preconceito. A educação tem que representar as minorias”, avaliou.

Coordenadora do movimento de conscientização política “Eu sou Brasil”, da Primeira Igreja Batista (PIB), Deusa Avelar opinou contra a presença da ideologia de gênero no Plano Municipal de Educação de Curitiba, mas ponderou que deve haver instrumentos de combate à discriminação. “Espero que seja aprovado um modelo que trabalhe a conscientização, mas que não imponha um padrão social e moral que a sociedade discorda”, defendeu.

A ideologia, para Deusa, “estabelece um novo padrão, em que as crianças serão erotizadas e aprenderão conceitos de sexualidade que os pais discordam”. “As escolas não cumprem seu papel, temos uma das piores educação do mundo, e querem introduzir no conteúdo um tema que é de competência da família. As escolas estão sendo aparelhas para trabalhar a sexualidade”, concluiu.

O padre Silvio Rodrigues Roberto, da Paróquia São Jorge, reafirmou o posicionamento contrário à discriminação, “mas sem a ideologização de ninguém”. “Cabe aos pais educar seus filhos. Não aceitamos que um grupo ideológico queira manipular as crianças”, argumentou. Pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Alexandre Rangel Ferreira, defendeu a mobilização das lideranças cristãs.

“Quem deve legislar para a família é a própria família. Deus criou homem e mulher, e não gênero”, apontou o pastor. Sua esposa, Ana Cláudia Amorim Ferreira, complementou: “Como mãe, sou contra a ideologia de gênero. Quero que minha filha seja considerada menina e meu filho, menino. Eles nasceram assim e não têm o que escolher. Imagine a situação nos banheiros das escolas, em que um homem poderia se dizer homossexual e ser um pedófilo. Como me sentiria tranquila?”.

Um dos organizadores da Marcha para Jesus, o bispo Cirino Ferro, da Sara Nossa Terra, também representou o Conselho de Ministros Evangélicos do Estado do Paraná e a Confederação do Conselho de Pastores Brasileiros (Concepab). “Estamos defendendo nossos princípios, de que a família é responsável por educar seus filhos. O Estado não tem essa função e a ideologia de gênero não consta no Plano Nacional de Educação. Uma lei municipal não pode se sobrepor à lei maior”, disse.

O pastor Miguel Piper, da Comunidade Cristã de Curitiba e da organização da Marcha para Jesus, criticou a “imposição de uma ideologia maligna”. “Sou pai de quatro filhos e avô de dois netos. Nossos princípios são eternos. Cristãos, judeus e muçulmanos, ninguém aceita a ideologia de gênero. Somos maioria e valores externos sem validade estão sendo impostos. O Estado não pode tirar da família o direito dado por Deus”, declarou.

Secretária de Gênero, Relações Étnico-Raciais e Direitos LGBT da APP Sindicato, a professora estadual Elizamara Goulart criticou a postura de padres e pastores: “Estamos vivendo uma esquizofrenia, com muita confusão e mentira. Eles têm feito a população acreditar que ensinamos sexo para as crianças, e isso não é verdade”.  “Não é com a retirada de termos do PME que o racismo, a homofobia e o machismo vão deixar de existir. A lei, na verdade, nos dá material para podermos combater essas violências. Traz políticas públicas para os educadores lidarem com a diversidade”, justificou.

Para Rosani Moreira, representante da Marcha Mundial das Mulheres, “Curitiba é uma cidade de contradições”. Segundo a militante, a capital “é onde as transexuais mais ganham, mas mais morrem nas ruas, vítimas de violência”. Ela alertou ao papel transformador da escola: “Se o machismo, o preconceito, o racismo e a homofobia são valores construídos historicamente, podemos desconstruí-los. Rebaixar a mulher e o homossexual e escravizar o negro serve ao interesse de alguém. Dados apontam que a evasão escolar é muito grande entre aqueles que são diferentes da maior parte da sociedade”.

“Temos que estar preparados para a diversidade, porque o conflito vai acontecer. O gênero é um conceito científico que foi demonizado, que representa as relações entre os homens e as mulheres. Falta conhecimento”, completou Rosani. “O debate contra a diversidade é de uma cultura patriarcal. A cada duas horas uma mulher é morta no país e 30% delas já sofreu violência. São altos os índices de assassinatos de jovens negros. Quanto às trans, a média de vida é de 33 anos”, exemplificou a estudante de Serviço Social Célia Regina Piontkievicz, militante na União Brasileira de Mulheres (UBM). “Tem sim que haver o trabalho de gênero e pela diversidade.”

Bacharel em Física, a transexual Fabiana Brantes comparou a educação em diversidade à “educação para o respeito”. “Essa discussão em sala de aula é indispensável para que as pessoas se entendam e se aceitem. O preconceito está internalizado”, avalia. A professora estadual Tereza Lemos, da APP Sindicato, conclui: “É assustador como o debate tem sido colocado. Presenciamos nas escolas muita discriminação de gênero e homofobia. Nossos alunos são vítimas de diversas violências e não é possível ignorar o problema”.

Conselho Municipal de Educação
Em manifesto entregue aos vereadores, o Conselho Municipal de Educação pediu a aprovação do texto original do PME e alertou ao prazo máximo para a sanção, nesta quarta (24). O documento foi elaborado na última sexta (19), durante reunião extraordinária.

“Pedimos a sensibilização e mobilização desta Casa Legislativa e de toda população curitibana”, diz o manifesto. O texto afirma que o projeto foi construído coletivamente, “com a participação dos diversos segmentos da sociedade”. “No tocante à diversidade, tema questionado pela Câmara Municipal de Curitiba, destacamos que as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições.”

“Que seja expurgada a intolerância demonstrada nas emendas”, pediu o Conselho. “Que se fale em violência doméstica. Ela existe e as escolas são testemunhas oculares dessa violência. A discriminação deve ser combatida em toda sua amplitude, conforme diretriz do Plano Nacional de Educação”, completa o documento.

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