Plenário mantém parecer contrário da CCJ à lacração de cadáveres
Em votação simbólica nessa segunda-feira (6), o plenário da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) rejeitou recurso de Maria Leticia Fagundes (PV) ao arquivamento do projeto de lei que propunha a lacração de cadáveres, em invólucro ou manta impermeáveis. Segundo a autora, a ideia era evitar a contaminação do lençol freático pelo necrochorume (005.00002.2019). No entanto, o parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) apontou vício de iniciativa, por considerar as alterações no serviço funerário municipal uma atribuição do Poder Executivo. A relatoria foi de Julieta Reis (DEM), presidente do colegiado.
O vício de iniciativa, pela suposta interferência em atribuição do Poder Executivo, também foi apontado na instrução da Procuradoria Jurídica (Projuris). Outro argumento, indicado nos dois documentos, é que a medida aumentaria o custo dos sepultamentos. A proposição pretendia alterar duas leis municipais: a 10.592/2002 (que regulamenta o serviço funerário em Curitiba) e a 13.205/2009 (que trata de medidas preventivas à contaminação de lençol freático).
Maria Leticia defendeu a preocupação com o meio ambiente e questionou as justificativas apresentadas para o arquivamento (069.00003.2019). Ela questionou, por exemplo, por que o vício de iniciativa não foi apontado durante a tramitação do projeto de sua iniciativa que originou a lei municipal 15.161/2018. A norma regulamentou a tanatopraxia, por meio de alteração na legislação do serviço funerário municipal. “Na época não parecia inconstitucional. [A proposta] mudou mesma lei. Uso o mesmo critério de mudança e agora não é adequado”, declarou.
“De todas as funerárias com as quais conversamos, a grande maioria entende. Os custos das mantas são muito, muito menores que os custos da impermeabilização [interna dos caixões, determinada pela lei 13.205/2009. A medida seria substituída pela lacração do cadáver]”, afirmou Maria Leticia. “Acho que faltou um pouco de leitura de meu projeto. Os custos seriam cobrados da pessoa, com exceção dos funerais subsidiados pelo poder público, como de pessoas carentes ou de doares de órgãos.” Médica legista, ela ainda justificou que a medida facilitaria eventuais exumações.
“Se temos preocupação com o meio ambiente, por que não aprovar [o desarquivamento] e deixar que se tramite um projeto que não tem nada de ilegal, nada de irregular, a não ser próprio parecer dele”, disse Maria Leticia. “Primeiramente, há que se verificar aqui a nulidade do parecer. […] A senhora [Julieta Reis] deu o parecer no período em que se encontrava afastada por motivo de doença”, continuou. “Bons projetos, independentemente de antipatia, devem trazer benefícios à cidade.”
Contra-argumentos
Líder do prefeito na Casa e integrante da CCJ, Pier Petruzziello (PTB) encaminhou pela manutenção do parecer contrário. Ele fez um desagravo às relatora e a servidores da CMC citados por Maria Leticia em parecer emitido na Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização. “Ela não estava de licença [médica]. E sim justificou a ausência por motivos quaisquer”, disse, sobre o requerimento que justificou as ausências de Julieta Reis às sessões compreendidas entre 2 e 24 de abril (056.00020.2019). “Não há nenhum tipo ilícito, porque não é licença. Ou agora preciso estar dentro do gabinete para assinar parecer? Ninguém assinou um parecer no carro? Esses dias um assessor meu levou um parecer na prefeitura, porque tinha prazo”, completou.
Segundo Julieta, o parecer foi contrário “considerando que o serviço funerário é público” e possui “caráter essencial”. “É a Secretaria Municipal do Meio Ambiente [SMMA] que cuida do serviço funerário”, acrescentou. Portanto, para ela, a proposta fere a competência do Executivo, conforme a independência dos poderes. “O dia 2 de abril foi o dia em que eu fui para o hospital. Mas eu estava consciente, assim como nos outros 20 dias em que estive lá [no Marcelino Champagnat, com uma infecção viral]”, continuou.
“Sou vereadora, estava consciente. Mandei para cá [no requerimento] a justificativa de faltas às sessões plenárias. Apenas isso”, reforçou a relatora do projeto arquivado e presidente da CCJ. “Entrei no hospital andando, de pé, apenas com uma infecção que me causou uma certa febre.”
Justificativas
Nas justificativas de voto, Professora Josete (PT), Professor Euler (PSD), Tico Kuzma (Pros) e Rogério Campos (PSC) defenderam o posicionamento contrário ao arquivamento. De acordo com a primeira vereadora, sua decisão pautou-se na legalidade e em proposições semelhantes com aval da CCJ. “Não foi o entendimento que era pertinência só do Executivo. Tramitaram, acabaram sendo aprovadas e se transformaram em leis.”
Sobre o questionamento à assinatura do parecer, Josete alegou que “não sei, não olhei a data. Não conferi”. No entanto, ponderou que “atestado significa que a pessoa está afastada do trabalho nesse período, até onde sei. Não pode ter nenhum ato relativo ao trabalho”.
Segundo Euler, o apoio ao desarquivamento não significava, necessariamente, a defesa do mérito. “Sou favorável a uma maior discussão a respeito do tema”, apontou. A justificativa, destacou, é que o serviço funerário recebe “as mais diversas reclamações”. Já para Petruzziello, acatar “propostas ilegais” faria da CMC um local de “discussão ao léu”, e não mais uma Casa de Leis. O líder sugeriu a Maria Leticia apresentar uma indicação à Prefeitura de Curitiba, que então seria submetida ao plenário.
“Votei favorável [ao recurso], mas teríamos que avaliar algumas questões, como o custo”, indicou Kuzma, também favorável à ampliação debate. Ele propôs à Comissão de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Assuntos Metropolitanos da CMC fiscalizar se a impermeabilização dos caixões, determinada pela lei municipal 13.205/2009, está sendo cumprida.
“Outra preocupação que temos quanto às funerárias é se elas estão realmente cumprindo a lei em relação à emissão das notas fiscais. Quando ela teve o direito de prestar o serviço, foi estipulada uma taxa de retorno sobre aquilo que é emitido em nota”, sinalizou Kuzma, em relação a denúncia apresentada a seu gabinete. “Sobre a outra situação [da assinatura do parecer], vou dizer que não digo nada. Não estou a par”, apontou Rogério Campos (PSC). Ele disse ser favorável ao desarquivamento pela relevância do tema: “Para que a gente discutisse. Se ia ser aprovado, não sei. Meio ambiente é o que conduz nossa vida”.
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