Pesquisadores e Cohab divergem sobre número de moradias irregulares em Curitiba
Com a pandemia, as audiências da CMC são híbridas, presencial e por videoconferência. (Foto: Carlos Costa/CMC)
Para o diretor técnico da Companhia de Habitação Popular (Cohab) de Curitiba, Mauro César Kugler, existem hoje na capital do Paraná 410 áreas de ocupação irregular. “São 50 mil famílias, que estão ou estarão em atendimento pela Cohab”, afirmou. Antes, na audiência pública realizada pela Comissão de Urbanismo, Obras Públicas e Tecnologias da Informação da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), pesquisadora da UFPR mencionou que o número seria mais que o dobro, com 984 assentamentos informais na cidade. A atividade foi transmitida ao vivo pelas redes sociais do Legislativo (confira aqui).
Quem apresentou a maior estimativa foi Madianita Nunes da Silva, docente da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, e do Laboratório de Habitação e Urbanismo. “A profunda desigualdade se materializa principalmente pela impossibilidade da população mais pobre acessar o direito de viver numa moradia digna, que significa ser bem localizada, em lugares com acesso a serviços públicos, adequada às necessidades e acessível em termos monetários”, defendeu. Hoje, sob a coordenação do presidente da Comissão de Urbanismo, Mauro Bobato (Pode), a CMC discutiu o orçamento da Habitação dentro do Plano Plurianual 2022/2025, em discussão no Legislativo.
Mauro Bobato agradeceu ao mandato da Professora Josete (PT) por provocar a realização da audiência pública, que reuniu estudiosos do tema, ativistas do direito à moradia, órgãos do poder público e sindicatos dos trabalhadores da Cohab. Participaram da audiência os vereadores Osias Moraes (Republicanos), Carol Dartora (PT), Herivelto Oliveira (Cidadania), Jornalista Márcio Barros (PSD), Toninho da Farmácia (DEM) e Sidnei Toaldo (Patriota).
Transparência orçamentária
Coordenadora do Instituto Democracia Popular, integrante da campanha UOH (É Urgente Orçamento para Habitação) e doutoranda em Políticas Públicas na UFPR, Mariana Auler criticou a estagnação dos investimentos na área. “Nos últimos dez anos, a participação da habitação no orçamento de Curitiba não chega a 0,5% do total. A média é 0,45%”, destacou a pesquisadora. Mariana Auler disse que há muito mais recursos para ações de Urbanismo, o que acusaria “uma tradição de investimento de recursos em áreas já estruturadas e não naquelas marcadas pela precariedade da moradia. Há uma marginalização da questão da moradia”.
O chefe do Departamento de Orçamento da Secretaria Municipal de Planejamento, Finanças e Orçamento, Carlos Kukolj, confirou que a função Habitação, de fato, tem um orçamento de R$ 32 milhões para o ano de 2022, mas discordou da leitura “seca” desse número. “Só a folha de pagamento da Cohab daria mais R$ 32 milhões. Então os 0,45% é basicamente só investimento, sem contar o custeio e pessoal”, exemplificou. Carlos Kukolj acrescentou ainda que há ações em Urbanismo e Assistência Social que são de moradia, como os R$ 90 milhões a serem aplicados no Bairro Novo do Caximba.
“Às vezes a gente olha o dado bruto e não consegue perceber toda a alocação dos recursos”, rebateu o chefe do Departamento de Orçamento. Na sua fala, Mariana Auler tinha criticado a falta de transparência das metas do Plano Plurianual, que na opinião da pesquisadora dificultam o controle social das políticas públicas de habitação de interesse social, criando barreiras, inclusive, para que a população possa sugerir emendas ao documento que norteará as finanças públicas no próximo ciclo de quatro anos. “Não podemos dar credibilidade ao PPA”, disse.
Companhia de Habitação
Concordando com falas dos vereadores, que algo poderia mudar para dar mais capacidade executiva para a Cohab, o diretor técnico da companhia fez um breve histórico da empresa pública. Mauro Kugler destacou que a Cohab foi criada há 56 anos e que, nesse período, produziu cerca de 120 mil unidades habitacionais em Curitiba. “Começamos a ter problemas quando o Banco Nacional de Habitação foi extinto [em 1986], pois ele concedia recursos de forma direta, sem os quais as companhias de habitação foram perdendo o poder financeiro que tinham”.
“As Cohabs tinham uma remuneração, que vinha de serem agentes financeiros e agente executor. Os programas que vieram na sequência tem só a visão financeira da ação, [dificultando o processo] exigindo das famílias terem que ter nome limpo, sem dívidas e com um FGTS expressivo. Isso trouxe dificuldades. Existe muita informalidade hoje no mercado, o que dificulta financiamento, seguro imobiliário. É assim no Brasil inteiro”, assinalou. Kugler também citou o impacto do Código Florestal, as dificuldades causadas pelos ‘reinvasores’ (que participaram de duas ou mais invasões) e o encarecimento da infraestrutura. De positivo, as mudanças recentes que aumentaram “em dez vezes” os recursos do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social.
À frente do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (Senge), Leandro Grassmann relatou as dificuldades financeiras da Cohab, com quem a entidade busca concluir a negociação coletiva da categoria. “Eu posso afirmar que há problemas estruturais graves na companhia, que podem inviabilizar o atendimento da população. Estamos no terceiro mês com atraso nos salários. Estamos sem acordo coletivo desde maio e não conseguimos avançar na negociação, pois a Cohab não tem dinheiro”, afirmou, lembrando que algo semelhante aconteceu em 2018.
Situação de rua
Foi bastante citada na audiência pública a questão da população em situação de rua, que na atividade foi debatida pelo coordenador dos Direitos da População em Situação de Rua do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Carlos Ricardo. “A população em situação de rua é caracterizada pela pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de uma moradia convencional regular. Apesar dos avanços obtidos desde 2009, o modelo atual de política pública não tem a porta de saída da situação de rua, por ser etapista, por colocar a moradia como última etapa de um processo”, defendeu.
Para Carlos Ricardo, seria hora de inverter essa lógica e colocar a moradia como primeira etapa para a superação da condição de rua, assim como já fazem EUA, Canadá, Chile e Uruguai. “No Brasil, Curitiba é modelo, graças ao projeto do Inrua (Instituto Nacional dos Direitos da População em Situação de Rua)”, informou, sugerindo aos vereadores da Comissão de Urbanismo que procurem conhecer a iniciativa. Mauro Bobato, ao final da audiência pública, sugeriu que a comissão retome os tópicos levantados durante a discussão em novas atividades.
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