Pedido por Casa de Acolhimento LGBTI+ sobressai em audiência
Nesta sexta-feira (21), quando a Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública abriu para a participação do público na audiência sobre as políticas para a população LGBTI+, o pedido pela criação de uma casa de acolhimento específica para o atendimento dessa população de destacou. Presentes, representantes da Prefeitura de Curitiba manifestaram o interesse de firmar parceria com os movimentos sociais para viabilizar o espaço.
Foi a segunda audiência pública sobre o assunto, nesta semana, na Câmara Municipal de Curitiba (CMC). Na quarta-feira (19), a ênfase foi ouvir a sociedade civil e reunir sugestões de ações afirmativas para Curitiba (confira aqui). Hoje, na atividade coordenada pelos vereadores Jornalista Márcio Barros (PSD) e Carol Dartora (PT), presidente e vide da Comissão de Direitos Humanos, buscou-se a articulação entre os movimentos sociais e os órgãos públicos da cidade.
“Essa é a maior audiência que já tivemos na CMC [sobre a população LGBTI+]”, destacou Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+. “Nunca tivemos tantos vereadores numa audiência e isso é importante, pois mostra que a nossa causa é pluripartidária”, destacou, citando nominalmente, além de Márcio Barros e Carol Dartora, a participação de Maria Leticia (PV), Alexandre Leprevost (SD), Toninho da Farmácia (DEM) e Herivelto Oliveira (Cidadania).
Defesa da vida
Uma das preocupações da Comissão de Direitos Humanos, relatou Márcio Barros, é a onda de crimes contra homens gays na cidade, motivo pelo qual o delegado Cláudio Marques Rolin e Silva, da Divisão de Homicídios de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, foi convidado. É parte da DHPP o Núcleo de Proteção à Vulneráveis, que centraliza investigações sobre crimes de ódio de autoria ignorada ou incerta. “Três pessoas perderam a vida e isto é muito sério”, afirmou o vereador.
“Tudo que é possível fazer, a polícia judiciária está fazendo”, assegurou o delegado, dizendo não poder dar detalhes da investigação sobre as mortes de três homens – dois deles em Curitiba. O suspeito é José Tiago Correia Soroka, tido pela Polícia Civil como tendo perfil de psicopata e de serial killer. Marques afirmou que esse caso, assim como o assassinato do professor Lindolfo Kosmaski e da travesti Luanda Cruz, estão sob análise da DHPP. Ele defendeu o aperfeiçoamento dos relatórios sobre crimes de ódio.
Pelo Ministério Público do Paraná, falaram os promotores Ana Vanessa Fernandes Bezerra e Rafael Osvaldo Machado Moura. Ana Bezerra é promotora criminal na recém-criada Promotoria de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos e disse que, no início, tinha receio que a Justiça Estadual não recepcionasse seu trabalho. “Já oferecemos denúncias de crimes de ódio, com receio que não houvesse recebimento, e elas estão sendo processadas. A gente percebe um avanço [no Judiciário]”, pontuou, para acrescentar que é preciso avançar para uma delegacia especializada. “A população [LGBTI+] estaria mais à vontade para denunciar”.
“Tanto orientação sexual, quanto identidade e expressão de gênero são conceitos jurídicos, são categorias protegidas pela Constituição e pelos tratados internacionais de direitos humanos, portanto não é uma ideia ideológica, que pertença a um partido político, que tenta discriminar o restante da sociedade, que tenta segregar a sociedade. É uma ideia jurídica que nasce a partir do princípio da igualdade e da não discriminação. Todo mundo tem que ser tratado com respeito e isso significa levar em consideração as situações do mundo real”, completou Rafael Moura.
“Uma pessoa LGBTI+ é agredida no Brasil a cada duas horas e a cada 19 horas uma é assassinada. A expectativa de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos. O Brasil é um dos países mais preconceituosos do mundo e as pessoas trans são as que mais sofrem violência. Só vamos conseguir mudar esse cenário pela educação”, defendeu Lucas Siqueira, do Grupo Dignidade. Para ele, a cidadania LGBTI+ depende de um órgão próprio no Executivo, controlado por um Conselho Municipal de Direitos Humanos e inspirado por um Plano Municipal, definido pelo conjunto da sociedade.
Conselho Municipal
“Não quero morrer antes que seja implantada a estratégia 25.2 do Plano Municipal de Educação, que prevê a criação de um fórum municipal de direitos humanos, nos termos da lei 14.681/2015”, declarou Toni Reis. “Não queremos privilégio, só que respeitem as decisões do Supremo Tribunal Federal. Podemos casar, adotar e doar sangue. Eu não conheço um gay curitibano que queira destruir família, uma lésbica que queira sexualizar criancinha e se tiver a gente denuncia para o delegado Marques. Sou um defensor intransigente da família, de todos os tipos de família que existem”, concluiu.
“Com um Conselho Municipal de Direitos Humanos conseguiríamos viabilizar as políticas públicas de que precisamos”, concordou Rafaelly Wiest, da Aliança, numa linha de pensamento próxima da de Lucas Siqueira, para quem “é impossível fazer política pública sem dados”. “Quando pagamos impostos ninguém pergunta nossa sexualidade, então por que não podemos ter os mesmos direitos?”, questionou. Sobre a questão, o assessor da Prefeitura de Curitiba para Políticas da Diversidade Sexual, Fernando Roberto Ruthes, afirmou “estar tratando internamente para fazer a viabilização”.
Casa de Acolhimento
O diagnóstico da falta de uma casa de acolhimento LGBTI+, na voz dos participantes, aglutina duas demandas. A primeira é o número de jovens expulsos de casa por pais que não compreendem a orientação sexual e expressão de gênero dos filhos. “A pandemia escancarou isso”, relatou Diego Xavier. “Uma pessoa rejeitada pelos pais perde o rumo”, somou Edson Maciel. “Amor independe de gênero”, defendeu o educador social David Antunes. Ana Lídia defendeu uma casa para pessoas trans, “mais vulneráveis na comunidade LGBTI+ e com pautas que são próprias”.
Falando pela Fundação de Ação Social (FAS), Claudia Estorilio disse que o caminho para viabilizar esse equipamento em Curitiba seria uma parceria da prefeitura com as entidades desse segmento social. “Entendemos que os hotéis sociais, contratados pela FAS, não são o adequado, que precisa de um atendimento mais direcionado”, reconheceu, pontuando que apenas 10 mulheres trans estão abrigadas pela prefeitura no momento, divididas em duas unidades, e que isso “é muito pouco”.
Na sua fala, a gestora da FAS, que acompanhou na audiência pública o presidente da fundação, Fabiano Vilaruel, disse que a articulação com a sociedade está a cargo de Ruthes e que o sucesso depende da viabilização de recursos e do envolvimento das entidades. A fala motivou uma reação indignada de Karollyne Nascimento, do Transgrupo Marcela Prado. “A gente já fez muitas propostas [à prefeitura]. O apoio da sociedade civil nunca foi negado. Faz três anos que eu participo de reuniões com a prefeitura, com a Defensoria Pública, com o Ministério Público. Enquanto isso, as mulheres trans estão amontadas [nos hotéis sociais] no meio de 40 homens”, reagiu.
Políticas públicas
No início da audiência, o presidente da FAS colocou o órgão à disposição das entidades, para “que Curitiba possa se tornar referência no antedimento da população LGBTI”. Fabiano Vilaruel destacou o esforço do órgão para “qualificar os servidores” no atendimento desse segmento social. A mesma colocação foi feita por Ana Raggio, da Divisão de Políticas LGBT da Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos. “Já temos o OK da prefeitura para a rede atenção à população LGBT”, confirmou.
Ana Raggio demonstrou preocupação com outro aspecto das políticas públicas, que é a da empregabilidade, e elogiou a ação da FAS, cuja diretora de Qualificação para o Trabalho, Melissa Cristina Alves Ferreira, anunciou a mudança de formulários para identificar a população LGBTI+ nas políticas do órgão. “Antes o atendimento não tinha como qualificar, mas estamos adequando os sistemas [do Primeiro Emprego, Aprendiz e Liceu]”, confirmou a gestora. Melissa Ferreira queixou-se do sistema federal, contudo, não tomar o mesmo cuidado.
Mostrando-se animado com o primeiro edital para ações afirmativas da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Edson Bueno defendeu que a pasta tem um papel a cumprir na visibilidade das questões LGBTI+. “Não pode parar na visibilidade. Mas precisamos dar visibilidade, para a sociedade enxergar”, afirmou. Falando pela Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-PR, Ananda Puchta, apenas pediu que as ações na área sejam “pensadas coletiva e pluralmente, com um olhar intersecional”. “Uma travesti preta periférica desempregada tem uma vivência diferente da de uma lésbica empregada que mora no Batel”, alertou.
A íntegra da audiência pública poder ser conferida aqui, no canal da CMC no YouTube.
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