Participação popular na política II: a luta pela Emancipação do Paraná

por Fernanda Foggiato | Revisão: Ricardo Marques — publicado 03/10/2024 10h55, última modificação 03/10/2024 12h11
Segunda parte da série especial sobre os três marcos políticos de Curitiba fala da luta separatista dos “paulistas do sul”.
Participação popular na política II: a luta pela Emancipação do Paraná

Com brigas e mortes em eleições, medo de rebelião pressiona a criação da Província Paraná, conquistada em 1853. (Arte: Diogo Fukushima/CMC)

“Todas as câmaras municipais esperam ansiosas o momento em que o corpo legislativo [da Câmara dos Deputados] se reúna. Uma só ideia, um pensamento único, liga todos os curitibanos. E essa ideia, esse pensamento, é o meio legal de separar a comarca, elevando-a à categoria de província.”

Na segunda parte da série especial sobre participação popular e marcos políticos, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) conta a história da luta popular pela emancipação do sul da Província de São Paulo, iniciada em 1811. O desabafo acima foi publicado, no dia 21 de outubro de 1842, pelo jornal “Sentinella da Monarchia”, do Rio de Janeiro. Assinado pelo curitibano J. F. Correa Filho, o artigo defendia a elevação da 5ª Comarca - ou Comarca de Curitiba, hoje o Estado do Paraná - à categoria de província

Em 1842, quando o artigo do cidadão curitibano foi divulgado na imprensa da Corte do Império, a antiga vila Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais carregava o nome de Curitiba e era a cabeça da 5ª Comarca de São Paulo. Em março de 1842, também já havia conquistado a “promoção” para o status de cidade, título de que detinha mais prestígio do que o de vila.

No entanto, a pretensão dos “coritibanos” ou “paulistas do sul”, na primeira metade do século 19, não era ser elevada ao título simbólico - que representava o terceiro degrau da graduação entre aldeia, vila e cidade. O movimento separatista do sul da província de São Paulo, que tutelava a região desde a época das capitanias hereditárias, já se desenrolava há três décadas, desde a época do Brasil Colônia. 

A primeira ideia da separação do que hoje é o território do Paraná surgiu na Câmara de Paranaguá, a 6 de julho de 1811, com um pedido ao então príncipe regente, D. João VI”, explica a estudante Lorena Elaine Porto, pesquisadora do convênio entre a Câmara de Curitiba e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), no artigo "Participação popular na criação da Província do Paraná.

O primeiro pedido de emancipação foi apresentado durante uma visita da Família Real à comarca. Além de o pleito popular não ser atendido, Paranaguá perde para Curitiba, em 1812, o status de cabeça da 5ª Comarca de São Paulo

Em 1821, Paranaguá encabeça uma nova tentativa de separação. Conhecido como Conjura Separatista, o movimento teve início no dia 15 de julho daquele ano, durante o ato de juramento da Câmara Municipal à Constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Seu principal líder foi o Capitão Floriano Bento Viana, que hoje dá nome, em Curitiba, a uma rua do bairro Água Verde.

“Temos concluído com o nosso juramento de fidelidade. Agora queremos que se nomeie um governo necessário, que nos governe em separado da Província", bradou Bento Viana durante o ato público. "Ainda não é tempo”, respondeu o juiz de fora responsável por conduzir o juramento, Antônio de Azevedo Melo e Carvalho. O capitão até retrucou, mas os demais apoiadores da Conjura Separatista calaram-se.

Na Câmara de Curitiba, o juramento às “bases da Constituição Decretadas pelas Cortes de Lisboa” e de “obediência ao ilustre Alto e Poderoso Senhor Dom João Sexto, nosso Rei constitucional do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e a Sua Alteza Real o Príncipe Hereditário” foi prestado no dia 9 de setembro de 1821, em sessão extraordinária. Conforme as atas históricas da CMC, as autoridades locais também juraram obediência “ao Excelentíssimo Governo Provisório desta Província, reconhecendo-o para em tudo obedecer suas determinações”

A Conjura Separatista de Paranaguá não vingou porque o levante foi rapidamente abafado e exigia-se que seus líderes fossem castigados. Entretanto, nada lhes aconteceu. E este projeto foi deixado de lado por muitos anos”, comenta Lorena. Bento Viana morreu em 1850, em Paranaguá, antes de concretizada a Emancipação do Paraná.

“Houve novo pedido de separação da comarca, agora no ano de 1835, mas nada, também, foi feito”, continua a pesquisadora-bolsista da Câmara de Curitiba. Mesmo com os pedidos frustrados, a ideia de conquistar a separação político-administrativa da comarca prosseguiu.

Promessa de emancipação abafa rebelião na Comarca de Curitiba

As tentativas frustradas de emancipação não desanimaram os moradores da comarca, e o movimento separatista do Sul da Província de São Paulo ganharia força nas próximas décadas. São realizados, ao longo da década de 1840 e no começo da década de 1850, diversos abaixo-assinados da população. Em resposta à reivindicação popular, as câmaras municipais se manifestam por meio de representações aos deputados e senadores do Império. Tais petições mobilizaram não só as câmaras das maiores vilas da comarca, Curitiba e Paranaguá, mas também as de Antonina, Castro, Morretes e Lapa (ainda chamada de Vila do Príncipe).

A pauta separatista também ganhava as páginas de jornais do Rio de Janeiro, onde ficava a Corte, com a publicação de correspondências, artigos e folhetos. Por aqui, a imprensa local só surgiu em 1º de abril de 1854, com a criação do jornal “O Dezenove de Dezembro”. O nome da publicação fazia menção à data da Emancipação do Paraná, no ano anterior.

Não há um só curitibano que não deseje ardentemente a separação de S. Paulo”, escreve “O Brasil”, em 30 de abril de 1842. “Colocada a 120 léguas da capital da Província, a comarca tem se visto abandonada aos seus próprios recursos, à direção de seus habitantes. O governo provincial, fraco e prestando toda a atenção às localidades representadas pelas grandes influências paulistanas, tem considerado esta comarca como uma enjeitada”, enumerou o jornal editado, também, no Rio de Janeiro.

“O resto da Província de S. Paulo não sofre com esta reparação, não tem que se escandalizar de que os curitibanos a queiram. [...] as províncias do Brasil não são mais capitanias pertencentes a senhores donatários que possam opor-se à desmembração delas, que possam dizer que não querem vender à Coroa”, escreveu o “Sentinella da Monarchia”, na edição de 8 de junho de 1842, em defesa da pretensão dos curitibanos.

É justamente neste período que a situação da 5ª Comarca de Curitiba chama a atenção do Império. O temor dos conservadores era que a Revolta Liberal -  movimento que havia eclodido em Sorocaba, no dia 17 de maio de 1842 - ganhasse força entre a já descontente população da Comarca de Curitiba. Além disso, a Guerra dos Farrapos se desenrolava, desde 1835, no Rio Grande do Sul.

“O Império desejava manter a Comarca de Curitiba longe desses conflitos”, explica Lorena. “Entretanto, o levante de Sorocaba chega à região sul [da província de São Paulo], provocando um levante também aqui, [...] reuniões noturnas na Câmara já estavam se desenrolando para uma possível separação à revelia”, acrescenta a estudante da PUCPR.

Em junho de 1842, um deputado provincial de São Paulo, João da Silva Machado, futuramente o barão de Antonina e primeiro senador do Paraná, é enviado à 5ª Comarca de Curitiba com a missão de conter o avanço dos rebeldes liberais entre os moradores do local.

A notícia da rebelião em Sorocaba derramou aqui a confusão, [...] em consequência fizeram-se reuniões noturnas, uns queriam a separação, nomeando um presidente, outros um governo provisório de três membros, outros finalmente não sei o quê”, cita uma carta enviada por Machado ao barão de Monte Alegre, presidente da Província de São Paulo, em 23 de junho de 1842.

“Até a Câmara se reuniu para dar posse aos empregados policiais. Foi quando felizmente chegaram aquelas cartas que V. Ex. [barão de Monte Alegre] mandou pela marinha com tanta prontidão. [...] e como além da recomendação da ordem, lhes assegurava a separação da comarca, elevando-se à província, ficaram satisfeitos e desamotinaram-se”, continua a carta. “Enfim, salvou-se a comarca, que esteve por um fio de insurgir-se, porém agora parece-me que está segura. Tenho empenhado a minha palavra de que Curitiba há de ser elevada à Província e portanto V. Ex. não me deixe ficar em falta”, pede Machado.

Atendendo ao acordo firmado entre Machado e as elites liberais de Curitiba, o Barão de Monte Alegre escreve, no dia 30 de julho de 1842, ao ministro do Império, Cândido José de Araújo Viana. O ofício pedia a elevação da 5ª Comarca de São Paulo à categoria de Província.

Monte Alegre justificou o apelo devido ao “perigo que há de por mais tempo continuar a desatender a essas representações; nos perpétuos receios que tem o governo a cada pequena comoção que aparece no Império de que a comarca se agite e acompanhe o movimento [...]; nas proporções, enfim, que este estado de coisas oferece a todo revolucionário ou demagogo para envolver em seus planos de desorganização um país muitíssimo interessante em todos os tempos, [...] muito mais pela proximidade em que fica da província do Rio Grande do Sul”.

As justificativas enumeradas para a separação também reuniam a distância da cabeça da comarca, Curitiba, da capital da Província de São Paulo; as estradas e a educação precárias; a extensão do território; o crescimento da população, cujas estimativas variavam de 50 mil a 70 mil habitantes; e a arrecadação de receitas, geradas principalmente pelo tropeirismo e a indústria da erva-mate.

Além das questões de política interna, havia tensão nas relações internacionais com o Paraguai e a Argentina, países vizinhos à 5ª Comarca de São Paulo. As disputas se davam pela definição dos limites territoriais e a navegação nos rios da Prata e Paraná. O argumento era que a emancipação, com a autonomia política e administrativa da comarca, poderia favorecer a ocupação do interior, à época formado pela vila de Guarapuava e a freguesia de Palmas.

As atas da Câmara de Curitiba revelam, na sessão de 12 de novembro de 1842, o recebimento de uma portaria do governo provincial “a que é preciso dar pronto expediente”. Os vereadores deveriam prestar, "o quanto antes", os esclarecimentos solicitados pelo ministro do Império, em 30 de setembro de 1842, “relativamente à ereção desta Comarca à categoria de Província”. Questionava-se, por exemplo, o número de moradores da comarca e suas profissões, “com distinção de sexo e de livres, e escravos”, assim como as rendas arrecadadas no município.

Separação da Comarca de Curitiba chega à Câmara dos Deputados

Na sessão de 12 de abril de 1843, a Câmara dos Deputados, então chamada de Assembleia Geral Legislativa, deliberou pelo envio de requerimento ao Império em busca de “todos os documentos e esclarecimentos que porventura possam dar acerca da pretensão dos povos da Comarca de Curitiba, Província de São Paulo”. 

A resposta do Ministério do Império, informando ter os documentos requeridos pelos deputados, foi apresentada na sessão de 27 de abril. Dois dias depois, foi lido o projeto de lei 64/1843, com o objetivo de emancipar a 5ª Comarca, criando a Província de Curitiba (o nome Paraná ainda não era usado). A proposta partiu de um deputado paulista, Carlos Carneiro de Campos, o Visconde de Caravelas.

Campos discursa, na Câmara dos Deputados, e cita as “desordens” na Província do Rio Grande do Sul, com a iminente ameaça de uma guerra civil. Para ele, era necessário “fixar ali, além de força militar, uma autoridade civil”. “A sua proximidade, pois, à Província do Rio Grande exige que a ação do governo seja ali mais sentida, para que se possa repelir muito eficazmente essas tentativas.”

“As ideias da rebelião muitas vezes se têm tentado introduzir naquela paragem, procurando-se, ainda que felizmente sem fruto, desvairar os espíritos dos seus habitantes”, declara o autor do primeiro projeto pró-emancipação. Como justificativas para a separação, ele também cita a distância “de tantas léguas” entre a 5ª Comarca e a administração da Província de São Paulo, a existência de mais de 60 mil habitantes na região e as rendas geradas pela agricultura, a indústria e o comércio

Passado um mês, a criação da Província de Curitiba entra em discussão na Câmara dos Deputados. Com diversas tentativas para adiar a votação, o debate foi travado ao longo de 15 sessões. Campos ganha o apoio, por exemplo, do deputado Joaquim José Pacheco, autor do requerimento feito em 12 de abril de 1843, e de outros deputados.

a oposição foi encabeçada por deputados paulistas, em especial José Manoel da Fonseca. Argumentava-se que a separação traria prejuízos às finanças da Província de São Paulo. Surgem, no debate, críticas ao acordo firmado em 1842, para conter o apoio dos liberais da comarca à Revolta de Sorocaba.

Na sessão de 3 de junho, a Câmara dos Deputados encerrou a primeira discussão do projeto. Os debates em segundo turno começaram em 14 de junho. A oposição fez diversos pedidos de adiamento, até que propôs, em 19 de junho, emenda com a ideia de compensar São Paulo por meio da anexação de Sapucaí, território que pertencia à Província de Minas Gerais.

Com a manobra, a matéria só retorna à pauta 40 dias depois, na sessão de 9 de agosto, agora sob críticas dos deputados mineiros. Em 17 de agosto de 1843, por 35 votos a 30, é aprovado o artigo 1º do projeto, separando a Comarca de Curitiba, enquanto a emenda para desmembrar parte de Minas Gerais é rejeitada.

Em 21 de agosto, a Câmara dos Deputados também aprovou o artigo 3º. No entanto, a votação do artigo 2º, que fixava a capital da nova província em Curitiba e delimitava o número de deputados provinciais, deputados do Império e senadores, é adiada. A justificativa foi um pedido de mais informações ao governo imperial sobre a população da comarca. O requerimento não é respondido e a discussão é engavetada por quase dez anos.

Abaixos-assinados suplicam a criação da Província de Curitiba

A 5ª Comarca tenta, nos anos seguintes, retomar a mobilização. “Neste período, foram feitos diversos abaixo-assinados da população de Curitiba, Antonina, Palmas, Morretes e Guarapuava, com o objetivo de demonstrar o desejo da população em separar-se de São Paulo. A população ansiava por independência e acusava os paulistas de impedi-los de se desenvolverem”, explica Lorena, pesquisadora do convênio entre a CMC e a PUCPR.

A Comissão de Estatística da Câmara dos Deputados recebe, em 24 de julho de 1848, três representações “dos povos de Curitiba”. As petições haviam sido encaminhadas pelas Câmaras de Curitiba, da Vila do Príncipe (Lapa) e de Antonina.

Não é esta a vez primeira que, no seio da Representação Nacional, nós temos dirigido pedindo insistentemente a elevação desta Comarca à categoria de Província, medida esta já por vezes discutida e habilmente sustentada nesse Augusto recinto”, dizia o documento encaminhado pela Câmara Municipal de Curitiba, denominado “Representação dos Povos Curitibanos”.

A ideia separatista também volta a repercutir na imprensa. A coluna “Chronica da Camara dos Deputados”, do jornal “Correio da Tarde”, do Rio de Janeiro, registrou, na edição de 19 de julho de 1848, o recebimento de “representações das Câmaras da Comarca de Curitiba da Província de S. Paulo, suplicando ao Corpo Legislativo que haja de levar a efeito a elevação da dita Comarca a uma nova Província, segundo reclama a necessidade daqueles povos e o interesse do Império”.

Com base nas representações, no fim de julho daquele ano, a Comissão de Estatística emite parecer pela inclusão na pauta da Câmara dos Deputados. Parada há cinco anos, a discussão novamente é adiada, a pedido de um deputado de Pernambuco. 

As atas da Câmara de Curitiba revelam ter sido discutida, na sessão de 9 de janeiro de 1850, a remessa de uma nova manifestação à Câmara dos Deputados. A representação, “pedindo a elevação desta Comarca à categoria de Província”, foi “plenamente aprovada”. 

Atenção para Coritiba [uma das grafias usadas antigamente para se referir a Curitiba]”, cobrava uma carta publicada, alguns meses depois, pelo jornal “Diário do Rio de Janeiro”. “Qual será a razão que nenhuma voz tem se levantado nas câmaras legislativas a favor deste projeto, adiado há sete anos? Será por que os senhores paulistas se opõem a isso por causa de uma dezena de contos que vêm daquela comarca?", questionava a correspondência assinada por “um coritibano”.

Ainda em 1850, as Câmaras de Paranaguá e de Castro encaminham aos deputados novas representações, com abaixos-assinados de seus habitantes. O documento apresentado pela Câmara de Castro traz, inclusive, um alerta à estabilidade na região, caso não se efetivasse a separação da comarca.

"Lugares cheios de tanta riqueza, e em tal estado de abandono, parecem chocar o princípio de direito público, oferecendo resultados repugnantes com as ideias sociais dos nossos tempos. [...] parece que na época atual, em que a segregação das massas não pode deixar de concorrer para a manutenção da associação política deste Império e oferecer mais estabilidade, não será desatendida a súplica de uma população inteira”, diz a representação de Castro, de 4 de junho de 1850.

As atas da Câmara dos Deputados do dia 19 de julho de 1851 também mostram o despacho, à Comissão de Estatística, de novo abaixo-assinado “dos habitantes da comarca de Curitiba, reiterando suas súplicas [...] a fim de ser elevada à categoria de província”. 

Pauta separatista de Curitiba desembarca no Senado

As únicas províncias criadas no Império foram as do Amazonas e do Paraná. Para a criação da província do Amazonas foi desmembrada da província do Pará a antiga capitania de São José do Rio Negro, em 1850. Para a criação da província do Amazonas não foi difícil a tarefa, em face da oposição quase nula na Câmara e no Senado”, relata a pesquisadora Lorena Elaine Porto. 

A discussão sobre a separação da 5ª Comarca segue parada na Câmara dos Deputados, mas ganha fôlego no Senado e entra na ordem do dia, em 24 de julho de 1850, após a aprovação, em primeiro turno, da Província do Amazonas. “Faça-se extensivo à Comarca de Curitiba o que se estabelecer para o Alto Amazonas, sendo capital da província a cidade de Curitiba”, pediu o senador Cândido Baptista de Oliveira, do Ceará, propondo uma emenda ao projeto em pauta.

Os argumentos favoráveis e contrários à proposta são semelhantes àqueles travados pelos deputados, em 1843. Na sessão de 5 de agosto de 1850, surge, pela primeira vez, o nome de Província do Paraná

A votação do projeto do Amazonas foi concluída pelo Senado, em 28 de agosto de 1850, em terceira discussão, com a aprovação da emenda para a criação da Província do Paraná. No entanto, requerimento fez com que a discussão sobre a Província do Paraná retornasse à Câmara dos Deputados, enquanto a parte da lei referente ao Amazonas recebeu a sanção imperial.

O ofício do Senado é lido na Câmara dos Deputados na sessão de 30 de agosto de 1850: “A imprimir para entrar na ordem dos trabalhos". A retomada das discussões, apesar disso, demoraria mais três anos.

Eleições na Comarca de Curitiba registram brigas e mortes

Em 1853, as relações com o Paraguai e a Argentina estavam ainda mais tensionadas. Os Estados Unidos haviam assinado, com os dois países vizinhos à Comarca de Curitiba, tratados de livre navegação mercante em seus rios. Diante da pressão norte-americana, o Brasil temia a ocupação estrangeira de seus territórios.

Os ideais liberais também cresciam na Comarca de Curitiba, desagradando o Império. Eleições realizadas em 1849, na Câmara dos Deputados, registram a ocorrência de distúrbios. “Na Curitiba [cidade] não houve eleição, porque as Vendas quiseram ganhá-la à valentona, enchendo a igreja de gente armada, para amedrontar e insultar todos os que não votavam com eles. As autoridades policiais, em virtude de reclamações de muitos cidadãos, quiseram prender alguns dos homens armados de pistolas e facas, mas estes resistiram e acharam apoio, o que resultou que a igreja e as ruas próximas se converteram em campo de combate”, noticiou, em 30 de agosto de 1849, o jornal “O Brasil”.

As atas da Câmara de Curitiba mostram, inclusive, a convocação de uma sessão extraordinária, em 8 de agosto de 1849, para “levar ao conhecimento do Governo [Provincial] as ocorrências do dia 5 do corrente [mês] por ocasião da eleição de eleitores por esta paróquia [o sistema eleitoral do período era o censitário, do qual participavam os chamados ‘eleitores de paróquia’ - saiba mais]".

Durante eleições em 1850, o delegado de polícia da Comarca de Curitiba foi acusado de prender quatro líderes do Partido Liberal. Apesar dos problemas registrados em outros anos, o fato mais grave aconteceu em 1852. Em 7 de novembro daquele ano, a eleição na Vila de São José dos Pinhais terminou com sete mortes, após conflito armado entre liberais e conservadores.

Quando havia eu de pensar que, na Província de São Paulo, o sangue dos paulistas ensopasse as praças públicas por causa de eleições? Entretanto, isso realizou-se, com grande mágoa minha e de todos que não vivem de especulação política”, noticiou, em 3 de dezembro de 1852, o jornal “O Grito Nacional”, do Rio de Janeiro. A notícia continua com o relato que a oposição, em São José, “nunca foi vencida, era invencível, apesar de todos os esforços governistas”.

Os ânimos teriam começado a se acirrar um dia antes das eleições, quando o delegado Joaquim Mota “prendeu oito indivíduos da oposição, e os fez seguir, a pé, para [a cidade de] Curitiba”. “No dia 7, quando o primeiro juiz de paz e seus três suplentes dirigiram-se para a igreja, estando já a praça apinhada de votantes, achou a porta do templo tomada pela força de linha, com o subdelegado à frente, que formalmente proibiu o ingresso a todos.”

“Travou-se disputa, como era natural, e, agitando-se os espíritos, o primeiro juiz de paz, talvez querendo ir fazer protestos e representações, disse ao povo que se aquietasse, mas que ficasse certo de que havia entrar na igreja e fazer a eleição; e quando ele e seus colegas estavam voltados com as costas para a igreja, falando ao povo, receberam uma descarga de fuzilaria do destacamento de linha, ordenada pelo subdelegado, de que resultou caírem mortos o primeiro juiz de paz, Manoel Alves Pereira, chefe da oposição, ferido com dois tiros; e o quarto, Custodio Teixeira da Cruz, e [ficaram] feridos gravemente os outros dois juízes de paz, e muitos outros indivíduos, de todos os sexos e idades”, continua a matéria de “O Grito Nacional”.

O tumulto e a desordem que se seguiram foi extraordinário; o povo, assaltado de improviso, perturbou-se; mas logo começou a reagir, correndo pelas casas e fazendo arma de tudo quanto achavam; uma irmã do primeiro juiz de paz precipitou-se no tumulto e foi abraçar-se com o cadáver do desventurado irmão; mas uma bala atravessou-lhe o corpo e conta-se que já falecera”, diz o jornal.

A notícia “daquela carnificina” chega, então, à cidade de Curitiba. “Ia tudo pegar fogo”, continua “O Grito Nacional”, até que as autoridades apelaram ao juiz Antonio Francisco de Azevedo, “que é ali muito respeitado”, para que acalmasse os ânimos. Dirigindo-se à igreja da Vila de São José dos Pinhais, ele consegue desmobilizar “a força armada, 200 homens”, evitando um conflito “ainda mais horroroso e sanguinolento”.

Em 1853, Emancipação do Paraná retorna à Câmara dos Deputados

“Entra em segunda discussão a proposição nº 206 de 1850, vinda do Senado, que eleva à categoria de província a comarca de Curitiba, com a denominação de Província do Paraná.” Finalmente, na sessão de 10 de agosto de 1853, a Câmara dos Deputados retomou os debates sobre a matéria. O deputado mineiro Antônio Cândido da Cruz Machado - homenageado com a rua Cruz Machado, na região central da capital - encabeçou a campanha pró-emancipação.

“Este projeto não contém uma ideia nova, um pensamento desconhecido pela Câmara e pelo país. Esta ideia era muito popular em todas as partes daquela comarca, a tal ponto que a esperança de vê-la em breve realizada se atribui o não ter tido ali apoio algum o movimento revolucionário de 1842. Não sei se é isto perfeitamente exato; mas houve quem atribuísse a essa esperança, da criação da nova província, à quietude de alguns ânimos”, cita Machado ao retomar o debate do projeto.

Segundo ele, a 5ª Comarca reunia pelo menos 68,5 mil habitantes. Já para a oposição, o número era menor. Assim como no debate do primeiro projeto com a intenção de separar a 5ª Comarca, em 1843, a proposta enfrenta a resistência de liberais paulistas e tentativas de manobras, como pedidos para a reanálise da matéria por comissões e para adiamentos. Alegando que São Paulo seria reduzida a “uma província de segunda ordem”, eles defendiam uma “justa compensação” pela perda do território. Foi proposta novamente - e rejeitada - uma emenda com o objetivo de anexar parte da Província de Minas a São Paulo.

Há críticas, também, aos “arranjos políticos” que levaram à promessa de emancipação, em 1842, para conter os avanços da Revolta Liberal. O debate trata, inclusive, dos distúrbios eleitorais da Comarca de Curitiba, em especial das mortes na Vila de São José dos Pinhais, em 1852. Zacarias de Góes e Vasconcellos, deputado pela Bahia e futuramente designado para ser o primeiro presidente da Província do Paraná, não se manifesta sobre a matéria em pauta. 

Por fim, em 20 de agosto, depois de cinco sessões, o projeto passa em terceira discussão - com a mesma redação submetida pelo Senado. A lei 704/1853 é sancionada pelo imperador Dom Pedro II no dia 29 do mesmo mês. Além de emancipar o território da 5ª Comarca, o texto determina que a Província do Paraná terá um senador e um deputado na Assembleia Geral. A lei também determina que caberia à Assembleia Provincial, formada por 20 membros, definir a capital do Paraná - fixada provisoriamente em Curitiba. 

O Paraná era formado por duas cidades, Curitiba e Paranaguá. Além disso, reunia sete vilas: Antonina, Castro, Guarapuava, Guaratuba, Morretes, Príncipe (Lapa) e São José dos Pinhais. Em 1853, o território era formado, ainda, por 15 freguesias, como as de Campo Largo, Ponta Grossa, Rio Negro e Tibagi, e quatro capelas curadas, entre elas Guaraqueçaba e Palmas.

Vereadores de Curitiba empossam primeiro presidente do Paraná

Os rumores da emancipação chegam à comarca. No dia 1º de setembro de 1853, a Câmara de Curitiba convoca uma sessão extraordinária por “ter chegado a notícia dada por pessoas fidedignas da cidade de Paranaguá de haver, no dia vinte do mês próximo findo passado [agosto], na Assembleia Geral, a lei que eleva esta Comarca à categoria de Província". Foi determinado, então, que os moradores iluminassem a fachada de suas suas casas durante três noites e assistissem, na manhã do dia 4 de setembro, na Igreja Matriz, "a um solene The deum [Laudamus, hino de ação de graças, em latim para ‘a Vós, ó Deus, louvamos’), bem como que se ilumine a casa desta Câmara”.

Oficialmente, no entanto, a Câmara de Curitiba é comunicada da emancipação por meio de “aviso do Ministério do Império”, de 19 de setembro de 1853. O ofício também informava “achar-se nomeado por Carta Imperial de dezessete de setembro do corrente ano o Excelentíssimo Conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcellos para Presidente desta Província do Paraná, que foi criada pela Lei n.º 704, de 29 de agosto”.

Na sessão de 3 de novembro, “constando estar a chegar a esta cidade o Ex. Senhor Presidente da Província”, os vereadores deliberaram pela criação de “uma comissão encarregada de tudo que for tendente” à recepção de Zacarias Góes de Vasconcellos, “bem como a prontificação da casa, mobília e o mais necessário”. “Lavrou-se edital convidando os povos para caiar e limpar as frentes de suas casas, bem como o fiscal mandar limpar os arbustos que estão na entrada da Estrada de Baixo e aqueles que ficarem nos pátios públicos e ruas”, completam as atas da CMC. Os eleitores da comarca já não participam da eleição à Assembleia Provincial de São Paulo, em novembro de 1853.

A Província do Paraná foi instalada, formalmente, no dia 19 de dezembro de 1853, na Câmara de Curitiba. Foram os vereadores que empossaram Góes de Vasconcellos. “Achando-se presente às onze horas da manhã, sendo recebido com todas as formalidades do estilo, a Câmara, por seu Presidente, deferiu-lhe o juramento dos Santos Evangelhos, depois de ser lida pelo Secretário a Carta Imperial de sua nomeação”, registram as atas históricas. As sessões da CMC, naquele período, eram abrigadas pela Casa de Câmara e Cadeia, onde hoje fica a praça Generoso Marques. O ato foi concluído com a celebração de uma missa de ação de graças na Igreja Matriz.  

Entre fevereiro e maio de 1854, são realizadas as eleições primárias e secundárias para a escolha do senador, do deputado provincial e dos 20 membros da Assembleia Provincial. Coube à Câmara de Curitiba apurar os resultados dos cinco colégios eleitorais, que somavam 135 eleitores. O maior deles era o da capital, com 54 cidadãos aptos a votar, seguido pelo de Paranaguá, com 46 eleitores. Havia, ainda, 11 eleitores na Vila do Príncipe (Lapa), 17 em Castro e 7 em Guarapuava.

O primeiro senador pelo Paraná foi João da Silva Machado, o Barão de Antonina - ex-deputado provincial de São Paulo e responsável por mediar o acordo que apaziguou a então 5ª Comarca, em 1842. À Câmara dos Deputados, foi eleito o advogado Antônio Cândido Ferreira de Abreu, ex-deputado por São Paulo.

A Assembleia Legislativa do Paraná foi instalada no dia 15 de julho de 1854. “O chefe supremo da nação [...] julgou que era enfim chegada a ocasião de transformar-se a antiga e atrasada comarca de Curitiba na esperançosa Província do Paraná”, discursou Góes de Vasconcellos aos deputados. “No espaço de tempo decorrido desde 19 de dezembro, dia da instalação da província, até o presente, nenhum acontecimento houve que abalasse mesmo de leve o sossego público. Celebraram-se as eleições de senador, deputado geral e membro da assembleia legislativa provincial, [...] sem deixar traço da menor perturbação”, celebrou. 

“Não somente deixou de haver violência, como até presenciou Curitiba um fato, poucas vezes ocorrido na história dos partidos”, continua o pronunciamento. Segundo Vasconcellos, houve a eleição de deputados provinciais luzias, isto é, liberais, mesmo “estando em maioria a parcialidade saquarema [Partido Conservador]”. A lista tríplice para o Senado também reuniu “membros de uma e outra crença política”.

“Um tal fenômeno, se não exprime perfeita harmonia à conciliação dos partidos na nova província, cumpre, ao menos, que fique bem registrado, a fim de mostrar que aqueles que, tomando por termômetro os tristes acontecimentos de S. José dos Pinhais em 7 de novembro de 1852, pensarem que os partidos aqui medem-se ordinariamente pela força física, e pleiteiam o triunfo da urna com o bacamarte [armas], caluniam atrozmente a índole e o caráter dos habitantes do Paraná”, lembra, ainda, o primeiro presidente da Província do Paraná.

A lei nº 1 da Assembleia Provincial do Paraná, de 26 de julho de 1854, fixou Curitiba como a capital da Província.  

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Participação popular na política III: Curitiba inspira “comícios-monstro” das Diretas Já

Domingo tem resultado das Eleições 2024, ao vivo, no YouTube da Câmara

A Câmara de Curitiba estará ao vivo no YouTube, neste domingo (6), a partir das 17h, transmitindo o resultado das Eleições 2024. Além da contagem de votos pela Justiça Eleitoral, jornalistas e convidados especiais ajudarão a explicar o resultado das urnas e o perfil da próxima legislatura da Câmara de Vereadores. Quer receber essas informações atualizadas, de parcial em parcial, até a integralização dos votos, no dia das eleições? Inscreva-se já na transmissão para o streaming de domingo! 

Restrições eleitorais