Para ex-constituinte, Carta Magna de 1988 trouxe avanços
A Câmara Municipal de Curitiba sediou uma palestra sobre a Constituição de 1988. O evento foi uma colaboração entre a Escola do Legislativo da Câmara e o Grupo Mulheres do Brasil. (Foto: Carlos Costa/CMC)
No entendimento do ex-deputado federal e ex-parlamentar constituinte Nelton Friedrich, o texto da Constituição Federal de 1988 trouxe muitos avanços para a sociedade brasileira. Ele fez a declaração durante uma palestra sobre a criação da Constituição como Carta Maior de princípios e normas do Estado Democrático Brasileiro, realizada pela Câmara Municipal de Curitiba (CMC) na noite desta quinta-feira (26). O evento foi uma iniciativa da Escola do Legislativo da Câmara em parceria com o Grupo Mulheres do Brasil – Núcleo Curitiba/PR. A palestra foi mediada por Caroline Farias dos Santos (advogada) e Thais Magrini Schiavon (também advogada) e teve como convidados o já citado ex-deputado Friedrich e o vereador Professor Euler (PSD), presidente da Escola do Legislativo da Câmara.
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Professor Euler saudou a todos e disse que a Escola do Legislativo da Câmara estará sempre à disposição de entidades como o Grupo Mulheres do Brasil para a realização de atividades como essa palestra sobre a Constituição. “Não mediremos esforços. A Câmara é a Casa do povo e deve ser frequentada pelo povo”, disse o vereador. Também se manifestou Robson Sabino, diretor das Comissões da Câmara, que expressou sua satisfação pela realização do evento. Em sua opinião, trata-se de uma “experiência enriquecedora”. Ainda por parte da Câmara, manifestou-se o servidor Fernando Portas, gestor da Escola do Legislativo. Ele anunciou que a Escola oferecerá um curso sobre política para mulheres em 2020, em parceria com o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR).
Em seguida, fez uso da palavra Margaret Groff, uma das fundadoras do Grupo Mulheres do Brasil Núcleo Curitiba/PR. Ela esclareceu que o Grupo iniciou suas atividades em 2013 e que o Núcleo Curitiba/PR existe desde 2017. Entre os objetivos da entidade está o de “construir um Brasil melhor através do protagonismo feminino”. O grupo já conta com 31 mil mulheres em várias cidades do mundo e tem por princípios inegociáveis ser suprapartidário; não ser contra os homens; não usar o grupo para benefícios pessoais; e a apresentação e realização de projetos factíveis. Ela apresentou uma série de ações do Núcleo Curitiba/PR, entre elas, o treinamento e a reestruturação do posto de saúde da praça Ouvidor Pardinho.
A Constituição de 1988
A advogada Caroline Farias, do Grupo Mulheres do Brasil, explicou que a Constituição é a lei base de um país. “Entre outras características, a Constituição organiza o funcionamento do Estado, limita os Poderes e define direitos e obrigações dos cidadãos. Ela pode ser sintética (sumária), como a dos Estados Unidos ou analítica (mais prolixa), como a brasileira”, explicou a advogada. De acordo com Caroline, a Constituição de 1988 se caracteriza por ser “garantista” no que diz respeito a direitos fundamentais (liberdade, segurança, educação etc) e também direitos individuais e coletivos.
Caroline fez um breve retrospecto histórico dos fatos que levaram à Constituição de 88. Ela lembrou que durante os primeiros anos do regime militar (1964-69) houve a imposição dos Atos Institucionais, normas que conferiam poderes supra-constitucionais aos titulares do poder. De acordo com a advogada, o Ato Institucional de nº 5, de 1968, levou o país a um clima autoritário. Mas já na segunda metade dos anos 70 surge uma pressão popular pela volta da democracia que culminou, em 1984, na Campanha pelas “Diretas Já” e na posterior eleição indireta da chapa Tancredo Neves/José Sarney para o Executivo Federal. Segue-se a isso a Assembleia Nacional Constituinte, presidida pelo então deputado Ulysses Guimarães (1916/1992). Para ele, a Constituição de 1988 estava predestinada a ser “a luz na noite dos desgraçados”.
Embora tenha sido minuciosamente elaborado, o texto constitucional reconhecia suas limitações ao prever uma revisão que deveria ser realizada 5 anos após a promulgação do documento. Além disso, ele também estabelecia a possibilidade de emenda constitucional (de iniciativa do Legislativo) e o controle de constitucionalidade (exercido pelo Judiciário). A constituição também estabeleceu determinações inalteráveis: as chamadas “cláusulas pétreas”, que são a forma federativa de estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; os direitos e garantias individuais; e a separação entre os 3 Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Caroline lembrou um famoso trecho do discurso proferido por “doutor” Ulysses no encerramento das atividades da Assembleia Nacional Constituinte, quando ele se referia à nova Constituição: “quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”. Em outra passagem do discurso ele sintetiza: “Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube. Eis o primeiro mandamento da moral pública”.
Leia na íntegra o discurso de Ulysses Guimarães no encerramento da Assembleia Constituinte em 5 de outubro de 1988.
“PhD” em política
O ex-deputado federal e ex-parlamentar constituinte Nelton Friedrich explicou que dadas as circunstâncias do período militar, a Assembleia Constituinte se configurava numa forte aspiração popular após a redemocratização de 1985. Segundo ele, a experiência como parlamentar constituinte foi um verdadeiro “PhD” em política. Ele lembrou que a primeira manifestação por eleições diretas aconteceu em Curitiba no dia 12 de janeiro de 1984 e reuniu mais de 50 mil pessoas. Posteriormente, milhões se reuniram em São Paulo e no Rio de Janeiro pedindo eleições diretas para presidente da república. Todo esse movimento resultaria, alguns anos depois, na Assembleia Nacional Constituinte: 559 parlamentares que, reunidos, se dispuseram a estabelecer o texto da nova Carta Magna do Brasil.
Havia um anseio por parte de alguns grupos de que a constituinte fosse livre, soberana e exclusiva, ou seja, que sua finalidade fosse apenas a elaboração do texto constitucional, mas não foi o que aconteceu. Os constituintes detinham também mandatos parlamentares comuns como deputados e senadores. Segundo Friedrich, o então presidente José Sarney articulou a presença de um líder do governo na Constituinte, com o intuito de garantir um mandato presidencial de 5 anos, o que não chegou a se concretizar. O ex-deputado lembra que a Constituinte recebeu mais de 3 mil sugestões de cidadãos de todas as partes do país. “Durante os dias em que esteve instalada a Assembleia Constituinte, mais de 10 mil pessoas transitavam diariamente pelos corredores e salas do Congresso”, lembra ele.
Para Friedrich, a Constituição de 1988 avançou ao instituir mecanismos democráticos como o plebiscito, o referendo, a consulta pública e a iniciativa popular de leis. Além disso, o texto constitucional estabeleceu instrumentos de controle sobre o próprio governo. “Foi a primeira constituição a instituir o mandado de injunção”, lembrou o ex-deputado que também frisou o fato do diploma legal haver reconhecido a função social da propriedade. Friedrich destacou que a Carta de 88 continha avanços nas áreas da liberdade de pensamento, da política urbana, da securidade social, da cultura, das comunicações e do meio ambiente, sendo que nesse último caso houve até a criação de uma nova titularidade jurídica: as gerações futuras (artigo 225). Para o ex-deputado, o texto constitucional deveria ser mais conhecido pela população.
Artigo 56
Professor Euler comentou sobre o fato de que mesmo tendo poucas representantes entre os 559 parlamentares constituintes em 1988, as mulheres conquistaram significativos progressos na garantia de seus direitos. Mas ele disse que se lhe coubesse alterar apenas um dispositivo da Constituição Federal, optaria pelo inciso 1º do artigo 56, o qual estabelece que “não perderá o mandato o Deputado ou Senador investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária”. Para Euler, o parlamentar que é convidado a ocupar um cargo no Executivo deve abster-se do seu mandato legislativo, sob o risco de haver uma promiscuidade política. Ele propôs uma medida nesse sentido em âmbito municipal, mas o projeto não avançou.
A advogada Thais Magrini encerrou o evento perguntando a Friedrich sobre as cotas para candidaturas femininas instituídas em 1995 e sobre o artigo 10º da lei 12.034/2009 (Lei Eleitoral), que garantiu que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”. Ela também mediou perguntas provenientes da plateia.
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