Pandemia: debatidas condições de trabalho e proteção aos profissionais da enfermagem

por Pedritta Marihá Garcia | Revisão: Marcio Silva — publicado 25/09/2020 16h55, última modificação 06/10/2020 17h23
Audiência pública virtual da CMC reuniu representantes da categoria, do Ministério Público, do Poder Executivo municipal e estadual.
Pandemia: debatidas condições de trabalho e proteção aos profissionais da enfermagem

O Paraná tem mais de 100 mil profissionais de enfermagem e quase 25% deles estão em Curitiba. A capital tem hoje aproximadamente 6.660 enfermeiros, 12.400 técnicos de enfermagem e 5.500 auxiliares de enfermagem, que trabalham em mais de 450 instituições d

O Paraná tem mais de 100 mil profissionais de enfermagem e quase 25% deles estão em Curitiba. A capital tem hoje aproximadamente 6.660 enfermeiros, 12.400 técnicos de enfermagem e 5.500 auxiliares de enfermagem, que trabalham em mais de 450 instituições de saúde – públicas e particulares. Um contingente de 24,6 mil desses trabalhadores está na linha de frente do combate à Covid-19 e suas condições de trabalho e salariais estão aquém do necessário, conforme levantado na audiência pública remota realizada nesta quinta-feira (24) pela Câmara Municipal de Curitiba (CMC). 

Transmitido ao vivo pelas redes sociais do Legislativo – e já disponível no YouTube – o debate reuniu representantes da categoria, do Ministério Público, do Poder Executivo municipal e estadual e profissionais que estão diariamente nos corredores dos hospitais e unidades de saúde, no enfrentamento à pandemia. “Houve uma perda muito grande de profissionais de saúde, que estavam exatamente protegendo pessoas contra a doença, contra o contágio. Perdemos enfermeiros, técnicos, médicos”, disse o vereador Dalton Borba (PDT), que propôs a audiência pública e coordenou os trabalhos.

“Especificamente em relação aos profissionais de enfermagem, já são 566 casos [confirmados] reportados no Paraná, 28 óbitos – a maioria de técnicos de enfermagem – e neste momento [temos] 14 internados, sendo 10 já confirmados e 4 ainda suspeitos”, informou a presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná (Coren-PR), Simone Peruzzo. Das 28 vítimas entre esses profissionais, apenas uma era de Curitiba, e trabalhava no Hospital Vitória. 

O número de óbitos no Paraná parece baixo se comparado à quantidade de profissionais que atuam no estado, mas o procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná (MP-PR), Marco Antônio Teixeira, fez um alerta quanto ao cenário atual. Ao citar pesquisa do Observatório da Enfermagem, que contrapõe números do PR e do Rio Grande do Sul, ele informou que no estado gaúcho já são 13.444 casos positivos – sete vezes mais que no Paraná –, mas apenas 11 óbitos. “Alguma coisa se passa e alguma coisa há de se entender. Precisamos cuidar mais dos nossos profissionais de enfermagem e não só dos que se encontram na denominada na linha de frente”, analisou.

Condições de trabalho e denúncias

Segundo o procurador de Justiça, logo quando a pandemia foi decretada oficialmente no estado, o MP-PR encaminhou ofício a todos os promotores de Justiça do Paraná para que verificassem uma série de situações relacionadas às condições de trabalho dos profissionais da saúde, entre elas se haviam sido fornecidos equipamentos de proteção individual (EPIs) e se houve capacitação para prevenção e manejo de pacientes.

Já o Ministério Público do Trabalho (MPT) criou um grupo de trabalhou e elaborou formulários para incentivar o envio de denúncias anônimas, com a finalidade de obter informações em relação às condições de trabalho desses profissionais. Formulários esses que confirmaram uma realidade que foi apontada pelo próprio Coren-PR durante a audiência pública: segundo Simone Peruzzo, a fiscalização permanente do órgão durante a pandemia constatou que os trabalhadores da enfermagem “vivem o medo constante de exposição e carga viral elevada, dobram carga horária e correm grande risco de depressão, ansiedade e esgotamento”.

“Estamos de fato vivendo um momento em que há uma exigência de jornada excessiva, ilegal. Não se pode impor mais do que 2 horas extras diárias, esse é o limite previsto na legislação; e já temos mais um agravante [porque] a jornada dos profissionais de saúde é de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, que é realmente desgastante e não é imposta a outras categorias”, corroborou Margareth de Carvalho, procuradora do Comitê de Inspeções Virtuais do MPT.

Andriu Martins, enfermeiro do Hospital Oswaldo Cruz, do governo do Paraná, relatou que no começo da pandemia não havia EPIs para todos que atendiam pacientes sem a suspeita da doença e que atualmente faltam profissionais na instituição. “Eu, por exemplo, atendo concomitantemente pacientes que são Covid-19 e pacientes que não são Covid-19. Faço trabalho de paramentação e desparamentação diversas vezes durante a jornada de 12 horas. Tem risco para mim, para a minha equipe, para os pacientes que estão internados”, frisou. Ainda segundo ele, SindSsaúde-PR (Sindicato dos Trabalhadores da Saúde Pública do Estado do Paraná), MP e Coren-PR estão cientes dos problemas, mas nada mudou. 

Para Carmen Kalinowski, professora adjunta do curso de Enfermagem da UFPR, o sofrimento dos colegas no dia a dia de hospitais e unidades de saúde é “perceptível”. “A gente percebe dos alunos, que estão nos hospitais, quando eles vêm para o relato. Eles estão sofrendo tanto, os nossos colegas em serviço. Eles percebem a dificuldade que muitos colegas estão tendo no enfrentamento, na fila, na falta de alguns recursos para um bom atendimento, até de local adequado para ter um momento de repouso, para fazer um lanche.”

Professor aposentado da UFPR, Paulo de Oliveira Perna foi categórico ao observar que a pandemia botou “a nu” a imensa precarização das condições e relações de trabalho na saúde do Brasil. Segundo ele, mais de 60% dos profissionais da área são da enfermagem – o país tem 2,3 milhões de enfermeiros, técnicos e auxiliares. “Basta consultar as estatísticas. Vamos ver que as mortes e contaminações acontecem, entre os profissionais da enfermagem, duas, três ou até quatro vezes mais que na categoria médica, que é a segunda mais afetada”, complementou.

Onde fica a valorização da profissão?

2020 foi definido pela OMS como o Ano Internacional dos Profissionais da Enfermagem e da Obstetrícia, fato que, segundo o procurador de Justiça Marco Teixeira é “importantíssimo e que aqui no Brasil não tem sido dado o devido relevo”, apesar do profissional da enfermagem ser tão necessário quanto qualquer outro na área da saúde. As razões que justificam o posicionamento do representante do MP-PR se dão devido à falta de valorização da profissão: Carmen Kalinowski lembrou que as lutas por melhores salários e condições de trabalho da enfermagem são da década de 1970. “Projetos de lei que legislam a respeito estão no Congresso Nacional há mais de 30 anos.”

Coordenador da 1ª Frente Parlamentar do Coronavírus da Alep (Assembleia Legislativa do Paraná), o deputado estadual Michele Caputo (PSDB) informou que a frente, que tem mais de 30 parlamentares, encaminhou ao Congresso um pedido para que seja definida a questão do piso mínimo da enfermagem. “Na Itália não existe o abismo entre salários de médicos e enfermeiros que existe no Brasil: lá um médico recebe em média 2.500 euros, enquanto um enfermeiro recebe 2 mil euros”, comparou.

Para além disto, Simone Peruzzo afirmou que os profissionais da enfermagem precisam ser protegidos da violência psicológica, física e instituição; e como estão na ponta, na linha de frente, têm que ter seus direitos garantidos, entre eles, férias e progressão de carreira. “A enfermagem é quem está nas 24 horas, nos 365 dias do ano. Não consigo compreender, de que maneira não é observada a especificidade do assistir, que vai necessitar sim, de um cuidado diferenciado. Não. Entramos todos no mesmo rodo e estamos sem férias, sem progressão, sem, sem, sem...”, comentou a presidente do Coren-PR, ao citar a legislação federal que suspendeu a progressão de carreira do funcionalismo público.

Presidente do SISMEC (Sindicato dos Servidores Municipais de Enfermagem de Curitiba), Raquel Padilha reforçou o posicionamento da classe: sendo a enfermagem a única profissão dentro da área da saúde que fica ao lado do paciente em tempo integral, esta deveria ser mais valorizada, sobretudo na questão salarial. “Qualquer recém-formado, de qualquer curso de nível superior, começa a ganhar em torno R$ 5 mil; enquanto o enfermeiro dificilmente consegue ganhar em torno de R$ 2 mil. Para melhorar o salário, ele precisa ter dois empregos e dobrar a carga horária. E mesmo dobrando a carga horária ele não se equipara ao outro profissional que trabalha 8 horas por dia. Para o enfermeiro dobrar sua carga horária ele trabalha 12 horas”, disse.

A íntegra da audiência pública, que durou cerca de 3 horas e meia, pode ser conferida no canal da CMC no YouTube. Além das autoridades já citadas, também participaram do debate: Teresa Quindra, enfermeira supervisora do Distrito Sanitário Matriz, representando a Secretaria Municipal de Saúde (SMS); Carmem Moura dos Santos, coordenadora de Atenção à Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SESA); Marcos Franco, diretor do Sismuc (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais Curitiba); e Leda Maria Albuquerque, enfermeira supervisora do Distrito Sanitário do Pinheirinho.

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