Novo Zoneamento: curso debate revisão da lei e tributos imobiliários

por Assessoria Comunicação publicado 16/08/2018 18h15, última modificação 28/10/2021 07h59

Com a discussão dos temas zoneamento, Contribuição de Melhoria (CM) e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu, nesta quinta-feira (16), o segundo dia do curso sobre a política de uso do solo. Uma parceria entre a Comissão de Urbanismo, Obras Públicas e Tecnologias da Informação, o Laboratório de Habitação e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a instituição norte-americana Lincoln Institute of Land Policy, a atividade pretende embasar os debates sobre atualização da Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo da cidade, projeto enviado à Casa no início de agosto (005.00105.2018).

Professora da UFPR e coordenadora do Laboratório de Habitação e Urbanismo, a doutora em Meio Ambiente Gislene Pereira ministrou a primeira palestra da tarde, com o tema “Zoneamento”. Arquiteta e urbanista, a pesquisadora alertou que a Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo, definida por ela como principal instrumento de planejamento urbano, “pode ser dificílima, ninguém entender o que está aprovando”. Já como exemplo de “clareza e didática” citou a legislação de São Paulo (16.402/2016): “A gente consegue enxergar a cidade que tem por trás”.

“Estou falando [na lei] como a cidade vai ser ocupada e qual o preço da terra em cada parte da cidade. Quem regula é o poder público”, explicou Gislene. A discussão, acrescentou, baseia-se em manter ou alterar ou que se pode fazer em cada área da cidade. “Onde é mais caro também é onde tem mais infraestrutura. Onde posso construir mais, onde é mais caro e onde tem mais infraestrutura está a população com renda maior, que pode pagar mais. Isso não é coincidência e não é exclusividade de Curitiba.”

“Como introduzir parâmetros que tornem a cidade mais inclusiva, trabalhar o zoneamento para ter uma cidade mais equilibrada? Que princípios de inclusão social estão atrás desta lei?”, questionou a pesquisadora sobre o que ela considera o item central da discussão. “Singapura por exemplo tem um programa de inserção de habitação social em áreas com infraestrutura. Com proximidade a equipamentos, serviços e transportes. Pode sim construir, e muito, mas tem que pensar na população de menor renda”, citou.

Tributação imobiliária
Responsável pela segunda palestra, a procuradora Cíntia Fernandes, da Prefeitura de Curitiba, falou sobre a tributação imobiliária, em especial a cobrança do IPTU. Doutora em Gestão Urbana e professora do Lincoln Institute, ela participou da atualização da planta genérica de valores (PGV) dos imóveis, em 2014, e defendeu que a capital tratar a arrecadação de acordo com o conceito de cidade inteligente (smart city). “Uma cidade que não pensar em termos de big data, de informação, vai ficar para trás. Curitiba tem que se atentar para essa demanda”, argumentou.

Cíntia alertou, por exemplo, à necessidade de se “ter no município um cadastro territorial extremamente atualizado”, que segundo ela vai além dos tributos e impacta positivamente, entre outras áreas, na saúde pública. Além desse ponto, são algumas das sugestões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), nesse sentido, o incentivo à autodeclaração (“trazer esse compromisso ao contribuinte”), que os órgãos públicos mantenham um cadastro único e a transparência das informações.

Para a “tributação ideal”, a procuradora adotou o termo “smart tax city”. Segundo ela, o BID considera o IPTU um “gigante adormecido”. “As cidades têm que entender que o IPTU é um instrumento de receita, mas também de gestão urbana”, disse. Cíntia afirmou que a arrecadação com o imposto representa 0,44% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, enquanto no Reino Unido esse percentual ultrapassa os 3%.

De acordo com propostas do BID para o IPTU nas cidades do futuro, a procuradora destacou que Curitiba já adota a cobrança progressiva, para não onerar a população mais carente, e possui o IPTU Verde. No entanto, ela disse que ainda é necessário implementar sistemas mais simplificados e diminuir isenções. “Quando trazemos a anistia de juros e multas [aos devedores], o que dizemos aos 90% que estão com seus tributos em dia? É que não valeu a pena. Um bom percentual dos que não pagam são os latifundiários urbanos.”

“Podemos pensar o IPTU diferenciado de acordo com uso e localização. Podemos ter IPTU diferenciado ao empreendimento que danifica o meio ambiente, que traz ausência de mobilidade à cidade”, continuou. Outra proposta levantada por Cíntia foi a efetivação do IPTU progressivo no tempo (imposto mais caro para imóveis subutilizados, como os “mocós”) em toda a cidade, e não só no Centro.

Contribuição de Melhoria
Após a fala de Cíntia Fernandes, Gislene Pereira retornou para a terceira e última palestra, sobre a Contribuição de Melhoria. “O que justifica cobrar é a valorização de determinado imóvel por uma obra pública. Ela tem por finalidade recuperar essa valorização, apropriada de forma individual pelo proprietário. Se o poder público dá vantagem a alguém, é justo que esse beneficiado arque, esse é o principio jurídico que vale também a outros tributos. Porque ele não pode dar a esse proprietário mais vantagem que a outro”, explicou a pesquisadora. Essas obras, acrescentou, vão além da pavimentação.

“É um tributo antigo no Brasil [previsto desde a Constituição de 1934], mas muito mais no mundo. Em 1250, lá em Londres, já se cobrou [pela construção de diques no rio Tâmisa, sob outro nome)”, indicou Gislene. “É um tributo que os prefeitos têm nas mãos, já aprovado, que já tem reconhecida a sistemática de cobrança, que está na hora de acordar”, afirmou, em referência ao termo que Cíntia Fernandes havia utilizado, que a Contribuição de Melhoria é um “gigante em coma”, segundo o BID.

“O que a gente vê crescendo no país é o interesse pela cobrança, mas se o Paraná é um dos estados que mais cobra [com destaque a Maringá e a Rio Negro], Curitiba é uma das capitais que menos cobra. Parou há muito tempo. Então fica o desafio, de como instituir ou recuperar a cobrança deste tributo”, completou a palestrante. Como pontos positivos da CM, ela indicou que a cobrança ocorre após a obra e se comprovada a valorização do imóvel. Gislene também defendeu como uma de suas potencialidades o controle dos gastos públicos: “Não poderá ser cobrada sobre obras superfaturadas. Os custos têm que ser transparentes”.

Como argumentos para a não efetivação do tributo, a pesquisadora afirmou que os gestores apontam principalmente dificuldades técnicas para sua implementação (“não tem dificuldade técnica, a não ser que tenha município que não cobre IPTU), desatualização de dados cadastrais (“é melhor cobrar menos que não cobrar nada”), falta de recursos para efetuar as obras (o rateio ocorre depois, se comprovada a valorização dos imóveis) e a população de baixa renda, que segundo ela seria isenta da cobrança. “A pouca vontade política e o não reconhecimento como fonte de recursos talvez sejam os principais entraves”, opinou Gislene.

No debate com o público após as palestras, as convidadas responderam perguntas e debatam temas como a relação entre o zoneamento e as mudanças climáticas; a distância dos empreendimentos da Cohab-CT do Centro da cidade; atualização da planta de valores e reajuste do IPTU; desmembramento de projetos de lei referentes aos instrumentos de uso do solo; habitação de interesse social; e como mensurar a valorização dos imóveis para a Contribuição de Melhoria.

Próximo módulo
O curso será encerrado nesta sexta-feira (17), a partir das 14 horas, também no auditório do Anexo II, com uma atividade ministrada pela pesquisadora Letícia Gadens. Doutora em Gestão Urbana, ela será a facilitadora de uma dinâmica a partir do jogo Giros, plataforma educacional que ajuda a pensar a questão urbana.

Na última quinta (9), o curso tratou dos aspectos legais do uso do solo (saiba mais). Com os temas “Direito de propriedade e direito de construção” e “Leis urbanísticas e controle territorial”, as palestras foram ministradas pela jurista Sonia Rabello, colaboradora do Lincoln Institute of Land Policy, no Programa de Capacitação para a América Latina, que veio a Curitiba especialmente para a atividade. Professora do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e pós-doutora em Direito Público, ela já foi procuradora-geral e vereadora do Rio de Janeiro.

O curso é coordenado pela Comissão de Urbanismo e pelas pesquisadoras Gislene Pereira e Letícia Gadens, ambas filiadas ao Laboratório de Habitação e Urbanismo da UFPR. Presidido por Helio Wirbiski (PPS), o colegiado da CMC também reúne os vereadores Mauro Bobato (Pode), vice-presidente, Bruno Pessuti (PSD), Goura (PDT) e Maria Manfron (PP).

O que é a Lei de Zoneamento?
A Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo é o instrumento legal que organiza a ocupação do território, define tamanhos mínimos e máximos de lotes, regula e estabelece limites para o uso do solo e para o tamanho, a forma, a altura e o recuo das edificações. Baseia-se no princípio de que a ocupação e os usos devem ser induzidos e disciplinados para evitar que aconteçam de forma desorganizada. Desta maneira, a lei busca garantir a qualidade da ocupação urbana. A revisão dela é etapa seguinte à modernização do Plano Diretor, que ocorre de dez em dez anos.

O projeto da nova Lei de Zoneamento foi entregue aos vereadores pelo prefeito Rafael Greca no dia 1º de agosto (leia mais). Reavivar a habitação na área central, ampliar o comércio nos bairros estimulando o uso misto, concretizar uma nova conectora ligando o Caiuá ao Hauer, finalizar a Linha Verde e despoluir visualmente a cidade, disse o chefe do Executivo, são os destaques da proposta.

Confira mais fotos do segundo dia de curso no Flickr da CMC.