Novo Ensino Médio: comunidade escolar quer debate em todo o PR

por Pedritta Marihá Garcia — publicado 07/05/2021 19h50, última modificação 07/05/2021 20h09
Fortalecimento da Conape; elaboração de uma moção de apoio às disciplinas de filosofia, artes e sociologia; articulação com outras câmaras municipais do estado para a realização de audiências públicas foram alguns dos encaminhamentos do debate na CMC.
Novo Ensino Médio: comunidade escolar quer debate em todo o PR

O evento foi promovido pelas vereadoras Carol Dartora e Professora Josete, ambas do PT, e transmitido ao vivo pelas redes sociais do Legislativo. (Foto: Carlos Costa/CMC)

O Novo Ensino Médio, aprovado pela lei federal 13.415/2017, foi tema de audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) nesta quinta-feira (6). No debate, representantes da APP Sindicato, da UPES (União Paranaense dos Estudantes Secundaristas), de universidades como UNESPAR e UFPR pediram que o modelo referencial elaborado pelo Governo do Paraná e que está atualmente sob a análise do Conselho Estadual de Educação (CEE) seja revisto junto com a comunidade escolar. O evento foi promovido pelas vereadoras Carol Dartora e Professora Josete, ambas do PT, e transmitido ao vivo pelas redes sociais do Legislativo. 

A lei 13.415/2017 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu uma mudança na estrutura dessa etapa da Educação Básica, estabelecendo o tempo mínimo do estudante na escola de 1.000 horas anuais, ao invés de 800 horas, a serem implantadas até 2022. Também definiu uma nova organização curricular, a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nos chamados Itinerários Formativos. Conforme o MEC, a “mudança tem como objetivos garantir a oferta de educação de qualidade à todos os jovens brasileiros e de aproximar as escolas à realidade dos estudantes de hoje, considerando as novas demandas e complexidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade”. 

No Paraná, o Referencial Curricular para o Novo Ensino Médio Paranaense (RCNEM) – que orienta a construção dos currículos do ensino médio, nas redes pública e privada – esteve sob consulta pública no mês de fevereiro, mas os participantes da audiência pública alegaram que os 25 dias em que o documento esteve acessível para a comunidade escolar não foi suficiente para uma análise aprofundada. “A comunidade escolar ainda não se apropriou da discussão. A reforma do ensino médio recebeu várias críticas, com protestos em vários estados, inclusive no Paraná”, afirmou Carol Dartora, ao lembrar das ocupações realizadas pelos estudantes em 2016, quando o projeto de lei do governo federal tramitou no Congresso Nacional.

“No Paraná, a SEED [Secretaria de Estado da Educação e do Esporte] abriu consulta pública porque é obrigatória, mas a diretriz para o ensino será implementada a partir de 2022, com reclamações de professores que não se apropriaram da discussão”, continuou Dartora, seguida por Professora Josete, que lamentou que pais e mães não foram ouvidos na elaboração do modelo paranaense para o Novo Ensino Médio. “Essa proposta é muito temerosa e pode levar a uma exclusão ainda maior na nossa sociedade. De fato, é uma concepção que, no meu entendimento, retorna lá para trás, com uma lógica tecnicista, sem o compromisso da formação de cidadãs e cidadãos críticos, que possam contribuir numa sociedade mais avançada, com formação humana”, disse.  

Edinéia Navarro Chilante, docente representante da UNESPAR, argumento que a SEED “nada mais fez do que legitimar o processo de construção do documento e seu posterior envio ao Conselho Estadual de Educação”. “Uma consulta pública, da forma como foi colocada, de forma online e com formulário, é uma ferramenta mas não permite o debate, apenas permite com as pessoas coloquem suas impressões”, analisou, informando que o referencial tem 1.137 páginas, que foram divididas em vários arquivos, “dificultando a visualização de todo o documento”.

Ainda segundo a educadora, a primeira versão do RCNEM foi elaborada em outubro de 2020 pela SEED, mas não publicizada; a segunda, desenvolvida em janeiro de 2021, é a que foi aberta à consulta pública; mas o modelo entregue ao CEE é uma terceira versão do coumento, que a comunidade escolar não teve acesso. “A leitura que foi feita mostra que o currículo do Paraná pretender organizar um tipo de escola que tem, na sua forma e no seu conteúdo, o objetivo de formar um jovem empreendedor de subsistência, conformado a uma sociedade marcada pelo desemprego estrutural, com o aumento da informalidade e a queda da renda do trabalho. É esse jovem que precisa desenvolver a sua criatividade para a garantir da sua subsistência imediata.”

Características em comum
Mônica Ribeiro da Silva, docente da UFPR, abordou o levantamento feito por pesquisadores da área mostra que, atualmente, 17 estados já encaminharam seus referenciais para os conselhos estaduais de educação; 5 já homologaram os currículos e estão em fase de preparação de materiais; e 5 estão em processo de consolidação. A professora alertou que há características em comum em todos os modelos estaduais, inclusive no Distrito Federal. “Todos os currículos passaram por consultas públicas formais, do tipo passar a boiada, como a do Paraná, para dizer que houve. O cenário da pandemia ajudou esse tipo de ação política sem participação da comunidade escolar. Como é que você contribui com um documento que tem mais de mil páginas? Individualmente, sem passar por um debate na escola?”, indagou.

Outro ponto em comum nos referenciais é a previsão de parcerias com a iniciativa privada. Segundo a professora, 17 estados já fizeram parcerias com institutos e fundações privadas, “inclusive o Paraná, para produzir materiais, formar professores e implementar a reforma do ensino médio”. “Nós passaremos a ter, no Brasil, algo que nunca tivemos: que é um ensino médio público, de oferta público-privada. Quando a lei coloca que até 30% pode ser EAD [educação à distância], ofertado em parceira pelo setor privado com recurso público, vai ser o setor privado que vai oferecer EAD no ensino médio público. Vai ser o setor privado que vai oferecer, com recurso público, o itinerário técnico-profissional. Então, nós vamos inaugurar um tipo de privatização que até hoje nós não temos: que é a oferta privada da matrícula pública”, constatou.

Mônica Ribeiro ainda alertou sobre a substituição das disciplinas clássicas pelo empreendedorismo, educação financeira, projeto de vida, trilhas e disciplinas optativas, proposta de ensino classificada por ela como “a fragmentação dentro da fragmentação do currículo” e que representa, segundo Edinéia Chilante, o “esvaziamento do conteúdo” – que já foi iniciado em 2021 no Paraná, com a redução da carga horária das disciplinas das humanidades (filosofia, sociologia e artes, para a inclusão da disciplina de educação financeira.

Diálogo com os governos
Participante das ocupações de 2016, quando ainda estava no ensino fundamental, Tais Carvalho, presidente da UPES, lembrou que as escolas foram ocupadas com o objetivo de buscar o diálogo com os governos federal e estadual. “Nós estávamos lá com um único objetivo: lutar pela educação. Estamos dentro das escolas e vivenciamos a realidade das escolas públicas. [As ocupações] foram um pontapé importante, não conseguimos barrar a MP [medida provisória], mas conseguimos mobilizar os estudantes. Só aqui no Paraná foram mais de 800 escolas envolvidas. A juventude se organizou e defendeu com unhas e dentes o seu direito, que é o acesso à educação”, destacou.

Para a estudante, uma das realidades mais difíceis enfrentadas pela comunidade escolar é a redução da matriz curricular das disciplinas de artes, filosofia e sociologia. “Matérias extremamente importantes e necessárias para nossa formação, que hoje são reduzidas para implementação de educação financeira que é o que esse governo quer: uma educação voltada aos moldes do trabalho e não para formação cidadã.” Outra crítica da UPES é quanto ao “processo de militarização de mais de 200 escolas estaduais”, no qual, alegou Taís Carvalho, “os estudantes e profissionais de educação não puderam dialogar sobre isso”.

Secretária de Finanças da APP Sindicato, Walkiria Mazeto lembrou que desde que o projeto de lei que deu origem ao Novo Ensino Médio começou a tramitar no Congresso Nacional, a entidade buscou o diálogo para contribuir com a proposta. “Aqui no PR conseguimos que o estado fizesse 32 audiências públicas nos NREs [núcleos regionais de educação] e ocupamos as 32. E em todas elas o estado negou o modelo do chamado Novo Ensino Médio. O estado foi obrigado a dizer ao MEC, naquele período, que o Paraná não ia aderir a esse Novo Ensino Médio, porque nós conseguimos colocar, nas audiências públicas, essa resistência”, relembrou.

Segundo a professora, a comunidade escolar não tem a intenção de dizer “como tem que ser o modelo” e sim de pedir que o Paraná “engrosse um movimento nacional junto com outros estados, para dizer ao MEC que esse modelo não é possível”. Ao relatar ter participado de reunião recente entre a APP Sindicato e a SEED, Walkiria comentou que a pasta “demonstrou que não sabe o que fazer com os municípios que só têm uma escola ou duas, eles não sabem o que fazer com municípios que só têm uma escola do ensino médio, ou que têm escolas que ofertam ensino médio e ensino fundamental juntos, como é amplia a carga horária, como ajusta isso com horários e salas que não batem”.

“O número de problemas é maior que o número de soluções”, continuou a representante da APP Sindicato, ao reiterar que a vontade da entidade é que o Novo Ensino Médio não seja aplicado, mas que, caso o modelo seja realmente efetivado – para garantir que o estado cumpra a lei federal e garanta verbas federais para os programas de educação – que tenha “o menor impacto para os estudantes”. Também participou do debate o ex-vice-presidente da UPES, Marcelo Miranda. O CEE/PR e a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte foram convidados para a audiência pública, mas não enviaram representantes.

Encaminhamentos
Além da necessidade de retomar o debate sobre o Novo Ensino Médio com toda a sociedade paranaense, os participantes ainda deliberaram sobre os seguintes encaminhamentos: fortalecimento da Conape (Conferência Nacional Popular de Educação); elaboração de uma moção de apoio às disciplinas de filosofia, artes e sociologia; articulação com outras câmaras municipais do estado para a realização de audiências públicas como essa; divulgação da reforma, para produção de informação e articulação da visibilidade do ensino médio; e articulação de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná.