Na CMC, jovens com deficiência pedem mais acessibilidade e inclusão
Pela primeira vez, o projeto Jovens Autodefensores esteve na CMC para participar da uma atividade chamada "Ação Legislativa". (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Livros em braile, intérpretes para atendimento a pessoas surdas, pisos táteis e competições esportivas mais inclusivas. Essas foram algumas das demandas apresentadas por um grupo formado por oito jovens com deficiência à Câmara Municipal de Curitiba (CMC), em reunião realizada no Palácio Rio Branco nesta quinta-feira (5). Chamada de “Ação Legislativa”, a atividade integra mais uma edição do projeto Jovens Autodefensores, promovido pelo Departamento dos Direitos da Pessoa com Deficiência da prefeitura.
O encontro foi mediado pelo presidente da Comissão de Acessibilidade e Direitos da Pessoa com Deficiência, Pier Petruzziello (PP), conforme requerimento 067.00003.2022. O projeto Jovens Autodefensores foi implantado no ano passado com o objetivo de promover o protagonismo e a inclusão de jovens com deficiência. “A autodefensoria (self-advocacy) é a habilidade de representar a si mesmo, conhecer seus direitos e responsabilidades, fazer suas escolhas de vida e defender seus direitos diante da sociedade”, informa o departamento da prefeitura.
Com idade entre 15 e 24 anos, cinco dos oito jovens que integraram o grupo nesta visita à CMC ocuparam a Tribuna Bento Munhoz da Rocha – a mesma usada pelos vereadores e vereadoras da cidade durante debate e votação dos projetos de leis – para relatar suas experiências e propor políticas públicas que possam fomentar a inclusão na sociedade e melhorar a acessibilidade na vida urbana.
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O que eles querem
Aluno do 2º ano do ensino médio, Roberto Barcelar Junior é autista e pediu mais acessibilidade, como a ampliação de pistas táteis pela cidade, a identificação de linhas e rotas do transporte coletivo nos pontos de ônibus e estações-tubo e a realização de atividades esportivas adaptadas para pessoas com deficiência. “Ele gosta muito de andar nas pistas táteis para pessoas com deficiência visual. E ele não entende por que elas terminam, por que não tem em alguns espaços. [...] Ele também se questiona como uma pessoa com deficiência visual sabe quais os ônibus param naquele ponto”, explicou Ledinalva Almeida, mãe do estudante, que tem 16 anos de idade.
Outra demanda apresentada por ele foi o combate ao bullying nas escolas e para que as ações de conscientização sejam segmentadas, conforme cada tipo de deficiência. Segundo sua mãe, esse ano foi a primeira vez que o filho sofreu um início de bullying na escola, por causa da sua forma de andar e das estereotipias. “Ali o Roberto se deparou com algo difícil. [A situação] foi contornada. A escola fez um trabalho bem bacana [de orientação], mas ali teve o início do bullying".
Claudio Augusto Geanezini, que também tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), pediu que os vereadores fiscalizem a manutenção de calçadas irregulares e a inclusão de pais ou responsáveis por PCDs no público-alvo preferencial de campanhas de vacinação. “Temos que andar nas ruas. Principalmente no bairro Capão da Imbuia, tem bastante calçadas nessas condições. [...] [Também precisamos de] uma lombada em frente à AABB, nos dois sentidos, para facilitar a travessia, [lá é] onde fica o projeto para PCDs”, explicou.
Com 17 anos e desde os 9 anos praticando natação, o jovem ainda defendeu que o esporte na cidade seja mais inclusivo. “Tenho dificuldades de interação e socialização e, para melhorar nisso, preciso participar de eventos, campeonatos, ter acessibilidade e direito à inclusão”, completou, argumentando na sequência que não há uma categoria para autistas nas competições da capital e que, por isso, ele é “barrado, proibido e excluído” nesses campeonatos.
Já Higor Cordeiro, também de 17 anos, relatou sua realidade como uma pessoa surda. Segundo ele, é difícil se comunicar em Curitiba, porque não existem intérpretes de Libras. “No médico, no banco, em diversos lugares na cidade de Curitiba, é muito difícil a comunicação. Como que o surdo vai oralizar, vai falar? Então, o surdo precisa de um intérprete. Isso é comunicação, é respeito. Para um surdo, com um intérprete, fica muito fácil, a comunicação é perfeita e evita muitos erros”, afirmou.
“Tinha que ter pelo menos braile nos livros”, emendou Adélia, de 15 anos. Ela é cega e reclamou que nas livrarias da cidade ela não encontra livros adaptados em braile. De acordo com a coordenadora do Departamento dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Fernanda Primo, só é possível ter acesso a obras literárias em braile de forma filantrópica, quando a impressão é feita por entidades. “A Adelia gosta de filosofia, mas os únicos livros encontrados nas livrarias são infantis, não tem livros técnicos, de filosofia. Ela tem muitos questionamentos e gostaria de fazer as leituras com autonomia”, emendou. “Eu queria muito que tivesse piso tátil, como nesse lugar que eu estou aqui agora [se referindo ao Palácio Rio Branco, sede do Legislativo]”, concluiu a estudante.
Trabalhar pela inclusão
As sugestões levantadas pelo grupo foram ouvidas atentamente por quem estava no plenário. Diretora do Departamento dos Direitos da PCD, Denise Moraes destacou a importância da presença desses jovens no espaço onde as leis da cidade são pensadas, propostas, debatidas e votadas. “Nosso objetivo é que esses jovens, amanhã adultos com deficiência, possam ser protagonistas de suas vidas. Possam ter voz. A gente começa a modelar, a motivá-los, agora, na adolescência”, afirmou. “A gente tem ideias muito ricas. Acho que se esses jovens fossem responsáveis pela cidade, a cidade seria melhor ainda”, complementou Fernanda Primo.
“Essa pauta é uma oportunidade de aprendizado. A gente sempre tenta absorver e entender esse universo. Esse conceito, de autodefensores, eu escuto pela primeira vez. A gente tem que se preparar para saber como conviver, como agir. Quero tentar ajudar e somar”, respondeu o vereador Mauro Bobato (Pode), que acompanhou toda a atividade. No mesmo sentido, Pier Petruzziello lembrou que a CMC tem, gradativamente, adotado medidas para incluir as PCDs em suas ações e citou como exemplo a tradução das sessões plenárias em Libras – adotada em 2021.
“O trabalho em prol das pessoas com deficiência é constante e não pára, porque a demanda é grande e as pessoas pouco conhecem. [...] Sempre haverá alguém olhando. Eu tenho uma deficiência física, não é intelectual, mas não deixa de ser uma deficiência. A gente procura sempre estar olhando para frente e buscando os caminhos para uma sociedade inclusiva de uma forma real. Não só no discurso, porque discursar é fácil, mas de uma forma prática e efetiva”, finalizou o presidente da Comissão de Acessibilidade, que se comprometeu a analisar todas as demandas apresentadas e dar o encaminhamento adequado dentro do Legislativo.
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