Artesãos pedem manutenção do funcionamento da Feira do Largo da Ordem
A audiência pública foi coordenada pelo gabinete parlamentar de Marcos Vieira. (Foto: Carlos Costa/CMC)
O ano de 2020 teve 52 domingos, mas em apenas 23 deles os artesãos e artesãs da Feira do Largo da Ordem puderam trabalhar, vender seus produtos e garantir a renda de suas famílias. Em razão da pandemia da covid-19, a feira ficou cinco meses suspensa no ano passado. Em 2021, até agora, somente funcionou em seis domingos. Para evitar com que eles acumulem mais prejuízos, segmento defendeu em audiência pública nesta segunda-feira (19), que a feira passe a funcionar independente das medidas restritivas adotadas no município nas bandeiras laranja ou amarela.
Coordenado pelo gabinete parlamentar do vereador Marcos Vieira (PDT) (407.00007.2021), o debate ocorreu de forma virtual, reunindo não só os representantes dos artesãos que trabalham na Feirinha do Largo, mas também da prefeitura, do Conselho Municipal de Cultura e do SEBRAE-PR. O pedido para que a feira não volte a ser suspensa nas bandeiras laranja ou amarela está em uma carta assinada pelo segmento que foi apresentada durante a audiência pública e que é ao Poder Executivo e à Câmara Municipal de Curitiba (CMC).
O documento foi lido pela artesã Tiemi Takahashi, que trabalha no Largo da Ordem há 23 anos. Na carta, os artesãos afirmam que “pagam pelos que fazem aglomeração ou que podem trabalhar durante a semana”, já que o definido pela Prefeitura de Curitiba para o “lockdown” é o domingo – dia em que a feira é realizada há quase 50 anos. No formato original, a feira conta com 1.300 barracas, mas em decorrência da pandemia, quando é autorizada a funcionar, está reduzida a cerca de um terço do seu tamanho.
“Em 2020 a feira ficou suspensa por 5 meses. O retorno foi em regime de rodízio, com a alternância de sábados e domingos. Depois, passou a média de 450 barracas por domingo e o sábado também foi liberado, mas com pouca adesão”, relatou Takahashi. “Para o comércio em geral, supermercados e shoppings, [fechar] um dia a menos não pesa tanto como para nós, que temos o nosso dia oficial aos domingos. Os artesãos dependem exclusivamente da venda do seu trabalho para comprar insumos, pagar impostos, pagar aluguel, cobrir as despesas de seu negócio e de sua família. Muitos de nós artesãos, produzimos no decorrer da semana boa parte do que vendemos no final da semana”, continua o documento.
Artesã e feirante há 40 anos, Angela Coraiola defendeu que boa parte das pessoas que trabalham no local são mulheres, chefes de família, que não têm outra fonte de renda. “Negar nosso dia de domingo para nos manter é muito cruel. Precisamos de um olhar mais detalhista e humano. Temos uma profissão, temos um local para vender e um dia insubstituível, que é os domingos. A Feira do Largo é patrimônio imaterial de Curitiba. É nosso tesouro. Esse título foi conquistado ao longo de quase cinco décadas. Com o fechamento do Largo aos domingos estamos desempregados”, emendou.
Como argumento para a manutenção do funcionamento da feirinha, Odair Marlier, artesão há 37 anos, citou pesquisa desenvolvida por cientistas de universidades como USP, Unicamp, Fiocruz e UFRJ, “que aponta hospitais, unidades de saúde e mercados como super propagadores de coronavírus”. “O ponto mais surpreendente da pesquisa é que a feira livre da cidade [Maragogi/AL], que chegou a ser suspensa no começo da pandemia, não contribuiu para alastrar o vírus”, disse, se referindo ao município de onde os dados dos pesquisadores foram coletados. “Atualmente é melhor um passeio ao ar livre do que em local fechado. Portanto, nossa feirinha de domingo tem que ser protegida”, pediu.
Na carta, os artesãos e artesãs também pleiteiam um auxílio emergencial municipal como ajuda financeira para o pagamento de dívidas acumuladas e suprir a perda de renda em função da suspensão da feira aos domingos.
Respostas do poder público
Coordenadora das Feiras de Artesanato do Instituto Municipal de Turismo (IMT), Tangrian dos Santos lembrou que 2020 foi um ano difícil, sobretudo porque a feira foi fechada pela primeira vez depois de quase 50 anos de funcionamento. Sobre o pedido pela manutenção do funcionamento da feira nas bandeiras laranja ou amarela, ela respondeu que não há como atendê-lo, e apontou como alternativa a abertura permanente aos sábados, como já vem ocorrendo de forma pontual.
“Quando a gente tá em bandeira vermelha, tudo fecha, não tem nem como questionar. A gente não consegue dizer hoje com segurança que domingo que vem nós vamos funcionar. Eu, coordenadora de feiras, não posso dizer isso. Seria irresponsável. Mas eu, e o Instituto de Turismo, sempre estaremos buscando para que vocês trabalhem no domingo que vem”, complementou, ao também garantir que a Feira do Largo da Ordem “nunca vai deixar de ser fixa no domingo” e que as ferramentas online servem para agregar o trabalho que é feito presencialmente. “O site, nunca [foi para] substituir a feira de vocês. Nunca ninguém quis tirar a feira. É agregar. As redes sociais estão aí para agregar, para somar. A gente sabe o quanto é importante a feirinha acontecer, as pessoas circularem.”
Representando a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) e o Conselho Municipal de Cultura, Elton Barz orientou que a criação de um auxílio emergencial para o segmento é possível, mas depende de legislação específica, que pode ser apresentada pela prefeitura e precisa passar pela Câmara de Vereadores. “Não existe isso aprovado. Nós só podemos trabalhar com aquilo que é permitido por lei. Mas acho que é [necessário] um esforço para estabelecer [o auxílio] e procurar exemplo. Sou crédulo, acho que vai liberar mais recursos da [Lei] Aldir Blanc. Vai vir alguma coisa nacional e [devemos] lutar para que seja democrático e chegue para a maior parte dos fazedores de cultura.”
Segundo Marcos Vieira, a Prefeitura de Curitiba já foi provocada pela CMC para que busque a implantação deste auxílio aos feirantes, a partir de uma sugestão feita por ele (201.00029.2021) e aprovada pelos vereadores no dia 29 de março. O parlamentar ainda informou que protocolou projeto de lei que institui o Circuito Cultural Municipal de Artes Visuais – CMAV, com o objetivo de criar um circuito de exposição de artistas locais nos espaços públicos e privados de uso comum na cidade (005.00117.2021).
Lei Aldir Blanc
Durante a audiência pública, também foi debatida a execução da Lei Aldir Blanc (lei federal 14.017/2020). Em vigor desde junho do ano passado e regulamentada pelo decreto federal 10.464/2020, a norma prevê auxílio financeiro ao setor cultural e apoio aos profissionais da área que sofreram com impacto das medidas de distanciamento social por causa do coronavírus. Quando da sua sanção, a previsão do governo federal era liberar R$ 3 bilhões para estados e municípios para a manutenção de espaços culturais e editais públicos e ainda para o pagamento de um auxílio emergencial, em três parcelas, para quem teve suas atividades interrompidas.
Na opinião de Elton Braz, a legislação foi uma das maiores conquistas da classe cultural do país. “Estamos criando o SUS da Cultura. Foi a maior transferência fundo a fundo, [a partir de] um movimento grande da sociedade civil, passou pelo Congresso, e a demora para a regulamentação foi grande, criando dificuldades para o gestor efetivar. Chegou dia 31 [de dezembro] e todo o dinheiro empenhado foi bloqueado. O Paraná só conseguiu efetivar 15%, colocando bastante dinheiro na modalidade número 1, para receber R$ 600,00”, disse.
Acima do experiência do estado, o presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Piraquara, Angelo Stroparo trouxe o exemplo da cidade vizinha que conseguiu angariar recursos, através da Lei Aldir Blanc, para 42 espaços culturais e microempreendedores, “alguns artesãos, inclusive que apresentam trabalhos na Feira do Largo da Ordem”. De acordo com ele, foi possível fazer um repasse da quase totalidade dos recursos disponíveis para o município apesar do prazo apertado para adequação à política pública. “A gente chegou perto de 99% de repasse e várias categorias dentro do segmento foram contempladas”.
“Curitiba conseguiu fazer uso de cerca de 80% dos recursos da Lei Aldir Blanc e precisa ver o que foi feito onde deu certo para trazer para o município”, complementou Marcos Vieira. Também participaram do debate Izamara Carniatto, representando o SEBRAE/PR; e Wilson Guimarães, artesão. A audiência pública está disponível, na íntegra, no canal da CMC do YouTube.
Moção de apoio
Na sessão plenária desta terça-feira (21), na segunda parte da ordem do dia, o plenário aprovou uma moção de apoio – apresentada por Marcos Vieira e outros oito vereadores – à reivindicação das entidades e coletivos do setor artístico/cultural do Paraná pelo repasse dos recursos da Lei Aldir Blanc através de bolsas cultura (416.00011.2021). Coautora do requerimento, Professora Josete (PT) frisou que dos R$ 71,9 milhões destinados ao estado, R$ 55 milhões não foram repassados para os trabalhadores do setor “em decorrência de um modelo de seleção por editais, que se mostraram excludentes, apresentando muita burocracia, exigindo-se itens como currículo, mérito, certidões negativas”, algo que, segundo ela e os pares que assinam a moção, é “incompatível com o caráter emergencial do repasse e com o contexto enfrentado”.
Já em relação à Curitiba, continuou a parlamentar, dos R$ 11,9 milhões repassados, R$ 2,7 mi ainda não foram usados, restando 22,8% dos recursos para a Prefeitura de Curitiba distribuir. “Reinvidica-se, na mesma linha do solictado para o Estado, que esse valor ainda não utilizado possa ser distribuído no formato desse projeto de bolsas cultura, de forma emergencial, atendendo individualmente às trabalhadoras e trabalhadores da arte e da cultura da nossa cidade”, finalizou. Além de Marcos Vieira e da vereadora, também assinam o requerimento Carol Dartora (PT), Maria Leticia (PV), Mauro Ignácio (DEM), Noemia Rocha (MDB), Professora Josete (PT), Professor Euler (PSD), Renato Freitas (PT) e Tito Zeglin (PDT).
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba