Na 1ª audiência pública, ProMulher debate reabertura das maternidades de Curitiba
A audiência pública aconteceu na noite desta quinta-feira (4) e foi totalmente online. (Foto: Carlos Costa/CMC)
A ProMulher - Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu, nesta quinta-feira (4), sua primeira audiência pública. Com o tema “Parto humanizado e reabertura das maternidades” (407.00034.2021), o debate foi no formato online, com transmissão pelas redes sociais do Legislativo, e reuniu representantes da Prefeitura de Curitiba, Tribunal de Justiça do Paraná, Defensoria Pública do estado e especialistas na temática. No cerne da discussão, os problemas causados pelo fechamento das maternidades de referência da capital paranaense: Bairro Novo e Victor Ferreira do Amaral.
Procuradora da Mulher, Maria Leticia (PV) coordenou a mesa de debates e analisou que a pandemia da covid-19 marcou profundamente a política pública de assistência às gestantes de Curitiba na medida em que o plano de contingência ao enfrentamento da emergência de saúde pública fechou as duas maternidades que eram referência no parto humanizado na cidade. O que era para ser uma medida temporária, na avaliação da vereadora, acabou se transformando em “pretexto para um desmonte” de um trabalho implantado há 20 anos.
Conforme a Rede Feminista pela Saúde, representada na discussão por Camila Daltoé, juntas as maternidades Victor Ferreira do Amaral e Bairro Novo realizavam cerca de 3.500 consultas e 500 partos por mês. Em média, 80% dos partos eram normais. Somados a estes dados, a unidade de referência na região Sul da cidade funcionava como espaço para o ensino da enfermagem obstetrícia do Paraná e quase 100% das gestantes recebiam, no local, métodos não farmacológicos para alívio da dor. A Bairro Novo também monitorava 45 indicadores relacionados a boas práticas de atenção ao parto e nascimento.
Ex-diretora da Maternidade Victor do Amaral e diretora social da Sogipa (Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná), Lenira Gaede lamentou que todo o trabalho investido no parto humanizado na unidade – implantada há cerca de 20 anos – foi interrompido pela pandemia e a expectativa de que a maternidade voltasse a atender na sua especialidade em dois ou três meses foi frustrada. Sua preocupação com a demora na reabertura das duas maternidades foi reforçada por Camila Daltoé, ao analisar que Curitiba está perdendo importantes espaços de referência, o que leva à redução de práticas humanizadas de atenção e atendimento de gestantes e bebês.
Sem maternidades: violências
Coordenadora da Cevid (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar) do Tribunal de Justiça do Paraná, a desembargadora Ana Lúcia Lourenço argumentou que a valorização do parto humanizado precisa ser considerada pelo poder público porque, “inegavelmente aumenta a autonomia e o poder de decisão da mulher”. “As mulheres hoje enfrentam mal atendimento, proibição da presença dos acompanhantes e equipes não treinadas para a realização do parto humanizado. E hábitos inadequados que reproduzem a violência obstétrica podem estar sendo retomado”, reforçou a procuradora da Mulher da CMC.
Enquanto as gestantes de todo o estado do Paraná aguardam a regulamentação da lei estadual 19.701/2018, que trata da violência obstétrica, as grávidas de Curitiba também têm sofrido, segundo as participantes da audiência pública, com o descumprimento da lei federal 11.108/2005, conhecida como a Lei do Acompanhante. Coordenadora do Nudem (Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher) da Defensoria Pública do Estado do Paraná, Mariana Nunes relatou que as gestantes estão sendo proibidas de serem acompanhadas nas três fases do parto e esta é apenas uma das denúncias que chegam ao órgão.
Para tentar minimizar os problemas decorrentes do fechamento das maternidades, a Defensoria Pública ingressou, em 2020, com uma ação civil contra a Prefeitura de Curitiba pedindo a reabertura das unidades. “A ONU destacou, já em março de 2020, a preocupação de que as medidas para mitigar as consequências da covid-19 pudessem ter um efeito desproporcional para mulheres e meninas, uma vez que em resposta à crise, os recursos destinados à prevenção da saúde das mulheres, poderiam ser desviados, contribuindo para o aumento da mortalidade materna e neonatal, e agravamento dos casos de violência obstétrica, a exemplo do que aconteceu nos surtos de ebola e de zica. E foi efetivamente o que aconteceu em Curitiba: houve aprofundamento de desigualdades pré-existentes e ampliação dos impactos na vida de mulheres e meninas”, argumentou.
Na ação pública – cujo pedido de tutela cautelar foi negado em junho de 2020 pela 5ª Vara de Fazenda Pública de Curitiba e até o momento não foi julgado – o Nudem apontou que as mulheres estão sendo expostas aos riscos de contágio e aglomerações nos hospitais que absorveram as demandas das maternidades, como Hospital das Clínicas e Universitário Evangélico Mackenzie. “O que foi argumentado, na ocasião, é que existiam outras opções menos gravosas para dar conta deste novo problema de saúde pública e a opção da prefeitura foi criar um novo problema”, disse Mariana Nunes. Com avanço da vacinação, analisou, “há a necessidade de manter as maternidades fechadas?”.
Para além do atendimento humanizado às gestantes e parturientes, Renata Farah, presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB/PR (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná) fez um provocação em torno da assistência às mães que deixam as maternidades desses hospitais sem seus bebês. “Como é o atendimento da mulher curitibana quando perde um bebê, sofre um aborto ou quando a criança morre após o parto? Existem protocolos? […] Como é a violência depois? A mãe que perde o filho vai para um local separado ou fica no mesmo lugar com uma mãe com seu filho e ouve o bebê chorar?”, indagou.
Ao pedir a “urgente mudança do modelo de atendimento”, Alessandra dos Reis, enfermeira integrante da Abenfo (Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras do Paraná) defendeu que toda a sociedade ganha quando a gestante, a parturiente e a puérpera são atendidas a partir de um modelo obstétrico humanístico e não tecnocrata. Na sua visão, o debate pautado pela ProMulher, sobre o fechamento das maternidades e do impacto negativo para o parto humanizado, é muito maior: “estamos discutindo violência de gênero, uma violência que nós, mulheres, somos submetidas diariamente, de forma naturalizada. Afinal de contas somos mulheres e, como dizem, ‘as mulheres aguentam’.”
O que diz a SMS
Angela Leite Mendes, médica ginecologista e especialista em saúde reprodutiva, se posicionou como representante do Programa Mãe Curitibana - Vale a Vida, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Segundo ela, as adequações feitas na rede municipal de saúde foram necessárias para garantir o atendimento dos pacientes com problemas respiratórios e o atendimento das gestantes no SUS sempre foi “prioridade” na pasta. A Maternidade Victor Ferreira do Amaral foi realocada para dentro do Hospital das Clínicas; já em relação à Bairro Novo, as gestantes “foram remanejadas na referência de parto para unidades que já pertenciam e foram qualificadas pelo Mãe Curitibana”.
A representante do Executivo explicou, ainda, que a Maternidade Bairro Novo permaneça aberto mas presta atendimento a pacientes clínicos, crônicos e pós-covid, funcionando como retaguarda do Hospital do Idoso Zilda Arns. “Durante toda a pandemia não faltou assistência, com a garantia de atendimento nas maternidades. […] Os fluxos de atendimento estão continuamente sendo readequados, conforme orientações do Ministério da Saúde”, reforçou. As gestantes que precisam de atendimento de alta complexidade, continuou Mendes, são encaminhadas para os hospitais de referência e aquelas que são faltosas, seja para consultas, exames ou até mesmo para se imunizarem contra a covid-19, tem sido continuamente buscadas pela SMS.
Sobre o retorno do atendimento de referência no Bairro Novo, a representante do Mãe Curitiba afirmou que, “quando houver possibilidade, a maternidade passará por uma reforma e voltará a ser referência no atendimento do parto humanizado”. Resposta que não foi satisfatória para os presentes na audiência pública. “O prefeito alega que a unidade está sendo reformada, mas a obra não tem prazo para ser concluída. A Maternidade Victor do Amaral também teve seu atendimento de referência descontinuado e até o momento não há previsão de retorno. A SMS alega que o atendimento foi devidamente absorvido por outras unidades da rede municipal de saúde, mas sem trabalho 100% dedicado ao parto e suas particularidades”, analisou Maria Leticia. “Se vai haver uma reforma, qual o prazo? Já foi iniciada? É preciso garantir a transparência neste processo. Ganhos limitados de igualdade de gênero não devem ser perdidos em função da pandemia da covid-19”, emendou a defensora pública, Mariana Nunes.
Ao final do debate, houve a indicação para que seja realizado um levantamento dos prontuários relativos aos óbitos maternos em Curitiba, a fim de uma análise com profundidade possa ajudar a enfrentar o problema. A ProMulher se comprometeu a viabilizar este trabalho. “Vamos encaminhar a criação de um grupo de trabalho com representantes do Executivo e de toda sociedade civil, para que essas questões sejam encaradas com a devida atenção que merecem”, finalizou a procuradora da Mulher da Câmara Municipal de Curitiba.
Além das autoridades e especialistas citados, também participaram da discussão a procuradora-adjunta da Mulher, Noemia Rocha (MDB); a segunda secretária da CMC, Professora Josete (PT), e os vereadores Indiara Barbosa (Novo) e Mauro Bobato (Pode). Cristina Silvestre (Cidadania), deputada estadual e procuradora da Mulher da Assembleia Legislativa do Paraná também acompanhou a discussão. Confira aqui a íntegra da audiência pública da ProMulher.
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