MiguéNews: do projeto da “máquina de votar” à urna eletrônica
“A apuração do último pleito eleitoral, realizado o ano passado, por escolha da assembleia constituinte, foi trabalho que excedeu ao máximo que se pôde exigir das resistências humanas.” Dessa forma, em 1934, o Jornal do Brasil, com sede no Rio de Janeiro (RJ), naquela época a capital do Brasil, noticiava o caos registrado um ano antes. “Algumas turmas apuradoras, logo nos primeiros dias, tiveram que funcionar 28 horas consecutivas, deixando aniquilados os que dela faziam parte”, acrescentou a reportagem.
Segundo o jornal, a apuração, em alguns locais do país, havia durado “apenas” 48 dias. No estado de São Paulo, chegou a 90 dias. Na capital, foram três meses. A esperança, relatada à publicação pelo desembargador Vicente Piragibe, vice-presidente do Tribunal Eleitoral do Rio, era que já no próximo pleito fosse adotado o uso da “máquina de votar”, previsto no primeiro Código Eleitoral do país, de 1932. Caso contrário, acreditava o magistrado, “dificilmente iremos encontrar” mesários que topem fazer parte do “imenso sacrifício”.
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O Código Eleitoral de 1932, do governo de Getúlio Vargas, que também implantou a Justiça Eleitoral, o voto secreto e o direito de as mulheres irem às urnas, previa “o uso das máquinas de votar, regulado oportunamente pelo Tribunal Superior”. A ideia, ao dispensar o uso das cédulas de papel, era trazer segurança ao processo eleitoral e agilidade à apuração.
No entanto, foram 64 anos até que o sistema saísse do papel, nas eleições de 1996. Curitiba foi uma das 57 cidades, entre capitais e municípios com mais de 200 mil habitantes, a testarem a inovação. E só no pleito municipal de 2000 todos os brasileiros tiveram acesso à tão sonhada urna eletrônica - hoje sob os holofotes das fake news sobre o processo eleitoral. Se as urnas eletrônicas começaram a ser utilizadas no Brasil há 26 anos, por que essa desconfiança agora? Primeiro, vamos conhecer um pouco dessa história.
A chegada das urnas eletrônicas
Previsto no Código Eleitoral Brasileiro de 1932, o “uso da máquina de votar” só começou a sair do papel muito tempo depois, na década de 1960, com a invenção da urna mecânica, por Sócrates Puntel. Entretanto, o modelo não era acessível e o transporte pelo país seria inviável. O modelo de Puntel está exposto no Museu do Voto, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
As eleições americanas de 1960, porém, já inovaram: uma máquina dentro de uma cabine, que só funcionava quando a cortina que a protegia estava fechada. Entretanto, avaliou-se que o sistema não poderia ser trazido para o Brasil, uma vez que cada equipamento possuía um número muito limitado de candidatos cadastrados e custava cerca de US$ 1,7 mil.
O pontapé da votação eletrônica foi o processo de informatização da Justiça Eleitoral, a partir 1985, com a criação do cadastro único e o recadastramento digital de cerca de 70 milhões de eleitores brasileiros. Até então, o cadastro era responsabilidade de cada Tribunal Regional. O objetivo da ação foi diminuir as chances de fraudes, como eleitores com mais de um registro (em diferentes estados) ou o registro de pessoas já falecidas.
Em 1994 - mais de 60 anos depois do primeiro Código Eleitoral -, foi aplicada a totalização informatizada dos votos. Ou seja, mesmo que os votos, naquelas eleições, tivessem sido apurados manualmente, foram digitados e totalizados por computadores.
O acesso à sonhada "máquina de votar” veio apenas em 1995, com a criação do chamado Coletor Eletrônico de Votos (CEV). Neste modelo, o voto era impresso e depositado em uma urna plástica, junto à máquina, que exibia a foto do candidato (apenas dos cargos majoritários). Nas eleições municipais de 1996, cerca de 32% do eleitorado brasileiro pôde votar por meio da nova urna. Na época, apenas o Rio de Janeiro adotou a urna eletrônica em todos os seus municípios.
A partir de 2008, outro avanço: foi implantada a identificação biométrica do eleitor, visando aumentar a segurança do processo. Inicialmente, foram três municípios sorteados para testar a biometria: São João Batista (SC), Colorado do Oeste (RR) e Fátima do Sul (MS). Hoje em dia, a tecnologia também já está disponível para todo o Brasil.
Curitiba vai às urnas
Em janeiro de 1932, quando Manoel Ribas assumiu o cargo de interventor do Paraná e discursou no Palácio Rio Branco, na época sede dos trabalhos dos congressistas estaduais, ele defendeu os benefícios que o Código Eleitoral traria para o Brasil. “Sem uma lei que assegure a verdade eleitoral, não teremos a representação verdadeira [...]. Penso que o Código Eleitoral constitui a maior conquista da Revolução, pois assegura a liberdade de opinião”, afirmou.
Nem imaginava, então, que 64 anos após o discurso, a população de Curitiba estaria entre as 57 cidades brasileiras a registrar o voto em uma máquina, como sonhava o antigo Código Eleitoral, e não na antiga cédula de papel. Em 3 de outubro de 1996, a capital e Londrina foram os únicos municípios do Paraná a testar a urna eletrônica, durante o pleito municipal.
E, como era a primeira vez que as urnas seriam usadas, o estado se mobilizou para que tudo desse certo no dia da votação e garantir a aprovação da população. Jornais, como o “Diário Popular” e a “Gazeta do Povo”, publicaram instruções de como as urnas funcionavam. A redação da “Gazeta” inclusive recebeu uma equipe do TRE-PR com uma urna eletrônica, para familiarizar os jornalistas.
O TRE-PR também realizou cursos, ensinando o eleitor a usar a nova tecnologia. Além disso, aspirantes às 37 cadeiras da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) - atualmente são 38 - aproveitaram da novidade para suas campanhas. Um candidato que representava os donos de farmácias da cidade, por exemplo, espalhou urnas por estabelecimentos do setor, com o objetivo de ensinar as pessoas a votar. Candidatos que não possuíam acesso ao equipamento usaram o famoso boca a boca, percorrendo a cidade e ensinando a população de forma didática, como foi o caso de Mozar Ângelo Rodrigues.
De forma geral, as urnas eletrônicas foram um sucesso. Prefeito eleito naquele ano, Cássio Taniguchi aprovou a máquina, definindo-a como “mais um instrumento a favor da democracia”. Angelo Vanhoni, outro candidato à Prefeitura de Curitiba, afirmou que a urna era “maravilhosa” e que o Tribunal Superior Eleitoral “estava de parabéns”.
Apenas 150 urnas, no Paraná, tiveram problemas, totalizando cerca de 10% das máquinas utilizadas. Segundo o jornal “Diário Popular”, cerca de 3% dos casos foram ocasionados por algum erro humano. A eficiência do voto digital também ajudou na hora da apuração: em Curitiba e Londrina, os resultados saíram no mesmo dia das eleições. Taniguchi foi eleito no primeiro turno, com 54,6% dos votos. Na CMC, o índice de renovação foi de 15 das 37 cadeiras.
MiguéNews
As reportagens históricas sobre as fake news são parte da primeira temporada do MiguéNews, projeto especial para ajudar a combater a disseminação de informações falsas no processo eleitoral, fruto do convênio com Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR). Também fazem parte do Nossa Memória, iniciativa implementada pela Diretoria de Comunicação da CMC, em 2009, para preservar e valorizar a história do Legislativo e da capital paranaense, já que ambas se entrelaçam.
Para demonstrar a segurança do voto eletrônico, uma audiência pública do TRE-PR, nesta quinta-feira (18), às 14h, abrirá a urna, explicando como o equipamento funciona. A Diretoria de Comunicação estará lá, para acompanhar a atividade. Fique de olho!
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**Confira aqui as referências da pesquisa histórica para esta matéria.
*Notícia elaborada pela estudante de Jornalismo Sophia Gama*, especial para a CMC
Supervisão do estágio: Fernanda Foggiato
Edição: Fernanda Foggiato
Revisão: Vanusa Paiva
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba