MiguéNews: a psicologia por trás das fake news

por Sophia Gama*, especial para a CMC — publicado 26/09/2022 15h50, última modificação 24/11/2022 18h52
Que as fake news vieram para ficar, todo mundo já sabe, mas por que elas ainda conseguem enganar tantas pessoas?
MiguéNews: a psicologia por trás das fake news

As fake news são feitas para mexer com as emoções do indivíduo, fazendo com que este aja de forma irracional ao compartilha-las. (Arte: Emily Curbani/CMC)

Se a mentira tem perna curta, como ela corre tão rápido? E, se todo mundo já sabe o que são fake news, por que elas são ainda tão compartilhadas? Um estudo, de 2018, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, em inglês) apontou que, nos Estados Unidos, as notícias falsas se espalhavam 70% mais rápido do que as informações verdadeiras.

Dando continuidade à série de matérias do MiguéNews, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) quer entender o porquê - mesmo com todas as informações disponíveis - de as notícias falsas ainda apresentarem uma ameaça. Afinal, o que leva alguém a compartilhar algo, muitas vezes, tão absurdo?

Conversando com a CMC, o psicólogo e professor universitário Willian Mac-Cormick Maron explica que as fake news são produzidas para evocar uma paixão naquele que lê, ou seja, provocar sensações irracionais. “Essas fake news movimentam paixões, questões nossas, que já estavam lá aprofundadas, e ganham potência assim”, conta Maron.

É importante ressaltar que, tecnicamente falando, quando tratamos de uma paixão do indivíduo, não é no sentido romântico da palavra, mas sim no sentido de sentimentos e convicções. Assim, conta o professor, quando vemos uma figura de liderança ou de respeito que representa e reafirma nossas convicções, tendemos a apoiá-la.

Então, o discurso reproduzido pelas informações falsas - independente de suas origens - apenas legitimam questões pessoais. Por isso, o indivíduo acreditaria nas fake news: pois deseja que elas sejam verdade por reafirmarem o que ele crê, por justificarem suas paixões.

Um estudo publicado pela revista Science, em 2018, reforça a fala do professor Maron, afirmando que o cérebro tende a absorver com mais facilidade ideias que confirmem suas opiniões, enquanto repele aquelas que são mais desafiadoras. Nas ciências humanas, Sigmund Freud e Émile Durkheim falam sobre uma “psicologia das massas”, que também pode ser usada para explicar o fenômeno das fake news, uma vez que certos grupos sociais só funcionam por serem completamente coesos - ou homogêneos - como uma massa.

Já Georg Simmel coloca que, em grandes aglomerações, o indivíduo se sente tomado por uma força independente do seu querer individual. De forma similar, Elisabeth Neumann explica o fenômeno em sua teoria sobre a Espiral do Silêncio, no qual a predominância de determinada informação faz com que ideias opostas não sejam expressas, seja por medo ou vergonha.

Também entrevistado pela CMC, o psicólogo Akim Neto fala sobre uma explicação que remete às teorias citadas: a necessidade de o indivíduo estar inserido em um “tecido social de informações”. Neto fala sobre a prática da fofoca e o quanto ela está enraizada em nossa sociedade. “Este comportamento mostra nossa necessidade de compartilharmos informações - mesmo sem averiguar sua veracidade”, explica.

“Estas duas informações são importantes para lembrarmos que a nossa espécie é social, ou seja, a manutenção de uma estrutura social, seja ela qual for, é um fator de sobrevivência para nós”, disse o psicólogo. Assim, quando compartilhamos uma notícia falsa, estaríamos alimentando esse tecido de informações.

De forma individual, então, a pessoa que compartilha uma fake news sente que está “cumprindo seu papel” como um emissário da verdade ou um soldado em uma guerra. Novamente, percebe-se que as pessoas que compartilham informações falsas o fazem por quererem que sejam verdade.

“É importante entender que a pessoa que divulga a fake news está em algum lugar dentro de um certo 'espectro': de um lado ela acredita na fake news, pois ela vai ao encontro ao seu discurso explicativo do mundo; de outro, ela tem consciência da mentira ou desinformação e a usa como uma arma”, ressalta Akim Neto. Por isso, dificilmente quem espalha fake news se arrepende, por acreditar estar fazendo o bem.

Neto ainda traz um conceito diferente dos já citados: a modernidade líquida, de Zygmunt Bauman. “Eu creio que o cenário atual fica melhor contemplado dentro da ideia de ‘guerra cultural’ e dentro da perspectiva de modernidade líquida. Atualmente, o cenário político e ideológico se mostra polarizado entre o 'bem' e o 'mal'. Nesse sentido, cada vez mais as pessoas assumem uma atitude de soldados a favor do bem e contra o mal”, afirma. “Junto com isso, a modernidade líquida é um cenário de incertezas constantes nas quais vivemos. O desmantelamento das estruturas antigas nas quais a sociedade estava alicerçada trouxeram muita incerteza e insegurança à pessoa comum”, completa o entrevistado.

Convivendo com as fake news
Apenas arranhando a superfície da psicologia e da sociologia, já é perceptível o quão enraizada a prática de inventar e espalhar boatos está na sociedade. Então, não, as fake news não vão sumir após as eleições ou quando o cenário de incerteza passar; elas vieram para ficar.

Isso não quer dizer que está tudo perdido; existem meios de combater a desinformação no dia a dia. Assim como a Câmara tem o MiguéNews, existem dezenas de outras iniciativas que trabalham diariamente na checagem de fatos e na produção de desmentidos. E é através da divulgação dessas iniciativas, da democratização do acesso e, principalmente, da educação midiática que será possível reduzir os malefícios com as fake news.

Gralha Confere
Uma das iniciativas de combate à desinformação no Paraná é o Gralha Confere, do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PR), projeto em que a CMC é parceira. O objetivo do Gralha é checar e desmentir informações a respeito do processo eleitoral (leia mais).

Nossa Memória
O Nossa Memória é uma iniciativa da Diretoria de Comunicação da CMC para preservar e recordar as histórias de Curitiba, do Paraná e também do Brasil. As reportagens sobre as Fake News são parte de uma série especial para ajudar a divulgar a parceria da Câmara com o projeto Gralha Confere, assim como espalhar o conhecimento sobre o assunto.

Restrições eleitorais
Em respeito à legislação eleitoral, a comunicação institucional da CMC será controlada editorialmente até o dia 2 de outubro. Nesse período, não serão divulgadas informações que possam caracterizar uso promocional de candidato, fotografias individuais dos parlamentares e declarações relacionadas a partidos políticos, entre outros cuidados. As referências nominais serão reduzidas ao mínimo razoável, de forma a evitar somente a descaracterização do debate legislativo.

Ainda que a Câmara de Curitiba já respeite o princípio constitucional da impessoalidade, há dez anos, na sua divulgação do Poder Legislativo, publicando somente as notícias dos fatos com vínculo institucional e com interesse público, esses cuidados são redobrados durante o período eleitoral. A cobertura jornalística dos atos do Legislativo será mantida, sem interrupção dos serviços de utilidade pública e de transparência pública, porém com condicionantes (saiba mais).

Referências
https://mittechreview.com.br/fake-news-o-que-pode-ser-feito/

https://periodicos.ufpe.br/revistas/estudosuniversitarios/article/view/253131/41219

https://veja.abril.com.br/saude/por-que-o-cerebro-tem-facilidade-para-aceitar-fake-news/

*Notícia elaborada pela estudante de Jornalismo Sophia Gama*, especial para a CMC, e Claudia Krüger.
Supervisão do estágio: Fernanda Foggiato
Revisão: Alex Gruba