Lockdown ainda é necessário porque vacinação é lenta, aponta pesquisador
Lucas Ferrante voltou a recomendar medidas mais restritivas, “até em âmbito estadual”. “Um lockdown de fato, restringindo a mobilidade urbana em até 80%”, assegurou. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
“Par todo esse mês [de junho] é esperado um aumento do número de casos”. O alerta foi feito pelo do pesquisador do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Lucas Ferrante, durante sua participação na Tribuna Livre desta quarta-feira (9). Esta foi a segunda vez que ele esteve na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) para apresentar estudos relacionados à pandemia da covid-19 feitos sob sua coordenação, por uma equipe de pesquisadores de quatro instituições federais – INPA, UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei).
Ferrante é biólogo e doutorando em Biologia pelo INPA e foi o primeiro autor de uma publicação na revista Science, que avisou sobre a ausência de eficácia do tratamento precoce e sua periculosidade, necessidade de fechamento dos transportes intermunicipal e interestadual para conter a pandemia no Amazonas e a classificação dos povos indígenas como grupo de risco da covid-19. Também assina publicação de agosto de 2020 na Nature Medicine, que apontou que Manaus vivenciaria uma segunda onda da doença.
Depois de participar na Tribuna Livre da CMC em março deste ano, quando recomendou a Curitiba a adoção de um lockdown de 21 dias para evitar a terceira onda de casos, o pesquisador retornou ao Legislativo hoje a convite de Renato Freitas (PT) (076.00025.2021). Nesta sua segunda explanação aos vereadores, ele frisou que há uma tendência de aumento de casos da covid-19 para junho e julho, com aumento drástica taxa de óbitos no início do próximo mês, “chegando a um pico de mais de 40 óbitos diários”. “A situação não tende a não chegar nos limiares de março e abril, mas qualquer afrouxamento, nesse momento, pode ampliar esta projeção de óbitos”, analisou.
O pesquisador comentou que a recomendação da nota técnica apresentada há três meses na CMC – que apontou a necessidade de um lockdown com isolamento superior a 90% para evitar uma projeção de 90 a 100 óbitos por dia na capital – foi parcialmente adotada adotadas reduziram pela Prefeitura de Curitiba, já que as medidas mantiveram uma taxa de mobilidade urbana entre 40 e 50%, com “picos de 60%”, e não em 90%, como o ideal. “O modelo de lockdown adotado freou os óbitos em mais da metade: se reduziu a mortalidade diária que era projetada para 90, para 40 óbitos diários. Isso, sem dúvida nenhuma, salvou mais de 1.500 vidas. [Nesse ponto] o isolamento foi extremamente eficiente”, frisou.
Para evitar que a cidade volte a contabilizar em média 40 mortes diárias em decorrência da covid-19, conforme o estudo apresentado nesta quarta, Lucas Ferrante voltou a recomendar medidas mais restritivas, “até em âmbito estadual”. “Um lockdown de fato, restringindo a mobilidade urbana em até 80%”, assegurou. “A taxa de vacinação em Curitiba foi considerada para o estudo. A vacinação em Curitiba, como em todo o Brasil, ainda é muito pequena. Se hoje fazem necessário as medidas restritivas, é justamente porque a vacinação está muito lenta”, argumentou.
Com relação às aulas presenciais, o convidado da Tribuna Livre orientou que o retorno híbrido ou presencial só será seguro apenas quando a vacinação atingir 90% da população, incluindo os jovens menores de 18 anos. “Estudo feito com medidas restritivas aplicadas em 41 países revela que o fechamento de escolas e universidades é a segunda medida mais eficiente para frear a transmissão comunitária do coronavírus, inclusive mais eficiente do que fechar as atividades não essenciais. Mostra claramente que as escolas não podem abrir antes do avanço massivo da vacinação”, defendeu.
Dúvidas sobre a pandemia
Após frisar que se a cidade ignorar as recomendações da pesquisa, haverá um aumento do colapso da saúde; um aumento expressivo de mortes; um aumento expressivo de sequelados; e o surgimento de uma nova variante, com possibilidade de ser resistente às vacinas, o biólogo respondeu dúvidas dos vereadores sobre os dados apresentados. Questionado por Maria Leticia (PV) sobre a segurança na vacinação para crianças, que já está ocorrendo nos EUA, o pesquisador informou que no Brasil, até que a vacinação atinga esta faixa etária, é possível que já se tenham mais dados sobre os riscos da imunização.
“Aqui em Curitiba a gente está nesse vai e vem de bandeira vermelha e bandeira laranja, o que pune muito os comerciantes, os cidadãos. Agora estamos com 102% dos leitos de UTI ocupados e retornando à bandeira laranja; e daqui a pouco a gente volta de novo a uma necessidade de fechamento [da cidade], que não é total”, observou Carol Dartora (PT), antes de pedir à Ferrante sua análise sobre esse cenário. Segundo ele, o “fenômeno gangorra” tem impacto negativo na economia maior do que a adoção de um lockdown rígido. “Um estudo do MIT [Massachusetts Institute of Technology] que avaliou outras pandemias, mostrou que localidades que aplicaram isolamento social mais rígido tiveram retorno precoce das atividades econômicas.”
A Dalton Borba (PDT) e Noemia Rocha (MDB) que indagaram sobre se medidas restritivas mais eficientes teriam menor impacto na economia, o convidado respondeu que o isolamento social mais rígido propicia um controle da pandemia por mais tempo, pois a pandemia está ativa, “não estamos chegando no final”. “Quando se relaxa as medidas, sem controle da pandemia, nitidamente em poucas semanas acontece um recrudescimento do número de casos”, completou. Já a Professora Josete (PT), que perguntou sobre estudos que comprovem “que a partir de 7 dias não há mais transmissão” do vírus, ele explicou que existem pesquisas que apontam que uma pessoa pode ficar “ativa” por até 20 dias. “O tempo é variável e depende de organismo para organismo”.
Críticas ao estudo
As análises apresentadas por Lucas Ferrante, em especial sua recomendação pela manutenção da suspensão das aulas presenciais no momento, foram criticadas por alguns parlamentares. Após citar que a pesquisa foi encomendada pela APP Sindicato, “que não quer o retorno da volta às aulas”, Indiara Barbosa (Novo) disse que a nota técnica é “suspeita”, argumentando que as aulas presenciais na rede particular não afetaram diretamente ao aumento dos casos na cidade. O pesquisador afirmou que esse estudo está sendo feito em outras cidades brasileiras, por pesquisadores de quatro instituições federais que “prezam pela ciência”, e que qualquer pessoa, de qualquer partido, a qualquer hora, pode encomendar estudos para esta equipe.
Amália Torato (Novo) pediu a opinião do biólogo sobre sobre estudos que embasam os posicionamentos favoráveis da OMS (Organização Mundial de Saúde) e do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) dos EUA sobre retorno à sala de aula. E Pier Petruzziello (PTB), discordou da recomendação de Ferrante, afirmando que o próprio Centro de Epidemiologia da SMS (Secretaria Municipal de Saúde) considera segura a volta às aulas e lamentou que no Brasil há uma “demonização” enorme para que as escolas públicas não reabram, uma vez que as escolas particulares estão funcionando.
Conforme o pesquisador do INPA, os estudos citados por Amália Tortato recomendam que o retorno às aulas presenciais seja “realizado em locais que não têm a transmissão comunitária, o que não é o caso de Curitiba.” Já em relação à fala de Petruzziello, ele ponderou que o índice de mobilidade urbana no transporte público é completamente diferente com o retorno das aulas particulares. “A volta às aulas na rede pública de Curitiba representa 500 mil pessoas a mais nos ônibus. É um input de pessoas que aumenta a transmissão comunitária. Aluno de escola particular geralmente vai para a escola em veículo próprio.”
Em resposta à Marcelo Fachinello (PSC), que discordou da solução para evitar o aumento do número de casos ser o fechamento das escolas, em todos os níveis da educação, Ferrante afirmou que “opinião não contradiz dados científicos” e que os dados apresentados aos vereadores foram revisados e publicados em uma das maiores publicações científicas da área. Para embasar suas afirmações, o biólogo citou diversos estudos e pesquisas científicas realizados no mundo e que foram publicados em periódicos como Nature e Science. Clique aqui para acessar a Avaliação da Pandemia de Covid-19 em Curitiba, com a relação de todas as pesquisas apresentadas ao plenário.
Tribuna Livre
A Tribuna Livre é um espaço democrático de debates mantido pela CMC, para ser canal de interlocução entre a sociedade e os parlamentares. Os temas discutidos são sugeridos pelos vereadores, que por meio de um requerimento indicam uma pessoa ou entidade para discursar e dialogar no plenário. As falas neste espaço podem servir de prestação de contas de uma entidade que recebe recursos públicos, apresentação de uma campanha de conscientização, discussão sobre projeto de lei em trâmite na Casa etc.
Conforme o Regimento Interno do Legislativo, as Tribuna Livres ocorrem nas quartas-feiras, durante a sessão plenária – geralmente, após a votação dos projetos de lei e demais proposições, a menos que ocorra a inversão da pauta. Se você participa de uma entidade, representa uma causa ou atividade coletiva, entre em contato com um dos vereadores para sugerir a realização da Tribuna Livre. O RI veda o uso desse espaço por representantes de partidos políticos; candidatos a cargos eletivos; e integrantes de chapas aprovadas em convenção partidária.
Clique aqui para consultar todos os temas já abordados na Tribuna Livre em 2021.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba