Maus-tratos a animais indicam violência doméstica, defendem especialistas
Um vídeo produzido pela ONG norte-americana Spot Abuse, dedicada ao combate à violência doméstica mostrando a relação com a violência animal, revela que, nos Estados Unidos, 76% das pessoas que praticam abusos em animais também abusam membros da família. É com esse dado preocupante que Fabiane Rosa (PSDC) abriu a audiência pública que discutiu os maus-tratos aos animais domésticos como indicador da violência no ambiente familiar.
O foco do debate, realizado na tarde desta quinta-feira (15), foi a sensibilização de órgãos de segurança pública e comunidade em geral para um assunto atual e de extrema importância. “É uma preocupação minha como mulher, como mãe, como protetora [de animais]”, destacou a vereadora, que trouxe pesquisas, realizadas nos EUA e no Brasil, que reforçam a relação entre maus-tratos aos animais e a violência doméstica.
“Eu fui testemunha de que, às três horas da manhã, [por um aplicativo de mensagens uma mulher] me chamou desesperada dizendo que o marido estava espancando os cães. Naquele ‘grito’, eu percebi que ela queria me dizer que a próxima seria ela. Isso faz alguns anos, mas me fez perceber que temos que ter esse olhar sobre os maus tratos a animais como indicativo da violência doméstica”, contou.
“Dados [de um levantamento feito em 11 cidades metropolitanas de São Paulo] indicam que entre 71% e 83% das mulheres que entram em abrigos de violência doméstica relataram que seus parceiros também abusaram ou mataram o animal de estimação da família”, complementou Fabiane Rosa. A vereadora já adiantou na audiência que protocolou projeto de lei que pretende alterar a lei que instituiu a Patrulha Maria da Penha em Curitiba (005.00028.2018).
Representando o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), a desembargadora Lenice Bodstein, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, disse que é possível relacionar diferentes formas de violência contra os animais domésticos aos tipos de violência contra a mulher caracterizados pela Lei Maria da Penha – física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Para ela, é preciso que a legislação possa garantir a proteção dos animais, o que ainda não acontece no Brasil de forma efetiva.
O caso de uma escola pública de Ponta Grossa que enfrentava problemas constantes com um dos seus alunos, que atirou filhotes de uma cadela de estimação da escola no ventilador, foi relatado pela juíza e integrante da Comissão Paranaense de Justiça Restaurativa do TJ-PR, Laryssa Copack Muniz. Ao contar sua experiência, a magistrada orientou que, por trás de uma violência como essa, há sempre uma história.
“É atrás dessa história que a gente precisa ir. E a história [do aluno] reflete o ato que ele cometeu. Ele sofria agressões físicas do padrasto todos os dias. A mãe tinha morrido”, completou. “Quando eu vejo que ele foi criado com violência, qual é a resposta que eu dou? Ele estava gritando por socorro”, continuou Laryssa Muniz, que corroborou com a desembargadora Lenice Bodstein, acrescentando que a agressão a um animal doméstico “configura agressão psicológica à mulher, que se sente ameaçada”.
A relação direta entre maus-tratos aos animais e a violência no ambiente familiar também foi defendida pela coordenadora da Casa da Mulher Brasileira, Sandra Prado. Ao explicar como é a rotina do órgão, que atende 24 horas por dia, ela contou que, apesar de não ter espaço adequado, a Casa acolhe as vítimas com seus animais domésticos. A convidada ainda defendeu uma mudança na legislação para que os animais sejam atendidos dentro da rede de assistência às mulheres em situação de violência.
Rita de Cássia Garcia, professora do curso de Medicina Veterinária da UFPR, sugeriu a elaboração de uma lei municipal que obrigue o médico veterinário a denunciar suspeita de maus-tratos a animais, “para que se tenha um fluxo de enfrentamento”. “Muitas vezes o ambiente familiar é negligenciado. Uma criança violenta [com um animal] pode sinalizar que o ambiente não vai bem”, observou, ao relatar, na sequência, o caso de uma menina do interior de São Paulo, que teve dois animais violentados e mortos, e que era abusada pelo pai e pelo irmão. A suspeita de violência doméstica e sexual foi levantada por um médico veterinário que atendia no Centro de Controle de Zoonoses local.
Homenagem
Por iniciativa da desembargadora Lenice Bodstein, o público presente na audiência pública prestou homenagem à vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol), morta a tiros dentro de um carro na região centro da capital fluminense na noite desta quarta-feira (14). Marielle foi a quinta vereadora mais votada do Rio nas eleições de 2016, tinha 38 anos, era socióloga e trabalhou em organizações como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré. A Câmara Municipal de Curitiba divulgou uma nota oficial em que lamenta com extremo pesar a morte da vereadora e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes, que também foi assassinado.
Presenças
Além das convidadas citadas, participaram do debate de hoje Maria Leticia Fagundes (PV), vereadora; Terezinha Pereira, coordenadora de políticas públicas para mulheres em Curitiba; Camila Daltoé, assessora jurídica do Ministério Público do Paraná; inspetora Cleusa Pereira, da Patrulha Maria da Penha da Guarda Municipal; e representantes dos seguintes órgãos e entidades: Movimento SOS Bicho, Fórum de Defesa dos Animais de Curitiba e Região Metropolitana, Associação de Proteção aos Animais Arca de Noé (Anoé), Instituto de Proteção Animal e Cidadania, Departamento de Pesquisa e Proteção da Fauna da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Associação das Mulheres de Negócios do Paraná e Associação das Mulheres Vendedoras Autônomas do Paraná.
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