Marianna Coelho: precursora na luta pelos direitos da mulher

por Fernanda Foggiato — publicado 07/03/2017 15h25, última modificação 20/05/2022 14h19
Nascida em Sabrosa, Distrito de Vila Real, Portugal, em 1857, ela chegou a Curitiba, com a mãe e os irmãos, em 1892...
Marianna Coelho: precursora na luta pelos direitos da mulher

Marianna Coelho foi educadora, escritora, poeta e uma das precursoras do feminismo não só em Curitiba, mas no Brasil. (Arte: Matheus Urbano e Thays Rovani/CMC)

“Ora, a mulher que apenas sabe ser dona de casa, [que] é incapaz de viver do seu trabalho, não se pode tornar independente – [ela] está fatalmente condenada a ser escrava – ou dos parentes ou dos estranhos, quando não consiga uma miserável pensão para não morrer de fome.” Autora da frase, a educadora, escritora, poeta e uma das precursoras do feminismo no Brasil, Marianna Coelho defendia, na Curitiba do início do século 20, a emancipação da mulher. Em artigos publicados na imprensa paranaense e livros que lhe renderam o apelido de "Beauvoir tupiniquim", referindo-se à escritora francesa Simone de Beauvoir, tinha como bandeiras a preparação feminina para o mercado de trabalho e a conquista de seus direitos políticos.

Nascida em Sabrosa, Distrito de Vila Real, Portugal, em 1857 (a data com mais consenso entre os pesquisadores, já que o ano varia de acordo com a fonte de pesquisa; a própria certidão de óbito aponta 1880), ela chegou a Curitiba, com a mãe e os irmãos, em 1892. Um deles, o professor Carlos Alberto Teixeira Coelho, batiza a rua Teixeira Coelho, localizada no bairro Batel. Na justificativa do projeto 301/1950, do então vereador Joaquim de Almeida Peixoto, que deu origem à lei municipal 269/1950, Marianna é destacada pelos “inestimáveis serviços prestados em nosso estado”. A escritora, no entanto, jamais deu nome a um logradouro público da cidade, segundo levantamento da Casa da Memória, da Fundação Cultural de Curitiba.

Marianna Coelho já colaborava com periódicos de Portugal. Em Curitiba, primeiramente publicou poesias, ainda no final do século 19. Em 1900, passou a assinar a coluna “Chronica da moda”, no jornal Diário da Tarde. Só que apesar do nome, em meio aos textos que revelavam as tendências de Paris ou dicas sobre o uso do chapéu e outros acessórios, por exemplo, ela defendia polêmicas como o voto feminino – que as brasileiras só alcançariam em 1933 (leia mais).

Na edição de 1º de março de 1901, Marianna escreveu que o melhor para rebater os “antifeministas” – que alegavam que se a mulher era inexperiente para escolher a quem confiar seu amor também o seria para eleger seus governantes – era promover a educação da mulher. “O sexo feminino, da mesma forma que o masculino pode, socialmente falando, subir a escada do progresso”, sustentou. “Sendo convenientemente preparada, poderá também exercer livremente qualquer profissão. Senhores oposicionistas da emancipação feminina, aguentem e sem protesto, que já nada vale perante a eloquência desta frase profética, cujo conceito em tudo se vê maravilhosamente realizado: le monde marche! [o mundo caminha]”, finalizou.

No livro “Clotildes ou Marias: mulheres de Curitiba na Primeira República”, a professora e historiadora Etelvina Maria de Castro Trindade fala sobre o contexto vivido por Marianna. A população feminina, explica, se dividia basicamente em dois grupos. Havia as economicamente privilegiadas, a quem a sociedade negava interesses que fossem “além da casa, do marido, dos filhos e de sua pessoa”. Por outro lado, no mercado de trabalho, a expansão capitalista abriu espaço para as “simples operárias”, as mulheres de origem humilde, desqualificadas e sem estudo.

Fundada e dirigida por Romário Martins e Alfredo Coelho, a primeira edição da revista mensal de arte e literatura Breviário, em agosto de 1900, trouxe Marianna Coelho ao lado de nomes como Emiliano Perneta. Foi a única mulher. “Permitir, hoje, que a mulher permaneça amarrada ao deplorável poste da ignorância equivale a arriscá-la criminosamente à probabilidade de receber em compensação do seu mais nobre e espontâneo afeto o completo aniquilamento da alma – o que quer dizer a sua principal ruína”, discorreu, no artigo intitulado “Emancipação da Mulher”. “Têm os chefes de família e os dirigentes da instrução, sobre quem pesa toda a responsabilidade, o dever imperioso e inadiável de preparar solícita e convenientemente o espírito feminino.”

Educação para meninas
Na “Chronica da moda”, em 1901, ela avaliou: “triste destino o da mulher que não sabe ser senão bela”. A coluna teve fim em dezembro daquele ano, já que Marianna Coelho decidiu se dedicar ao magistério, e os artigos tornaram-se esporádicos. Marianna abriu, em 1902, no número 105 da rua XV de Novembro, o Colégio Santos Dumont, só para meninas. Um ano antes de fechar, a escola recebeu, em 1916, a visita de seu patrono, de quem a educadora era amiga. O irmão Teixeira Coelho, que era professor na instituição, a acompanhou na recepção ao aviador.

Ela foi, em seguida, diretora da Escola Profissional Feminina – que recebeu, em 1933, o nome de Escola Profissional Feminina República Argentina -, onde ficou até se aposentar. O local atualmente é o Centro Estadual de Capacitação em Artes Guido Viaro, no Capão da Imbuia. “Ao longo de tantos anos de história, foram mestres desta escola: Alfredo Andersen, Guido Viaro, Maria Amélia D’Assumpção e Inocência Falce”, diz o site da instituição, que não menciona Marianna Coelho.

No campo literário, ela publicou: O Discurso (1902); O Paraná Mental (1908), medalha de prata na Exposição Nacional de 1908, no Rio de Janeiro, e reeditado em 2002 pela Imprensa Oficial do Paraná; Um Brado de Revolta contra a Morte Violenta (1935); Linguagem (1937); Cambiantes: contos e fantasias (1940); e a obra póstuma Palestras Educativas (1956). O livro de mais destaque, no entanto, é A Evolução do Feminismo: subsídios para a sua história (1933), também reeditado em 2002 pela Imprensa Oficial do Paraná.

Segundo o Dicionário Mulheres do Brasil, Marianna integrou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e representou o Paraná nos congressos promovidos pela entidade em 1922, 1933 e 1936. Além do movimento feminista, da literatura e do magistério, foi oradora da associação maçônica Filhas da Acácia, fundada em 1901 sob o patrocínio da Loja Acácia Paranaense. Ela se naturalizou brasileira em 1939.

Marianna Coelho faleceu em casa, na rua Presidente Taunay, no dia 29 de novembro de 1954, e foi sepultada no Cemitério Municipal São Francisco de Paula. Presidente do Centro de Letras do Paraná, Leonor Castellano homenageou a colega centrista: “nobre defensora dos mais puros ideais femininos; erudita e casta, de um elevado espírito de mulher defendendo a sobrevivência humana”.

Segundo a tese da doutora em Literatura Rosana Cássia Kamita, que levantou a certidão de óbito de Marianna Coelho, ela era solteira. Jornais da época ao registrarem sua morte, como o Diário da Tarde e O Dia, também não mencionam marido ou filhos entre seus familiares.

Coletivo Marianas
O legado de Mariana Coelho resultou na articulação, em Curitiba, do Coletivo Marianas. “Em maio de 2014, a Andréia Carvalho Gavita fez uma chamada em rede social para unir mulheres artistas que residiam na cidade. Surgiu um grupo, que se dispôs a realizar ações que divulgassem o trabalho cultural. Nosso primeiro evento foi um sarau, enquanto ainda usávamos o slogan 'Meninas que escrevem em Curitiba'. Em 2015 as meninas amadureceram e se tornaram 'Marianas'. Permaneceram no grupo aquelas que se posicionassem também politicamente pela causa feminista”, relata a professora e poeta Elciana Goedert, a Ciça, no movimento desde sua fundação.

Em 2016, o selo Marianas Edições lançou livros de dez escritoras. O segundo box, em 2017, terá 11 obras. “A intenção é publicar todas as integrantes que ainda não conseguiram e desejam fazê-lo. Este envolvimento tem sido extremamente produtivo, porque até as que não acreditavam que seus 'cadernos de gaveta' pudessem ser considerados cultura estão agora entendendo que arte é um conceito social que precisa ser trabalhado, desacreditado e testado. Elas, em conjunto, têm o apoio de outras. O coletivo nos favorece, pelo empoderamento”, continua Elciana.

Sobre o nome do coletivo, a poeta afirma que a escolha foi “uma homenagem ao trabalho educativo, feminista e cultural” de Marianna Coelho. “Levantamos essa bandeira porque ainda há uma diferenciação no reconhecimento da produção feminina quando comparada à produção masculina, que ainda é tomada como base crítica pelos mecanismos teóricos ou sociais de validação. O estigma de que a mulher só escreve ou produz arte como passatempo emotivo e confessional está enraizado na mentalidade de muitos homens e mulheres”, defende. “Mulheres sempre produziram cultura, só não estavam 'publicadas' ou divulgadas, ou então estavam muito ocupadas apenas ou forçosamente em manter os lares e escolas como alfabetizadoras, educadoras do lar e faxineiras. Ser mãe e mantenedora da ordem do lar não impede que a mulher também seja vista como produtora de cultura.”


“Antes de ser corpo, sou sensível
Antes de ser carne, sou humana
Antes de ser 'gostosa', tenho voz
Antes de ser receptáculo, viro feroz
Antes de ser violentada, encaro meu algoz

Sou feminina, nunca seu capacho
Sou guerreira, não teu saco de pancadas
Sou fêmea, não escrava do seu leito
Tampouco um bibelô pra deixá-lo satisfeito
Sou mulher, e só peço o teu respeito!”

Elciana Goedert


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