Lei Aldir Blanc: setor cultural pede apoio na desburocratização de editais
O debate foi nesta quinta-feira, 24 de junho, e transmitido pelas redes sociais do Legislativo. (Foto: Carlos Costa/CMC)
“A Lei Aldir Blanc foi feita para nos socorrer, não para nos colocar em risco. Queremos editais sim, [mas] para quando a pandemia acabar. Agora, a gente precisa do dispositivo da lei para preservar a nossa vida. Para estarmos vivos quando a pandemia acabar.” A declaração é da atriz e produtora cultural Verônica Rodrigues e sucedeu um relato seu sobre a perda de um colega, que contraiu a covid-19 durante a produção de um peça teatral para ser divulgada pela internet. Ela e outros representantes do setor cultural defenderam, em audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) nesta quinta-feira (24), a desburocratização de editais que visam a distribuição de recursos para auxiliar os trabalhadores do setor.
Com o tema “O Setor Cultural e a Pandemia da Covid-19”, o debate foi organizado pela Comissão de de Educação, Cultura e Turismo, presidida pela vereadora Amália Tortato (Novo) e a pedido de Carol Dartora (PT), que também integra o colegiado. Conforme o requerimento (421.00003.2021), a discussão deu continuidade aos encaminhamentos já levantados em abril no Legislativo, quando em outra audiência pública os artesãos de Curitiba falaram das dificuldades enfrentadas na pandemia e defenderam a manutenção do Largo da Ordem.
A Lei Aldir Blanc (lei federal 14.017/2020) está em vigor desde junho do ano passado e foi regulamentada pelo decreto federal 10.464/2020. A norma prevê um auxílio financeiro ao setor cultural e apoio aos profissionais da área que sofreram com impacto das medidas de distanciamento social por causa do coronavírus. Quando da sua sanção, a previsão do governo federal era liberar R$ 3 bilhões para estados e municípios para a manutenção de espaços culturais e editais públicos e ainda para o pagamento de um auxílio emergencial, em três parcelas, para quem teve suas atividades interrompidas.
Segundo a presidente da FCC (Fundação Cultural de Curitiba), Ana Cristina de Castro, o governo federal liberou quase R$ 12 milhões para a cidade e com o apoio do Conselho Municipal de Cultura, que contribuiu com a elaboração dos editais da Lei Aldir Blanc, 1.040 projetos teriam sido contemplados para receberem o valor total de R$ 9,2 milhões. “O recurso chegou em setembro e os editais foram lançados em outubro. No dia 31 de dezembro, todos os projetos aprovados receberam os recursos”, completou a gestora. O valor remanescente, que está nos cofres municipais e não foi distribuído até o momento, é de R$ 2,7 milhões.
“Acreditamos que a Lei Aldir Blanc, além de garantir um volume expressivo de recursos para a cultura durante a pandemia, foi extremamente democrática, compreendendo a nossa diversidade cultural. Movimentou, dentro do possível, a cadeia produtiva, gerando emprego e renda para os trabalhadores do setor cultural”, emendou Ana Cristina de Castro. Ainda de acordo com ela, o município aguarda a edição de um novo decreto federal que regulamente a utilização dos recursos remanescentes da lei.
“A Lei Aldir Blanc foi importante e vital para o socorro da classe artística e permitiu, pela primeira vez de forma eficaz, o funcionamento do Sistema Nacional de Cultura, que é baseado no ‘CPF – Conselhos, Planos e Fomento’. É a primeira vez que houve um repasse de mais de R$ 3 bilhões de fundo a fundo [para a cultura]. Foi a primeira vez que vimos uma mobilização no Paraná para que vários municípios constituíssem seus planos, seus conselhos e seus fundos municipais de cultura. Foi um avanço neste sentido”, analisou Elton Luiz Barz, secretário geral do Conselho Municipal de Cultura.
Repasse burocrático
Apesar dos números apresentados, a forma com o recurso foi distribuído até o momento pela Prefeitura de Curitiba – e pelo Governo do Paraná, que só conseguiu distribuir 15% dos recursos – foi criticada pelo setor cultural representado na audiência pública. O principal problema levantado pelos participantes é o excesso de burocracia imposto pelos editais que exigem, por exemplo, certidão negativa de débito junto aos órgãos públicos.
“Não estamos no mesmo barco: tem gente que está num bote salva-vidas, tem gente que está num navio. Não estamos no mesmo barco, estamos no mesmo mar revolto”, reclamou Gehad Hajar, do Seped/PR (Sindicato dos Empresários e Produtores de Espetáculo do Paraná). Para ele, a Lei Aldir Blanc tem um “espírito de assistência” e previa, originalmente, um salário assistencial para artistas informais, como os artesãos, por exemplo. “No Paraná, são 394 mil pessoas ligadas à cadeira produtiva da cultura, dos quais mais de 200 mil são artesãos”, contou – R$ 55 milhões da lei estão retidos nos cofres públicos do Estado porque não foram distribuídos.
Ainda para Gehad Hajar, a certidão negativa de débito exigida nos editais coloca todos no mesmo nível, quando não deveria. “Regularidade fiscal deve deixar se ser exigida das pessoas físicas e jurídicas dos mecanismos de apoio à produção cultural. Agora o cerne é o ser humano”, analisou. “91 mil pessoas ligadas à cadeia produtiva da cultura estão desempregadas no Paraná, fora os informais”, lamentou. “Houve dificuldade de acesso ao recurso, muito por conta da burocratização. Desburocratizar é essencial para que o recurso chegue para quem necessita”, completou a mestranda em Cinema e Artes do Vídeo pela Unespar e conselheira da Apan (Associação de Profissionais do Audiovisual Negro), Kariny Martins.
Presidente do Sated/PR (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado do Paraná), Adriano Esturilho, disse que, ao acompanhar o debate da “primeira leva de recursos da Lei Aldir Blanc”, observou que faltou proximidade com o Legislativo e que há pontos em que dá para avançar quando se trata da distribuição dos recursos remanescentes. “Curitiba ainda não conseguiu simplificar o processo em seus editais: ainda temos que apresentar muitas certidões negativas, num momento em que, naturalmente, as pessoas não estão com os impostos em dia. Porque muitos passam necessidades para pagar o aluguel, para se manter. Então não há certidões negativas para todos”, alertou.
Apoio do Legislativo
Ao pedir que os vereadores de Curitiba pensem em “ferramentas para flexibilizar a legislação e para que não haja, neste momento emergencial, a necessidade de apresentar certidões negativas nesses editais”, Adriano Esturilho ganhou o apoio de outros colegas do setor cultural, como Rita Cassia Lins e Silva, da Frente Movimento. “Exigir que as pessoas estejam com suas contas em dia prejudica quem mais precisa. Um debate sem preparação do terreno jurídico para aplicar a lei é inócuo. O espírito da lei é de solidariedade e de inclusão”, reforçou.
Rita Cassia continuou: “não é coerente exigir certidão negativa de quem tem fome. Não podemos perguntar o nome de uma pessoa antes de alimentá-la. Burocracia e solidariedade não conversam. Somos voz comum neste sentido”. Com base neste argumento, a Frente Movimento apresentou, na Assembleia Legislativa, uma proposta de lei “que dispensa certidões negativas de débitos com os entes públicos, atendendo a necessidade de trabalhadores de poder acessar os recursos da Lei Aldir Blanc”. Segundo ela, projetos semelhantes já foram aprovados em Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso, e o Paraná e Curitiba podem seguir esse mesmo exemplo. “A lei não acarreta qualquer tipo de ônus para o município. A falta de uma lei como essa é que causa prejuízos.”
“R$ 55 milhões estão parados no governo do estado”, reforçou Verônica Rodrigues , representante do movimento SOS Cultura. “Há um ano e meio que o setor cultural está impedido de trabalhar por determinação do governo para preservar vidas. Mas o governo está sendo negligente com a preservação da dignidade dos trabalhadores da cultura”, finalizou. Também participaram do debate os vereadores Alexandre Leprevost (SD), Mauro Bobato (Pode) e Professora Josete (PT). Todos se comprometeram a analisar as demandas do setor cultural e levá-las à discussão em plenário.
A audiência pública foi transmitida pelas redes sociais do Legislativo e está disponível, na íntegra, no canal do YouTube. Além de Carol Dartora e Amália Tortato, integram a Comissão de Educação, os vereadores Eder Borges (PSD), vice-presidente; Nori Seto (PP) e Sargento Tânia Guerreiro (PSL). Clique aqui para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2021.
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