Judiciário não executa políticas públicas, defende magistrado

por Pedritta Marihá Garcia | Revisão: Vanusa Paiva — publicado 31/08/2022 14h15, última modificação 01/09/2022 14h06
Osvaldo Canela Junior, juiz do TJ-PR, foi o convidado da Tribuna Livre da Câmara Municipal de Curitiba desta semana.
Judiciário não executa políticas públicas, defende magistrado

“Qualquer medida que o juiz tome tem que permitir ao legislador e ao Executivo tomar as próprias decisões e se manifestar sobre condições orçamentárias e planejamento”, defendeu Canela Junior. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Para debater o controle judicial das políticas públicas, a Tribuna Livre da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) desta quarta-feira (31) recebeu o juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) Osvaldo Canela Junior. No bate-papo com os vereadores e vereadoras da cidade, o magistrado foi categórico ao afirmar que o Judiciário não tem a prerrogativa de executar políticas públicas e só deve interferir em casos graves de violação dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.

Titular da 24ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba e diretor-geral da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (Emap), o convidado é autor da obra “O controle judicial nas políticas públicas”, de 2011, a partir de sua tese de doutorado. Sua presença no Legislativo teve como objetivo alertar os parlamentares e a população em geral para a “grande preocupação de todos os operadores do direito e gestores públicos sobre o tema” (076.00027.2022).

Na sua fala, o convidado da Tribuna Livre citou parte da sua
tese, que explica como o Poder Judiciário deve agir se constatada a omissão dos demais Poderes na execução das políticas públicas de Estado. Caso o Poder Legislativo ou o Poder Executivo se omitam na realização das políticas públicas necessárias para a efetivação dos direitos fundamentais sociais, cumpre ao Poder Judiciário exercer o controle de constitucionalidade de seus atos”, defende. 

Os direitos fundamentais sociais, explanou Osvaldo Canela Junior, previstos no artigo 6º da Carta Magna, são, por exemplo, os direitos à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança e à previdência social. São direitos que afetam a coletividade e, quando violados, demandam uma atuação positiva do Judiciário, com interferência mínima.

“[…] a Constituição Federal tem o objetivo de garantir que todas as pessoas tenham igualdade real ou substancial e isso só é possível através de políticas públicas, de atos que vão atender as demandas. […] A competência para trabalhar nas políticas públicas é prioritariamente dos poderes Legislativo e Executivo. A construção de escolas ou habitações, quem decide é o Legislativo e quem executa é o Poder Executivo. O Judiciário não participa desta atuação, prioritariamente não deve definir isso. Mas quando o Ministério Público ingressa com uma ação coletiva para dizer ‘já se passaram 10 anos e ninguém construiu a escola’, qual é a solução?”, perguntou o juiz do TJ-PR.

Segundo o magistrado, pela
Constituição Federal, o Judiciário não tem competência para executar as políticas públicas, mas em determinados casos uma omissão que viola diretamente um dos direitos fundamentais pode ser investigada, quando provocada pelo Ministério Público. Se a resposta da investigação é que o direito fundamental foi gravemente violado, os órgãos competentes são sinalizados pela Justiça “para tomar providências e implantar um programa para garantir esses direitos fundamentais”. “O assunto é muito complexo. [...] O juiz tem que ser neutro. Ele é escravo da lei. A intervenção deve ser cirúrgica, episódica”, reforçou.

“Qualquer medida que o juiz tome tem que permitir ao legislador e ao Executivo tomar as próprias decisões e se manifestar sobre condições orçamentárias e planejamento”,
defendeu Canela Junior. “É importante que o juiz não tome medidas imediatas, chamadas de tutelas de urgência, que seria o juiz pegar uma liminar e mandar fazer qualquer coisa. Isso não deve ser feito, a não ser que alguém esteja morrendo, por exemplo. Se não for esse o caso, o juiz não deve interferir nesse processo orçamentário e de políticas públicas. Ele deve declarar isso no processo e permitir que seja executado no devido tempo. Somente em casos extremos, em que haja uma resistência completamente injustificada do Estado, é que ele vai tomar medidas mais sancionatórias”, complementou.
 

Conversa com os parlamentares
Após a explanação, 7 dos 38 vereadores e vereadoras tiraram dúvidas relacionadas ao tema com o juiz do TJ-PR. Questionado sobre a importância das políticas públicas de combate à pedofilia, por Sargento Tânia Guerreiro (União), Canela Junior respondeu que mesmo os direitos fundamentais, que já são prioridades pela Constituição, têm suas prioridades – as chamadas “situações vulneráveis” – , e que o combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes “é um dos casos que exige maior atenção do Estado, em todos os tempos”. 

Outro ponto levantado, desta vez por Noemia Rocha (MDB), foi sobre a visão do Judiciário para os conflitos fundiários no Paraná. De acordo com o magistrado, isso ainda é “algo novo” e “extremamente complexo”, por envolver uma colisão imediata de direitos fundamentais: o direito à propriedade (individual) e o direito à habitação (social). “Temos observado que estes conflitos preferencialmente não devem ir para um processo judicial tradicional, eles precisam de um tratamento adequado. O Paraná é inovador nestes conflitos, porque temos um comitê próprio em que há uma espécie de gestão e tratamento dos conflitos”, disse. 

À Professora Josete (PT), que pediu a opinião do juiz sobre o processo de despejo da Ocupação Povo Sem Medo, do Campo de Santana, “reflexo de um problema crônico de Curitiba”, que é a falta de moradia, Osvaldo Canela Junior informou que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional o impede de tratar sobre assuntos em julgamento. No entanto, ele ponderou que o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que ocupações mais recentes, pós-pandemia, “podem ser desocupadas, desde que haja realocação das famílias”.

“É fundamental o diálogo com o Poder Judiciário. A teoria da separação dos poderes não pode ser interpretada como três poderes isolados, ilhados. Mas, sim, de uma cooperação entre os poderes. Judiciário não é inimigo das políticas públicas, mas é um parceiro na potencialização destas políticas públicas”, finalizou o vereador Dalton Borba (PDT), propositor desta Tribuna Livre. Também participaram do debate Amália Tortato (Novo), Marcos Vieira (PDT) e Professor Euler (MDB).

Tribuna Livre
Espaço democrático de debates, a Tribuna Livre é mantida pela CMC como um canal de interlocução entre a sociedade e os parlamentares. Conforme o Regimento Interno do Legislativo, os debates ocorrem nas quartas-feiras, durante a sessão plenária – seguindo acordo de líderes, após os pronunciamentos do pequeno expediente.

Os temas são sugeridos pelos vereadores, que por meio de requerimento indicam uma pessoa ou entidade para a fala em plenário. O espaço pode servir para prestação de contas de uma organização que recebe recursos públicos, apresentação de uma campanha de conscientização, discussão sobre projeto de lei em trâmite na Casa etc.

Confira o que já foi discutido,
em 2022, nas Tribunas Livres do Legislativo de Curitiba.

Restrições eleitorais
Em respeito à legislação eleitoral, a comunicação institucional da CMC será controlada editorialmente até o dia 2 de outubro. Nesse período, não serão divulgadas informações que possam caracterizar uso promocional de candidato, fotografias individuais dos parlamentares e declarações relacionadas a partidos políticos, entre outros cuidados. As referências nominais serão reduzidas ao mínimo razoável, de forma a evitar somente a descaracterização do debate legislativo.

 Ainda que a Câmara de Curitiba já respeite o princípio constitucional da impessoalidade, há dez anos, na sua divulgação do Poder Legislativo, publicando somente as notícias dos fatos com vínculo institucional e com interesse público, esses cuidados são redobrados durante o período eleitoral. A cobertura jornalística dos atos do Legislativo será mantida, sem interrupção dos serviços de utilidade pública e de transparência pública, porém com condicionantes (saiba mais).