Intérpretes de Libras rebatizam vereadores na língua de sinais
Sinalário da CMC foi criado para facilitar designação dos vereadores que compõem o Legislativo municipal. (Foto: Daniel Filipe Antunes Santos/Unsplash)
Já pensou se cada vez que alguém tivesse que lhe chamar precisasse soletrar o seu nome? E se durante um período de três horas, que é o quanto dura uma sessão plenária, soletrassem o nome de várias pessoas por diversas vezes? Pois é, assim que funcionou o trabalho dos intérpretes de Libras, a Língua Brasileira de Sinais, quando iniciaram na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), em fevereiro de 2021.
Agora, a Câmara já dispõe de um sinalário, um grupo de expressões utilizadas em determinada língua, no caso, Libras, para designar cada um dos 38 vereadores que compõem o Legislativo da capital. Esse “batizado” foi possível após quase dois anos de trabalho dos intérpretes que atuam na Casa. Por Libras ser uma língua baseada na visualidade, o sinal que designa uma pessoa está ligado, por exemplo, às questões relacionadas com a aparência, os comportamentos ou os estereótipos.
A construção desse sinalário iniciou com a pesquisa elaborada por Fernanda Mota Fontoura. Surda, Fernanda é formada em Letras/Libras e Psicologia e faz parte da equipe que trabalha na Câmara. É ela quem observa o comportamento, as manias, as expressões faciais, as formas de mexer as sobrancelhas ou os cabelos, além de outros detalhes que são importantes para a comunicação das pessoas surdas.
“O sinal [nome] pode estar carregado do jeito da pessoa, disso se tira uma ideia para este sinal”, explica Wagner Silva Machado, intérprete que também atua na CMC. Segundo ele, há o cuidado de que não seja tomado um estereótipo que venha a ser considerado pejorativo. Ele conta que faz parte do trabalho da equipe perguntar se aquele que foi “batizado” gostou do sinal atribuído a ele. Caso contrário, um novo é construído.
>> Confira como ficou o sinal de cada vereador:
A política
A denominação pessoal, no entanto, não é a única dificuldade para o trabalho dos intérpretes. Conhecer e dominar os temas utilizados em áreas distintas também se tornou um desafio aos tradutores. Embora alguns dos termos sejam mais comuns e utilizados em outras esferas de poder, como na Câmara dos Deputados e Senado Federal, a equipe agora se prepara para criar um sinalário com termos próprios do Legislativo Municipal, como as especificidades contidas no Regimento Interno da Casa, por exemplo.
Para Fernanda Fontoura, uma equipe de Libras dentro da Câmara de Vereadores representa de fato a acessibilidade da comunidade surda à cidadania. “Alguns projetos [de lei], que a gente vê, super importantes, falamos [deles] para as pessoas nas redes sociais. As pessoas acompanham a gente e acompanham nosso trabalho. É importante para a comunidade surda ver nosso trabalho aqui na Câmara, ter esse reconhecimento, coisa que não se tinha antes”, destaca.
Presidente da Comissão de Acessibilidade e Direitos da Pessoa com Deficiência da CMC, Pier Petruzziello (PP) defende que o processo da política seja inclusivo, garantindo que todos tenham o direito de saber quem os representa. “Considero muito importante, no processo de inclusão, eliminar as barreiras linguísticas. A ação da Câmara com o sinalário colabora para ampliação e padronização do vocabulário em Libras, auxilia o trabalho do tradutor e intérprete e facilita o entendimento da comunidade surda”, reforça.
Para a diretora-geral da CMC, Jussana Marques, o parlamento atua como um agente transformador e, por conta disso, está na linha de frente da representação dos interesses da população local. “É muito importante que todos tenham acesso aos temas que são aqui debatidos”, frisa.
A tradução simultânea em Libras está prevista no Regimento Interno da CMC desde 2017, sendo realizada por meio de contrato com a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), cuja contratação é realizada por meio de dispensa de licitação.
A entrevista para esta matéria teve a contribuição de Rafaella Castillo e Wagner Machado, os quais fizeram a tradução simultânea entre a entrevistada Fernanda Mota Fontoura e a jornalista da CMC, Claudia Krüger.
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