Imunidade tributária de templos alugados foi tema de audiência na Câmara
Imunidade tributária de templos religiosos que atuam em sedes alugadas foi tema de audiência pública proposta pela vereadora Noemia Rocha, integrante da bancada evangélica da Câmara. (Foto: Carlos Costa/CMC)
A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu uma audiência pública na tarde dessa quinta-feira (24), com o objetivo de trazer esclarecimentos quanto à imunidade tributária que passou a valer para templos religiosos que funcionam em imóveis locados. Essa possibilidade teve início com a publicação da Emenda Constitucional 116/2022, já que a legislação anterior apenas contemplava a imunidade para imóveis de propriedade das entidades religiosas. O encontro teve a participação de representantes das secretarias municipais de Urbanismo, Finanças e Meio Ambiente, do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), do Corpo de Bombeiros e de lideranças religiosas de orientações diversas.
O tema foi debatido na Câmara por iniciativa da vereadora Noemia Rocha (MDB), integrante da bancada evangélica, que desde seu primeiro mandato como vereadora promove encontros entre as igrejas e representantes do poder público para viabilizar demandas desburocratizantes. Ainda de acordo com a parlamentar, a audiência visou também debater questões como emissão de alvarás de funcionamento, fiscalização do som emitido pelas igrejas em seus horários de culto e questões de segurança, entre outros temas relativos à realização de eventos religiosos. “O objetivo do encontro”, salientou a vereadora, “não é o de discutir a religião em si, mas os direitos e deveres daqueles que administram atividades religiosas no âmbito do Município de Curitiba”.
O advogado Otoniel Oliveira Santos, que representa juridicamente instituições religiosas, trouxe explicações sobre a Emenda Constitucional que ampliou as imunidades tributárias para igrejas, incluindo também igrejas que desenvolvem suas atividades em imóveis alugados. Ele lembrou que a Constituição Federal em seu artigo 150 prevê a imunidade tributária das igrejas, mas há quem questione essa possibilidade em função de o Brasil ter adotado, desde a proclamação da república em 1889, o modelo de estado laico, isto é, aquele modelo governamental em que a administração pública não pauta seus atos embasados em valores ou princípios religiosos.
“Em todo caso, a Constituição garante o direito ao exercício do culto religioso, daí a razão de ser da imunidade tributária, agora ampliada pelo texto da Emenda Constitucional 116/2022”. Antes da emenda, apenas igrejas que operavam em imóveis próprios poderiam pleitear a imunidade em relação ao IPTU, cuja cobrança é atribuição dos municípios. O novo texto inclui também as igrejas que desenvolvem atividades em espaços ocupados por meio de contratos de locação.
Para a obtenção da imunidade tributária, é necessário que a igreja possua personalidade jurídica (CNPJ e estatuto próprio). Tal condição antecede o pedido de alvará de funcionamento. Além desse documento, as igrejas precisam atender as exigências de segurança do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos responsáveis por gerir atividades que envolvam muitas pessoas reunidas em um mesmo local. Essas autorizações estão interligadas e, apenas com elas, as igrejas conseguem a imunidade tributária pretendida. O advogado Otoniel entende que a isenção deve se estender a todas as unidades que compõem o complexo da igreja e que sejam utilizadas por ela para suas atividades.
Jackson Roberto Morais Alves, assessor jurídico da vereadora Noemia Rocha, lembrou que, com base em uma súmula vinculante, os templos alugados já detinham a possibilidade de imunidade tributária, condicionada à aplicação do dinheiro economizado com a isenção nas práticas religiosas da entidade. “Com a emenda, esse vínculo deixa de existir, o que autoriza as igrejas a obterem a imunidade sem necessariamente prestar esclarecimentos quanto à destinação do dinheiro”, explicou. Para ele, a medida é um avanço, pois impede o cerceamento da atividade religiosa e garante o exercício do direito ao culto religioso. Jackson disse que tramita na Câmara um projeto de lei proposto pela bancada evangélica que vai além: proporciona a imunidade tributária a imóveis que são utilizados para fins religiosos em regime de comodato (empréstimo).
Órgãos públicos
Sergio Primo, diretor do Departamento de Rendas Imobiliárias da Secretaria Municipal de Financas (SMF), responsável pela aplicação do IPTU, esclareceu que a imunidade prevista na emenda passará a valer a partir do exercício de 2023, haja vista que a medida não tem caráter retroativo, ou seja, não vale para entidades que atuavam anteriormente à aprovação da emenda. Mas, de acordo com ele, tal entendimento pode ser reformado. Tais entidades podem, entretanto, pleitear a regularização de suas atividades. Tal requerimento deve ser acompanhado pela demonstração de que o imóvel é, de fato, alugado. Primo disse que é precipitado determinar quais serão as posições da prefeitura em relação ao tema, pois é necessário aguardar a regularização da emenda, isto é, a legislação infraconstitucional que vai estabelecer o modo como a imunidade prevista será estabelecida pelos municípios.
“Todas as situações devem ser avaliadas em específico, pois não podemos conceder nada acima do que se deve”, pontuou o diretor. Diante da reclamação de que a taxa de lixo é superior ao próprio valor do IPTU, Primo esclareceu que a imunidade diz respeito apenas ao imposto e não à taxa de coleta de lixo (que é cobrada de forma anexa ao imposto). Segundo ele, as igrejas devem fazer uma Consulta Prévia de Viabilidade (CPV) que deve ser acompanhada pela Guia Amarela. Sem tais documentos, não há como viabilizar o alvará e, consequentemente, a imunidade tributária.
O tenente-coronel Fernando Ferreira Machado do 1º Grupamento do Corpo de Bombeiros do Paraná é o responsável pela fiscalização das condições de segurança dos templos religiosos. Ele explicou que o pedido de vistoria pode ser feito por qualquer um junto ao site do Corpo de Bombeiros. O pedido gera uma taxa cujo pagamento também pode ser alvo de isenção mediante requerimento. Segundo ele, tal taxa é apenas um rito dentro do sistema. No site, os interessados encontrarão os aspectos de segurança que devem ser observados como presença de extintores, de hidrantes, saídas de emergência devidamente sinalizadas, iluminação etc.
O tenente-coronel disse que a vistoria é feita na unidade imóvel na qual são realizadas atividades religiosas que reúnam mais de 100 pessoas. Unidades unifamiliares que compartilhem o terreno não são vistoriadas, pois não integram o CNPJ. Por outro lado, se a igreja compartilhar seu espaço com uma empresa, por exemplo, os bombeiros farão a avaliação de todo o complexo de edificações, pois o risco de incêndio abrange todo o espaço.
Profissional credenciado
Luciana de Paula, diretora do Departamento de Controle de Edificações da Secretaria Municipal do Urbanismo informou que a regularização é feita por meio do Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras (CVCO) e do alvará de regularização. “Para isso”, explicou ela,”é necessário que a igreja contrate um profissional habilitado (engenheiro ou arquiteto credenciado pelo CREA) que fará um levantamento da edificação e promoverá os trâmites da regularização junto à prefeitura. Daí a importância de ser um profissional que conheça os mecanismos que orientam esses pedidos”. Segundo Luciana há previsão de estudos no sentido de simplificar as exigências, mas seria equivocado dizer que o município não conta com legislação específica sobre o tema. “Além da Lei de Zoneamento, temos também a portaria 80”.
Ainda segundo a diretora, a lei 15.511/2019, que alterou o zoneamento da cidade, ampliou a possibilidade de regularização de templos em praticamente todo o território municipal. Antes, as aprovações eram restritas, mas hoje pode se instalar uma igreja em praticamente qualquer lugar, contanto que ela obedeça a certos critérios de funcionamento. O novo zoneamento prevê também uma flexibilização nos parâmetros para a regularização de templos já construídos. Representando o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), o engenheiro Eduardo Ramires disse que o órgão fiscaliza os profissionais que, dotados de responsabilidade técnica, realizarão os projetos. Ele destacou que a chamada “Lei Kiss” (aprovada em decorrência da tragédia ocorrida na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul) consolidou a fiscalização por parte do CREA em relação aos profissionais que elaboram e constroem edificações voltadas à reunião de pessoas.
Representando a Secretaria do Meio Ambiente e Marilza do Carmo Oliveira Dias que participou do início da audiência, a servidora Erica Costa Mielke trouxe esclarecimentos sobre a fiscalização do som. “A emissão do alvará depende dessa aprovação, que é feita por meio de decibelímetros que indicam quando o volume do som se multiplica ultrapassando o desejável e causando eventuais incômodos a quem é vizinho das entidades religiosas. Durante os cantos, o volume de som aumenta consideravelmente e tudo é registrado pelos decibelímetros a partir de cinco metros da igreja. Quando há denúncias, vamos às casas dos denunciantes para verificar o problema in loco”. Segundo ela, a lei prevê 65 decibéis nos períodos diurno e vespertino. “Ao contrário do que se disse, o valor autorizado para as igrejas é maior do que o autorizado para bailes e festas (55 decibéis)”.
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