Imigrantes e refugiados cobram conselho próprio em Curitiba
Na audiência pública, ainda foram solicitadas a desburocratização na aquisição de documentos e a realização de mutirões na Polícia Federal. (Foto: Michelle Stival da Rocha/CMC)
A criação de um conselho municipal dos direitos dos imigrantes e refugiados e a regulamentação de uma legislação municipal que possa garantir a efetividade dos direitos fundamentais dessa população foram levantadas em audiência pública da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), realizada nesta quinta-feira (31). Coordenado pela Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública, o debate reuniu imigrantes e refugiados, representantes do poder público e da sociedade civil.
Proposto pela vice-presidente do colegiado, Carol Dartora (PT), a discussão também elencou a necessidade do combate à xenofobia e ao racismo, que permeiam a violência contra essa população. “Há muitos problemas que a gente percebe em relação à imigração, há a ausência do poder público em relação a algumas políticas que se relacionam aos direitos humanos”, destacou a vereadora, ao reforçar que os direitos fundamentais de imigrantes e refugiados estão sendo desrespeitados em Curitiba.
“É importante que Curitiba seja uma cidade acolhedora. O assunto ficou ainda mais recente com os fluxos migratórios que todo o mundo tem observado na Ucrânia”, acrescentou o presidente do colegiado, vereador Jornalista Márcio Barros (PSD). Para ele, o poder público tem um papel fundamental para prestar atendimento e garantir os direitos dessas pessoas, atendimento esse que vem sendo, em grande parte, desempenhado por instituições filantrópicas, que oferecem, por exemplo, aulas de português para quem busca inserção no mercado de trabalho.
“Há uma burocracia que dificulta a retirada de documentos. Há a violência em relação às moradias, a gente percebe o quanto as ocupações de Curitiba e região metropolitana estão recebendo esses imigrantes”, complementou a vice-presidente do colegiado de Direitos Humanos. Essa análise foi corroborada por quem teve a palavra durante a audiência pública e levantou suas experiências com o atendimento a essa população.
A coordenadora do projeto de extensão Movimentos Migratórios e Psicologia (Move), da UFPR, Elaine Cristina, relatou que desde 2013 a universidade realizou cerca de 6 mil atendimentos e que as principais dificuldades de imigrantes e refugiados que chegam a Curitiba são o acesso a direitos básicos, como saúde, educação e segurança; a aquisição de documentos; e o acesso à moradia e ao trabalho.
Conselho municipal
A falta de acesso aos direitos fundamentais é reflexo direto da falta de políticas públicas para essa população, conforme observou a representante do Conselho Estadual dos 4 Direitos dos Migrantes, Refugiados e Apátridas (CERMA), Márcia Terezinha Ponce. “O CERMA é um avanço no Estado, representa a sociedade civil e o poder público. O Estado está numa esfera macro, mas sabemos que a política pública se efetiva no município”, disse ao recomendar que Curitiba siga exemplos de cidades do interior como Maringá e Foz do Iguaçu, que já têm, respectivamente, conselho municipal e comitê.
Professora e pesquisadora da UFPR, Tatyana Scheila Friedric, disse que os imigrantes são protegidos por lei federal, mas eles estão nas cidades. E em sua opinião, a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos é uma ferramenta importante para a luta por direitos fundamentais dessa população. “O CERMA só foi implantado a partir de uma discussão levantada em uma série de audiências públicas realizadas na Assembleia Legislativa”, lembrou.
“Imigrantes e refugiados têm necessidades muito específicas, particularidades que são inerentes à sua condição migratória, e que precisam ser levados em consideração. A prefeitura precisa atuar com os migrantes que estão aqui, na contemporaneidade: africanos, da América Latina e Central, sírios, afegãos e, mais recentemente, os ucranianos”, complementou Friedric.
“Precisamos trabalhar na direção de uma hospitalidade e uma recepção humanitária desses sujeitos que migram. Imigrantes e refugiados precisam aprender uma nova língua, adquirir documentos, ter condições para organizar sua vida em um novo país. Acolhimento, atendimento e lugar de escuta são fundamentais”, reforçou Isabella Traub, fundadora do Instituto de Políticas Públicas Migratórias. Na mesma linha, Elizete de Oliveira, da Pastoral dos Imigrantes, observou que “eles têm direitos, assim como nós”.
O que diz o Poder Judiciário
João Chaves, da Defensoria Pública da União (DPU), relatou que 2022 é um ano crítico para a garantia de direitos dos imigrantes e refugiados, “porque durante os dois [primeiros] anos da pandemia houve uma série de medidas para o fechamento de fronteiras, que culminaram com a suspensão do direito de refúgio”. Isso refletiu, por exemplo, na dificuldade para os Estados de regularizar a situação dessa população junto à Polícia Federal.
Para combater isso, a Defensoria Pública da União questionou o fechamento de fronteiras; entrou com uma ação civil pública para garantir, aos imigrantes e refugiados, o direito ao CPF e aos serviços públicos; e fez uma recomendação de prorrogação da acolhida humanitária, que termina no próximo dia 29. Assim como as convidadas que o antecederam, o defensor público enfatizou a necessidade da Câmara de Curitiba em consolidar, junto ao Executivo, o acesso pleno dessa população aos direitos fundamentais, independentemente da sua condição migratória.
Promotor de justiça, Rafael Moura colocou o Ministério Público do Paraná (MPPR) à disposição dos imigrantes e refugiados para receber denúncias sobre a violação dos seus direitos, sejam aqueles previstos na Lei de Imigração Brasileira, sejam aqueles que consolidam o atendimento às peculiaridades de suas culturas. “Todos os direitos sociais garantidos aos brasileiros também estão garantidos para os imigrantes e refugiados, sem discriminação. Se forem negados, tragam para o Ministério Público”, frisou.
Outros encaminhamentos
A partir dos relatos levantados na audiência pública – também feitos por imigrantes e refugiados que moram em Curitiba – também foi levantada a necessidade de que entidades que trabalham com essa população tenham a sensibilidade de prestar o atendimento em diferentes línguas, para que eles tenham acesso às informações. Também foram solicitadas a desburocratização na aquisição de documentos e a realização de mutirões na Polícia Federal para a emissão de documentos e para garantir a reunião familiar.
Outros encaminhamentos do debate foram: tradução nos atendimentos dos equipamentos públicos; conscientização contra racismo e xenofobia; combate às redes de coiotes que promovem golpes financeiros e econômicos e para acesso a direitos básicos, como moradia; promoção de ações culturais que respeitem os imigrantes que aqui estão; e contratação de professores e tradutores para as unidades da rede municipal de educação.
A audiência pública foi realizada no Palácio Rio Branco e transmitida pelas redes sociais do Legislativo (confira a íntegra no YouTube). O presidente do Legislativo, Tico Kuzma (Pros) acompanhou o debate. A tradução das falas dos oradores ficou a cargo do professor de francês e teólogo, Rony Rémy.
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