Guerra de desinformação: as fake news nas eleições de 2018

por Sophia Gama*, especial para a CMC — publicado 15/07/2022 08h00, última modificação 28/10/2022 17h11
Segundo estudo, foram 346 fake news espalhadas durante as últimas eleições presidenciais. O que esperar para 2022?
Guerra de desinformação: as fake news nas eleições de 2018

Analisando apenas os dados de cinco agências de checagem, foram 346 fake news circuladas na época. (Arte: Emily Curbani/CMC)

Chegaram a ser fabricadas seis fake news por dia em 2018, para o segundo turno das últimas eleições presidenciais. Isso significa que se você acordasse às 8h da manhã, já poderia ter duas novas mentiras eleitorais circulando nos seus grupos de WhatsApp. Até o almoço, mais uma, e outras três até a meia-noite. No dia seguinte, tudo de novo.

A pesquisadora Tatiana Dourado registrou a circulação de 346 fake news no período eleitoral daquele ano, compilando só os desmentidos publicados pelas cinco principais agências de checagem do Brasil. A avalanche de mentiras começou com 56 em agosto, passou para 100 em setembro e atingiu um pico de 190 em outubro.

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Imagine que, em 2018 - realizando uma análise de apenas 57 dessas 346 fake news circuladas - foram mais de 4 milhões de compartilhamentos na reta final das eleições. Mais de mil contas propagavam essas informações diariamente, dos dois lados da disputa.

Assim, não é à toa que a jornalista Cristina Tardáguila, fundadora da Agência Lupa, uma das cinco estudadas por Dourado, afirma que 2018 foi o ano decisivo para o amadurecimento da checagem dos fatos no Brasil. Isso porque, com o crescimento meteórico das redes sociais nos últimos anos, tornou-se obrigatório checar a veracidade de uma informação antes de repassá-la.

Lenha na fogueira
Para entender a criação dessa “atmosfera de fake news” é preciso entender o contexto político do país na época. O Brasil entra em 2018 dividido, com o acirramento da disputa política marcado por protestos, impeachment, acusações de golpe e promessas de salvação. Até aí, nada que o país não tenha vivido antes. A novidade foram as redes sociais, botando lenha na fogueira da intolerância política.

Antes do surgimento das redes sociais, a cobertura das eleições e demais acontecimentos referentes ao processo eleitoral eram informados por televisão, rádio, jornais e revistas. Agora, qualquer um passou a possuir a liberdade de dar a sua versão dos fatos online. Assim, surgem todos os tipos de blogs, páginas e posts, com diversos posicionamentos políticos, indo da defesa do comunismo aos pedidos por uma intervenção militar no país.

E é dentro deste contexto que começam a explodir as fake news. Apesar de muitas estarem bem estruturadas, costumam ser uma mais absurda do que a outra, numa tentativa obstinada de derrotar seu inimigo a qualquer preço. Elas demarcaram a mudança do debate dos espaços tradicionais, mediados por profissionais da comunicação, para a terra de ninguém da internet e dos aplicativos. 

O jornalista e pesquisador José Petrola destaca que isso ficou mais evidente com a campanha do então candidato Jair Bolsonaro, que não compareceu aos debates de televisão, mas se manifestou diariamente em seu Twitter e Facebook durante a disputa. Bolsonaro foi o centro de diversas fake news, tanto de esquerda como de direita.

O atentado que sofreu em setembro de 2018, enquanto fazia campanha em Minas Gerais, é o exemplo perfeito. Na época, diversos rumores saíram sobre o assunto; alguns afirmavam que fora algo arquitetado pelo Partido dos Trabalhadores (partido de Fernando Haddad, que concorria contra Bolsonaro), enquanto outros tinham certeza que havia sido planejado pelo próprio candidato, para posar de mártir. No fim, nada foi provado.

Em sua pesquisa, Tatiana Dourado mostra que, em outubro, no segundo turno de 2018, as fake news refletiram a disputa eleitoral acirrada entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. Os nomes dos presidenciáveis apareceram cada vez mais em notícias falsas, sendo “Haddad” a palavra mais encontrada nas fake news daquele mês.

Ao final do período eleitoral, os brasileiros já haviam sido bombardeados com a mentira da urna sugestiva (que sugeria Fernando Haddad apenas digitando o número 1), com o famigerado Kit Gay (nome atribuído ao programa Escola Sem Homofobia), e com a jovem marcada pela suástica por apoiadores de Bolsonaro (desmentida após investigação, que concluiu que ela se automutilou). 

Se 2018 foi assim, como sobreviver a 2022?
As fake news não são exclusivas da política. Elas não acabaram após as eleições, e não vão voltar apenas no próximo período eleitoral. Se tem algo que o mundo teve que lidar durante a pandemia do coronavírus foi a desinformação. As notícia falsas promoveram a descrença na ciência e espalharam teorias da conspiração, fazendo da doença - uma questão de saúde - tornar-se uma pauta política.

Mas o mundo está se adaptando a isso. Agora, aos poucos, as pessoas estão aprendendo a botar em prática um dos pilares do jornalismo: a checagem. Hoje existem empresas, veículos e outras diversas iniciativas que vêm trabalhando na checagem de fatos, divulgação de informações corretas e ensinando a identificar fake news.

No seu doutoramento, concluído na Universidade Federal da Bahia, onde funciona um dos principais grupos de pesquisa sobre comunicação política do Brasil, Tatiana Dourado consultou a Agência Lupa, a Aos Fatos, o Boatos.org, o projeto Comprova e o Fato ou Fake. Mas há muitos outros, inclusive o Gralha Confere, realizado pelo TRE-PR, do qual a CMC será parceria nas eleições deste ano.

Todos eles têm canais para você denunciar uma postagem que desconfie ser falsa, para que as equipes profissionais possam buscar evidências para confirmar ou desmentir o que circula na internet. No caso aqui do Paraná, o TRE-PR também recebe denúncias e tira dúvidas por meio do WhatsApp (41 3330-8500).

Gralha Confere
No Paraná, o projeto Gralha Confere, foi começado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PR) em 2020. Para as eleições deste ano, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) se juntou ao TRE-PR para ajudar na divulgação do projeto. O Gralha Confere recebe, checa e divulga informações sobre o processo eleitoral, buscando acabar com a desinformação (saiba mais).

Nossa Memória
O Nossa Memória é uma iniciativa da Diretoria de Comunicação da CMC para preservar e recordar as histórias de Curitiba, do Paraná e também do Brasil. As reportagens históricas sobre as Fake News são parte de uma série especial para ajudar a divulgar a parceria da Câmara com o projeto Gralha Confere, assim como espalhar o conhecimento sobre o assunto.

*Notícia elaborada pela estudante de Jornalismo Sophia Gama*, especial para a CMC
Supervisão do estágio: Fernanda Foggiato
Edição: José Lázaro Jr.
Revisão: Alex Gruba

Referências
DOURADO, Tatiana. Fake news na eleição presidencial de 2018 no Brasil, 2020. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/31967/1/Tese_Tatiana%20Dourado.pdf>. Acesso em: 08/07/2022

TARDÁGUILA, Cristina. 2018: o ano em que a checagem de fatos no Brasil amadureceu à força, 2018. Disponível em: <https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2018/12/31/artigo-epoca-2018-amadurecimento>. Acesso em: 11/07/2022

PETROLA, José Ismar. Fake news e a disputa entre grande imprensa e redes sociais na campanha eleitoral de 2018 no Brasil, 2019. Disponível em: <http://obcom-usp.com.br/ebook_eleicoes/ebook_eleicoes/Liberdade_de_expressao_e_campanhas_eleitorais_Brasil_2018_v3.pdf#page=110>. Acesso em: 11/07/2022

G1. Jair Bolsonaro é eleito presidente com 57,8 milhões de votos, 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/apuracao/presidente.ghtml>. Acesso em: 13/07/2022