Francisco Negrão e as Atas da Câmara

por João Cândido Martins — publicado 29/05/2013 08h00, última modificação 06/05/2022 15h47

Francisco Negrão foi pesquisador que se debruçou sobre um grande conjunto de documentos da instituição e publicou obras fundamentais para quem deseja compreender a trajetória das pessoas que moraram na cidade. O texto também é um convite aos interessados em estudar o Legislativo, pois a biblioteca da Câmara de Curitiba está aberta a estudantes, docentes universitários e pesquisadores.

Graças a Francisco de Paula Dias Negrão (1871-1937), o patrimônio documental da Câmara Municipal é hoje um dos mais completos e conservados do país. Ao longo de 26 anos, o pesquisador transcreveu manualmente o conteúdo de toda a documentação pública produzida em Curitiba, da fundação em 1693 até o ano de 1932, quando encerrou as pesquisas. Desse esforço surgiram 60 livros manuscritos, totalizando 3.000 páginas que contém termos de vereança, provimentos, alvarás, resoluções, cartas-régias, prestações de contas e mais uma infinidade de registros. Quando tomou posse como diretor do Arquivo Público do Paraná, em 1906, Negrão encontrou os originais de toda essa documentação histórica em salas da Secretaria de Viação e Obras Públicas (órgão a que estava subordinado o Arquivo Público).

Na virada do século XIX para o XX, vários intelectuais paranaenses se engajaram em torno da valorização da cultura local, mais especificamente em torno da criação de uma identidade local – sentimento coletivo que inexistia até aquele momento pelo simples fato de que, durante décadas, o Paraná foi um apêndice da Província de São Paulo, desprovido de recursos e repleto de desafios como o clima e a geografia.

Escritores, pintores, músicos e, principalmente, historiadores passaram a exaltar o Paraná, num movimento que ficou conhecido como “Paranismo” e agregava muito das ideias então reinantes (como o positivismo). Francisco Negrão estava entre eles, mas sua contribuição extrapolou o Paranismo e acabou se transformando numa referência obrigatória para todo o povo paranaense, em especial, o curitibano.
 
Genealogia
De forma simultânea ao seu trabalho com a transcrição das Atas da Câmara, Negrão se dedicou à elaboração de um catálogo de nomes que compuseram a formação de Curitiba desde seus tempos mais remotos. Essa alentada pesquisa gerou seis volumes conhecidos como Genealogia Paranaense. Nas palavras do pesquisador Ricardo Oliveira, em sua participação no Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime (Lisboa, 2011), a Genealogia Paranaense é “uma prosopografia do senhoriato das vilas de Paranaguá e Curitiba, um grande inventário demográfico e genealógico da região”.

O livro segue os moldes da Genealogia Paulistana, de autoria de Luiz Gonzaga da Silva Leme (1852-1919). Conforme esclarece Oliveira, “a obra está dividida em títulos genealógicos e cada um representa a descendência de um personagem importante para o Paraná. O título é o retrato da evolução de uma rede de parentesco, a partir da família do titular, em um efeito progressivo em cascata. Todos os personagens de um título têm vínculos de parentesco, ou ancestrais em comum, por mais remotos que sejam. Trata-se de uma formidável visualização da classe dominante no Paraná”.

Em artigo publicado no jornal O Estado do Paraná em 1974, o jornalista Aramis Millarch explicou que “o primeiro volume da "Genealogia Paranaense" saiu em 1926, aparecendo até 1929 um novo volume a cada ano. A morte do historiador, oito anos depois, interrompeu a publicação da volumosa obra. Graças a iniciativa do deputado Caio Machado (1885-1954), também jornalista e historiador, o Congresso Estadual, na legislatura de 1937, autorizou o Governo do Estado a auxiliar a conclusão da impressão do trabalho. A viúva Astrogilda de Sant'Ana Negrão solicitou ao então interventor Manoel Ribas a abertura do crédito necessário para cobrir as despesas de edição dos dois últimos volumes, escritos em 1930 mas que só saíram de 1946 a 1950.

Dez anos depois, 1960-61, o genealogista paulista Salvador de Moya, por sua própria iniciativa, resolveu publicar como suplementos da Revista Genealógica Latina, em São Paulo, na coleção Índices Genealógicos Brasileiros os volumes de Batismo e Apelido (onde podem ser encontrados nos nomes das famílias paranaenses pesquisadas até 1930”.

Ricardo Oliveira lembra que ”Genealogia Paranaense compreende aproximadamente 35 mil indivíduos listados. Estiando-se que cerca de um milhão de indivíduos viveram no Paraná entre a segunda metade do século XIX e meados da década de 20,quando Negrão ainda pesquisava os últimos nascimentos, a obra cobre algo entre 3 e 5% de todos os paranaenses vivos entre mais ou menos 1640 e 1925”.
 
Alfarrábios
Francisco Negrão era natural de Morretes, filho e neto de políticos com alguma proeminência (ambos foram deputados estaduais e empresários da erva-mate). O pai de Francisco, João de Souza Dias Negrão (Filho), teve suficiente destaque para ser homenageado com o emprego de seu nome na nomeação de uma importante via do centro da cidade. Sua morte súbita aos 54 anos obrigou o jovem Francisco a trabalhar pelo sustento da família. Embora tenha conseguido se estabelecer no serviço público, o futuro historiador nunca chegou a acumular fortuna. A maior parte da sua vida era devotada aos alfarrábios (documentos antigos), o que lhe garantiu reconhecimento intelectual e participação ativa na vida cultural curitibana (publicação de artigos, etc.), mas pouco ou nenhum dinheiro.

Além de ser um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, Francisco Negrão também colaborou com a Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, na qual publicava a coluna Ephemérides Paranaenses. Além disso, foi membro da Academia Paranaense de Letras (Cadeira 10) e patrono do Colégio Brasileiro de Genealogia.

Seu envolvimento com a pesquisa foi tão intenso que lhe custou a visão, perdida gradualmente ao longo dos trinta anos em que esteve debruçado sobre textos antigos. Embora não tenha abordado negros e indígenas, o resultado do seu trabalho ainda vai servir durante muito tempo como base para toda sorte de estudos sobre a sociedade paranaense. A Genealogia Paranaense foi reeditada pela Imprensa oficial do Estado, em 2005 (edição limitada). Em sebos a edição original completa pode chegar a três mil reais.

Obras de Francisco Negrão
Boletim do Arquivo Público Municipal (1906-1932), A conjura separatista de 1821 (1916), O guarda-mór Francisco Lustosa (1917), As minas de ouro e prata da Capitania de Paranaguá (1920), Efemérides Paranaenses (1920/21), A viagem de Dom Pedro II através do Paraná (1925), Memória da Santa Casa de Misericórdia (1926), O centenário da colonização alemã de Rio Negro (1929), Memória sobre os monumentos históricos e artísticos do Paraná (1932), Memória Histórica Paranaense (1934), Memória sobre o ensino e a educação no Paraná (1935). Restaram inacabados: Esboço para a História do Paraná, Vultos notáveis do Paraná e Biografia de Ermelino de Leão. 

Referências Bibliográficas

“O Silêncio das Genealogias – Classe Dominante e Estado no Paraná (1853-1930)”, de Ricardo Costa de Oliveira. Tese de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas, em 2000. Link aqui.

“Experiência docente no século XIX: trajetórias de professores de primeiras letras da província de São Paulo e da província do Paraná”, de Fabiana Garcia Munhoz. Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação da USP, em 2012. Link aqui.
 
“Boletins do Arquivo Municipal de Curitiba (1906-1932)”, do Arquivo Público do Paraná.

Projeto Genealogia Paulistana. Link aqui.

Biografia de Francisco Negrão, escrita por Wilson Bóia e disponibilizada pela Academia Paranaense de Letras.

Biografia de Francisco Negrão, disponível no Colégio Brasileiro de Genealogia. Link aqui.

Artigo de Aramis Millarch, publicado no jornal O Estado do Paraná, em 1974. Link aqui.

Artigo sobre genealogia paranaense (litoral do Estado), apresentado pelo pesquisador Ricardo Oliveira no Fórum sobre Genealogia. Link aqui.