Experiência da tarifa zero de Caucaia é debatida na Comissão do Transporte
As reuniões da comissão especial têm servido para que os vereadores conheçam o funcionamento do sistema de transporte público da cidade e os detalhes do atual contrato. (Foto: Carlos Costa/CMC)
Na semana do dia 17 de julho, a Comissão Especial Para Discutir o Novo Contrato do Transporte Coletivo - Tarifa Zero promoveu duas viagens técnicas a Belo Horizonte (MG) e a Caucaia (CE). A agenda em dose dupla serviu para que o colegiado pudesse reunir informações a respeito do sistema de transporte público de ambos os municípios, em especial do valor da passagem pago pelos usuários. Em reunião nesta sexta-feira (4), o colegiado trocou impressões sobre a experiência da cidade cearense, que implantou a tarifa zero em setembro de 2021.
Herivelto Oliveira (Cidadania), que preside o colegiado, e o vice-relator da Comissão Especial do Transporte, Dalton Borba (PDT), foram juntos ao interior do Ceará, para conhecerem o sistema de Caucaia e o “Bora de Graça”, o programa local da tarifa zero. Localizada no litoral do estado, a cidade integra a região metropolitana de Fortaleza, tem 400 mil habitantes e oferece passagem gratuita em 21 linhas de ônibus. A frota, hoje, conta com 70 veículos.
Caucaia adotou a tarifa zero durante a pandemia e os números estão bem consolidados, conforme analisou Herivelto Oliveira. Desde o início do programa "Bora de Graça", a cidade cearense registrou um aumento do número de passageiros: em agosto de 2021, um mês antes da implantação da tarifa zero, o sistema transportou cerca de 510 mil passageiros, e, em maio desde ano, foram transportados 2,3 milhões de passageiros, cerca de quatro vezes mais. O número de quilômetros rodados também cresceu: passou de 385 mil km rodados, antes do projeto, para 560 mil km rodados agora.
Segundo Borba, a prefeitura local explicou que houve um colapso no número de usuários, com baixa de passageiros, fazendo com que a concessionária contratada para fazer o serviço entrasse em crise financeira. Com a implantação do “Bora de Graça”, a Prefeitura de Caucaia passou a pagar uma taxa média de R$ 24,5 mil por ônibus para o custeio da depreciação e a manutenção dos veículos, e mais R$ 3,50 por km rodado, “independente do número de passageiros que o ônibus transporta”.
O novo modelo do sistema de transporte coletivo gerou dois impactos: já no primeiro mês, o número de passageiros quintuplicou, passando de 18 mil para 90 mil. “Isto no chamou a atenção, pois demonstra que muitos passageiros não usavam a frota porque não tinham dinheiro, e [com a tarifa zero] passaram a ter acesso à cidade. E muitos passageiros que faziam compra no município mãe, que é Fortaleza, passaram a fazer compras em Caucaia. A economia começou a gerar ali dentro, as pessoas começaram a ficar no município”, destacou o vice-relator.
Como consequência do aumento do número de usuários, o comércio e o setor de serviços registraram um aumento de 25% no faturamento. A arrecadação do município também aumentou 25%. “A mecânica que eles adotaram demonstrou que a adoção da tarifa zero trouxe um incremento para a economia, acesso à cidade, maior fluxo de pessoas explorando pontos que eram inexploráveis, e um desenvolvimento municipal”, disse Borba. “O programa representa uma transferência direta de renda. A partir do momento em que o município banca o transporte das pessoas, é o mesmo que dar o dinheiro para que as pessoas fiquem na cidade e gastem na cidade”, emendou Oliveira.
Como pensar Curitiba?
Conforme o presidente do colegiado, em Caucaia, o custo de cada ônibus para o sistema é R$ 3,27, enquanto que, no sistema curitibano, que tem diferentes veículos, o custo mais barato é em torno de R$ 6,40. “E o que entra no nosso custo? No custo deles [Caucaia] entra o transporte, o desgaste do veículo. Aqui não, vai entrar o desgaste, a renovação da frota, a construção do terminal, tudo mais que vai entrando”, complementou.
Relator do colegiado, Bruno Pessuti (Pode) explicou que Curitiba calcula o custo do sistema por quilômetro rodado, mas em 2010 inseriu o IPK (índice de passageiros por quilômetro), que divide pela quantidade de passageiros equivalentes. Esta forma de cálculo, ponderou, teria sido “o que causou todas as distorções tarifárias ao longo do tempo”. “Estimava-se que o número de passageiros crescesse, mas houve o movimento contrário e reduziu. Isto fez com que a tarifa social descolasse da tarifa técnica, mas o custo do ônibus é por km rodado”.
“Em 2008, na Lei do Transporte, os vereadores tentaram instituir, por emenda, o quilômetro rodado, mas não foi aprovada. Era uma inovação que se tentava fazer. Depois de 10, 15 anos, [a não aprovação da emenda] se tornou um erro administrativo e que pode ser corrigido quando formos discutir as atualizações [do contrato do transporte coletivo]”, continuou Bruno Pessuti. Para o relator, não dá para comparar os sistemas de Caucaia e Curitiba, mas a experiência da cidade cearense mostra que é possível “em algumas partes ou alguns dias [da semana], buscar uma solução “parecida” para aumentar o número de usuários do serviço curitibano.
Serginho do Posto (União), vice-presidente da Comissão Especial do Transporte, também deu sua opinião sobre o programa “Bora de Graça”, argumentando que a opção por custear a tarifa do transporte coletivo é “de gestão”, quando a prefeitura deixou de investir recursos em outras áreas para bancar a passagem dos moradores da cidade. Além disso, emendou o vereador, o aumento do número de passageiros – experiência já comprovada em Caucaia – pode influenciar no aumento do custo do sistema, já que mais veículos circulando seriam necessários.
Hoje, o custo do transporte de Curitiba é em torno de R$ 960 milhões/ano. A cidade coloca R$ 200 milhões no sistema, cerca de 2% do orçamento, que é de R$ 11 bilhões. “O município teria que abrir mão. Isto é uma decisão de gestão, passa pelo Executivo e pelo Legislativo. Se a gente tem interesse, temos que falar com o Executivo. Estamos à beira de um [novo] contrato, que vai se estender por duas, três décadas, quase. […] É uma opção, se o gestor quiser fazer, ele vai fazer. Ele tem que dizer ‘olha, vou deixar de aplicar o dinheiro aqui, vou deixar de fazer este investimento e vou pagar o transporte’. Por outro lado, vamos ter uma injeção de recursos direta, na economia local, e que compense isto. Não sei se o Executivo tem pensado neste lado”, analisou Serginho do Posto.
Para Herivelto Oliveira, se Curitiba passasse a bancar todo o custo do sistema, este seria menor. “Se nós entendermos que esse sistema poderia dar um salto de arrecadação em 10%, [isso] já pagou [o aumento do custo]. O sistema seria autossuficiente, porque temos um orçamento de R$ 11 bilhões, 10% é R$ 1,1 bilhão, então o sistema está pago, sem que o município tenha R$ 0,01 de custo adicional”, exemplificou Dalton Borba.
“Curitiba hoje transporta 600 mil passageiros/dia, são cerca de 300 mil que pagam a tarifa. A tarifa social é R$ 6,00. [Com a tarifa zero] então, teríamos uma injeção direta deste dinheiro na economia local. Uma pessoa da família que pega um ônibus para ir e outro para voltar, gasta R$ 252,00 por mês. Se forem três pessoas da mesma família, vai para R$ 750,00 por mês, isto é 70% do salário mínimo. É muito dinheiro, que poderia ficar dentro da economia local. Então, estou muito convencido [na proposta da tarifa zero]”,continuou o vice-relator.
Ao ponderar que “sempre teve ressalvas em relação à tarifa zero, por desconhecer a proposta”, Professor Euler (MDB) observou que, com o andar dos trabalhos da comissão, tem cada vez mais se convencido “da possibilidade e até da necessidade da tarifa zero”. “Não podemos desprezar que o trânsito vai melhorar. Se eu tenho mais ônibus transitando, com mais pessoas dentro de um único veículo, a quantidade de veículos individuais vai diminuir. À medida que eu tenho ônibus de graça, eu vou andar de ônibus e vou deixar de ter estes custos [depreciação do veículo, combustível, seguro]. Então, não é só o dinheiro da passagem que vai para a economia, é o dinheiro de todas as pessoas que fazem uso do carro e que, talvez, fizessem a opção de nem ter mais o carro”, argumentou.
Herivelto Oliveira sugeriu que a comissão especial solicite à Urbs uma pesquisa para entender a dinâmica do sistema da capital, que possa embasar estudos pela viabilidade da tarifa zero na cidade. “As pessoas pensam ‘400 mil habitantes para 70 ônibus deve ser uma maravilha’, mas tenho uma observação a fazer: eles têm soluções para o transporte que estão funcionando muito bem. O que nós vimos lá nos deixou impressionados devido à eficiência do serviço. Não é uma cidade pequena, é um município grande.”
Segundo o vice-presidente,o diálogo pode ampliar a discussão sobre a tarifa zero, mas é preciso trazer mais atores para o debate. Serginho do Posto também recomendou que os trabalhos da Comissão do Transporte sejam estendidos até a chegada da minuta do novo contrato do serviço público. A ideia foi bem recebida por Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), que complementou ao sugerir que o ritmo das reuniões seja mantido, a fim de que o grupo possa reunir mais informações que possam contribuir para “mudar o sistema”.
A Comissão Especial do Transporte
Instalada em 18 de abril para discutir o novo contrato do transporte coletivo da cidade e a viabilidade da implementação da tarifa zero, a Comissão Especial do Transporte foi proposta em 2021 por meio de requerimento (051.00004.2021) aprovado por unanimidade pelo Legislativo no dia 03 de abril deste ano. A atual concessão do serviço público vence em 2025 e o grupo tem o prazo de 120 dias para elaborar um relatório que possa subsidiar a construção da nova licitação.
As reuniões têm servido para que os vereadores conheçam o funcionamento do sistema de transporte público da cidade e os detalhes do atual contrato. Visitas técnicas às garagens das empresas de ônibus, agendas com universidades e especialistas que estudam o sistema de Curitiba e viagens para conhecer os sistemas de transporte coletivo de outras cidades também estão no radar do colegiado.
Formada por oito parlamentares,o colegiado foi criado a partir da iniciativa de Herivelto Oliveira (Cidadania), eleito presidente do colegiado. Serginho do Posto (União) foi escolhido vice-presidente. A relatoria está com Bruno Pessuti (Pode) e a vice-relatoria com Dalton Borba (PDT). Também são membros os vereadores Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), Jornalista Márcio Barros (PSD), Professor Euler (MDB) e Rodrigo Reis (União).
As reuniões do colegiado foram suspensas em julho, durante o recesso parlamentar, e caso o prazo de funcionamento da comissão especial não seja prorrogado, o parecer da Comissão Especial do Transporte deverá ser concluído até meados de setembro.
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