Ex-presidente da Urbs aponta caminhos para nova licitação do transporte coletivo
Está na hora de deixar de tratar do transporte coletivo como um negócio, e sim como um direito da população”, disse o ex-presidente da Urbs. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
A Comissão Especial do Transporte da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu mais uma agenda técnica nesta sexta-feira (29). Desta vez, o grupo formado por oito parlamentares recebeu o ex-presidente da Urbs (Urbanização de Curitiba), Roberto Gregório da Silva Junior, a convite do vice-relator do colegiado, Dalton Borba (PDT). O especialista esteve à frente da gestão da empresa entre 2013 e 2016, quando o atual contrato do serviço público já estava em vigor. A licitação, de 2011, vence em 2025.
Vice-presidente de Mobilidade Urbana do Instituto Smart City Business America (SCBA), o convidado é professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) há mais de 36 anos. Com base na sua experiência em gestão pública na área, ele apontou caminhos que podem ser seguidos pela comissão temporária do Legislativo na elaboração do relatório que poderá contribuir para a próxima licitação do serviço público.
Segundo Roberto Gregório, ao longo dos anos, a atratividade do transporte coletivo vem caindo, e o atual contrato de concessão do sistema curitibano não instrumentalizou “parâmetros” definidos pela Lei das Concessões (lei federal 8.987/1995), que determina a necessidade de um serviço prestado de forma adequada. “A lei estabelece regularidade, continuidade, eficiência, segurança, generalidade e modicidade tarifária. No atual contrato de concessão do serviço, os parâmetros não estão instrumentalizados. E não estando presentes [os parâmetros], a verificação do serviço adequado é quase impossível”, disse.
“A Lei de Concessões é clara: modicidade tarifária. E o que significa modicidade tarifária? Tarifa justa, tarifa que as pessoas tenham condições de pagar. E se a gente considera que [o transporte] é um direito constitucional, podemos considerar que as pessoas não deveriam pagar nada, deveriam ter acesso ao transporte coletivo, como já tem à segurança pública, à saúde e à educação. […] Está na hora de deixar de tratar do transporte coletivo como um negócio, e sim como um direito da população”, completou o ex-presidente da Urbs, ao observar que o atual contrato levou ao aumento da tarifa ao longo dos anos.
Custo do sistema precisa de nova modelagem
Uma tarifa alta, completou o especialista, leva a uma demanda reprimida de usuários, que precisam circular pela cidade, mas não têm acesso ao serviço, porque não conseguem pagar a passagem de ônibus. Para possibilitar que estas pessoas ingressem no sistema, Roberto Gregório defendeu uma nova forma de cálculo tarifário, com modelagem mais simplificada.
“Curitiba tem vários tipos de veículos, conduzidos em vias totalmente distintas, com consumo de pneus e outros insumos próprios, e serviços de manutenção diferenciados. Esta modelagem toda é um desafio e sempre objeto de questionamento. A simplificação do cálculo tarifário seria benéfica para todas as partes envolvidas”, emendou o especialista.
Uma sugestão prática para reduzir o custo seria a retirada total de todos os cobradores do sistema. De acordo com Roberto Gregório Junior, Curitiba ainda tem limitações para implantar o cartão transporte em todo o sistema, pois em parte dele ainda é exigida a presença de cobradores. Retirando esta função na totalidade do sistema, haveria, segundo o ex-presidente da Urbs, “uma redução de 15% no custo total”. Esses profissionais, ele salientou, poderiam ser absorvidos, sendo realocados em outras funções.
Para baixar os custos do sistema, e consequentemente o valor da tarifa, o ex-presidente ainda sugeriu a entrada de novas fontes de receitas, como a alocação de recursos arrecadados com o EstaR (Estacionamento Regulamentado), a tributação em cima da gasolina e do álcool que é utilizado pelos veículos particulares e a revisão da Lei do Vale-Transporte, sendo estas duas últimas ideias a serem pautadas em âmbito federal.
O convidado de Dalton Borba também acredita que o custo pode ficar mais barato se na próxima licitação estiver prevista a contratação de novos serviços, usar os ativos imobiliários do sistema para “incorporar novos negócios que podem ser integrados na concessão, para aumentar as receitas acessórias e reduzir a dependência com a receita do próprio sistema”.
Roberto Gregório também sugeriu outras mudanças
Para o ex-presidente da Urbs, o prazo de concessão da nova licitação deve ser menor, pois um contrato longo engessa uma possível adaptação às mudanças. “As tecnologias mudam e surgem novos serviços.” Conforme sua análise, o atual modelo, que é “rígido”, impede com que ajustes importantes no contrato “sejam feitos no tempo necessário”. Ele ainda apontou a necessidade de um edital com lotes menores, para aumentar a concorrência.
Para que mais empresas especialistas no transporte coletivo possam competir, Roberto Gregório Junior também sugeriu que as atuais garagens de ônibus sejam “transformadas como bens públicos”. “A partir do momento que novos players [empresas] entrarem no processo, eles vão precisar de garagens, e estas garagens, se tiverem nas mãos de alguns grupos, podem ser um fator limitante. Quanto mais distante [do sistema], maiores serão os custos de entrada e saída do sistema.” A nova licitação também deve considerar, segundo ele, a possibilidade da entrada de novos modais, metrô, VLT, para salvaguardar o poder público e não provocar desequilíbrio econômico-financeiro.
É possível implantar a tarifa zero?
Na avaliação do ex-presidente da Urbs, a tarifa zero, que também é objeto de estudo da Comissão Especial do Transporte, gera “impactos expressivos do ponto de vista social e financeiro”. “Impacta no orçamento do município, que efetivamente vai subir”, mas traz mais pessoas para o sistema, pois, com a ampliação do serviço, a demanda reprimida será atendida e, por consequência, será necessário mais investimentos na infraestrutura viária, para permitir com que os ônibus circulem. “A solução tem ser integrada.” Como case positivo, Roberto Gregório Junior citou a cidade de Paranaguá, que, com dois meses e meio de tarifa zero, teve um aumento de 100% nas passagens diárias, de cerca de 30% nos trajetos e precisou aumentar em 30% a sua frota de veículos.
Nos bairros com população de baixa renda, o aumento do fluxo de passageiros foi de 260%. “Quando a gente fala de demanda reprimida, de pessoas que não têm acesso [ao sistema de transporte coletivo], enfatizo que o transporte é um direito constitucional e um serviço essencial. E a gente tem que considerar que existe uma parcela da população que não tem acesso. Esse aumento de 260% junto às camadas mais pobres da população [de Paranaguá] traduz bem a dura realidade que uma parcela expressiva da população tem, que é o acesso ao transporte coletivo”, finalizou.
Paranaguá é o próximo destino da Comissão Especial do Transporte. No dia 19 de outubro, o grupo de vereadores tem uma visita técnica agendada na cidade litorânea para conhecer o sistema de transporte coletivo local e a experiência do município com a tarifa zero.
O que é a Comissão Especial do Transporte?
A Comissão Especial Para Discutir o Novo Contrato do Transporte Coletivo - Tarifa Zerofoi instalada em abril para discutir o novo contrato do transporte coletivo da cidade e a viabilidade da implementação da tarifa zero.A atual concessão do serviço público vence em 2025 e o grupo tem até novembro para elaborar um relatório que possa subsidiar a construção da nova licitação – o prazo inicial era de 120 dias de trabalho, mas foi prorrogado por mais 60 dias pelo plenário da Câmara Municipal.
O colegiado temporário é formado por oito parlamentares, sendo Herivelto Oliveira (Cidadania), presidente, e Serginho do Posto (União), vice-presidente. A relatoria está com Bruno Pessuti (Pode) e a vice-relatoria com Dalton Borba. Também são membros os vereadores Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), Jornalista Márcio Barros (PSD), Professor Euler e Rodrigo Reis (União).
As agendas têm servido para que os vereadores conheçam o funcionamento do sistema de transporte público da cidade e os detalhes do atual contrato. Visitas técnicas às garagens das empresas de ônibus, debates com universidades e especialistas que estudam o sistema de Curitiba e viagens para conhecer os sistemas de transporte coletivo de outras cidades também estão no radar do colegiado.
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