Especialistas divergem sobre uso do questionário PAR-Q para acesso às academias

por Pedritta Marihá Garcia | Revisão: Vanusa Paiva — publicado 13/05/2022 17h20, última modificação 13/05/2022 19h17
A lei municipal 13.559/2010 exige, no ato da matrícula das academias de ginástica, a apresentação do atestado médico. A inclusão do questionário como opção de ingresso foi debatida em audiência pública na CMC.
Especialistas divergem sobre uso do questionário PAR-Q para acesso às academias

Segundo o presidente do CREF9-PR, Gustavo Brandão, o questionário é simples e possibilita uma triagem, facilitando a identificação de um possível problema de saúde do aluno, que será encaminhado para avaliação médica. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Previsto para ser votado em primeiro turno na sessão plenária da próxima terça-feira (17), o projeto de lei que valida o questionário PAR-Q como uma das opções para o ingresso nas academias de ginástica da capital foi debatido em audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) desta sexta-feira (13). Tramitando na Casa desde outubro do ano passado, a matéria chegou a ser incluída na pauta de 12 de abril, mas sua votação foi adiada para a realização deste debate, que ouviu especialistas da área da saúde, como médicos e profissionais de educação física.

A iniciativa da audiência pública foi do autor da proposta de lei, Marcelo Fachinello (PSC), conforme o requerimento 407.00014.2022. O texto (005.00285.2021) altera a redação da lei municipal 13.559/2010, que hoje exige, no ato da matrícula, apenas a apresentação do atestado médico. A partir das opiniões levantadas hoje no Palácio Rio Branco, o vereador pretende apresentar novas emendas à matéria, com o objetivo de aprimorá-la – o texto já tramita com uma emenda modificativa (034.00003.2022), que estabelece que o uso do questionário não será aplicável a gestantes, a pessoas menores de 18 anos ou com mais de 60. 

O projeto inclui mais uma possibilidade de comprovação de aptidão física. Atualmente, a lei exige que qualquer participante apresente um atestado médico. Esse é o único documento aceito atualmente na nossa cidade, por força de lei. A nossa ideia não é eliminar o uso do atestado, mas criar uma segunda opção que é o chamado PAR-Q, que é uma triagem de aptidão física de praticantes de esporte. Nossa ideia é flexibilizar a exigência específica do atestado, para simplificar e facilitar o acesso a esses espaços, realizando assim uma política pública de estímulo aos hábitos saudáveis de vida, ao exercício físico e ao esporte”, defendeu Fachinello. 

O vereador argumentou, ainda, que a exigência do atestado médico “acaba sendo um obstáculo para muita gente que não tem, por exemplo, um plano de saúde” ou que demoraria a conseguir uma consulta no sistema público de saúde, “fazendo com que esta pessoa desista de adotar uma vida mais saudável”. Atualizar a legislação, na opinião de Fachinello, “representa uma visão mais moderna da saúde preventiva, melhorando a saúde pública”. 

Divergência entre especialistas
Para o debate, foram convidados o médico do esporte e cardiologista Marcelo Leitão; a médica da Ligiana Maffini Romanus, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS); e o presidente do Conselho Regional de Educação Física da 9ª Região (CREF-9), Gustavo Chaves Brandão. E entre esses especialistas, não houve consenso sobre a necessidade da aprovação do projeto de lei – de um lado, houve quem defendesse a necessidade do questionário para facilitar o acesso das pessoas às academias e aos centros esportivos, e do outro quem considera o próprio PAR-Q obsoleto. 

Gustavo Brandão explicou que o Brasil é o país no mundo em número de academias, mas é o em número de frequentadores. São cerca de 34 mil academias e 9 milhões de usuários. Em Curitiba, atualmente são 1.118 academias registradas no conselho. “Quantas consultas serão necessárias [para atender os alunos]? Vamos fechar as portas das academias? Porque se a gente tiver que fazer consulta médica para todos antes do início da atividade física, a gente não vai conseguir atender. Temos 10 mil profissionais em Curitiba e vamos bloquear o trabalho desses profissionais? Ou a gente pode fazer a capacitação desse profissional e, junto com a classe médica, proporcionar melhores condições para a prática do exercício”, argumentou.

Ainda segundo o presidente do CREF9-PR, o questionário é simples de ser aplicado e possibilita uma triagem, facilitando a identificação de um possível problema de saúde do aluno, que será encaminhado para avaliação médica. “Nós [profissionais de Educação Física] podemos fazer exames de glicemia [capilar]. Devemos fazer e por qual motivo? Eu não posso deixar uma pessoa treinar com hipoglicemia ou hiperglicemia e a gente tem valores para isso. Abaixo de 60mg/l de sangue não treina e acima de 250mg/l também não treina. É claro que nós não vamos usar isso para falar ‘olha, você é diabético ou não diabético’, vamos usar para nossa segurança, enquanto profissionais, para aplicar o exercício na academia”. 

Para o convidado, a lei em vigor é, na essência e na visão do próprio conselho, “falha”. A norma não aponta, por exemplo, para quais níveis de intensidade de exercício físico o atestado deve ser exigido. Já o atestado seria, na sua avaliação, "muito simples”. “Um atestado médico de aptidão física não garante que eu consigo fazer um exercício moderado ou intenso de forma segura”, opinou, para assegurar, na sequência, que os profissionais de Educação Física têm, na sua formação acadêmica, “um rol de conteúdos” que os capacita para “fazer a devida triagem de alunos”. Ele também garantiu que se o PAR-Q for adotado, grande parte da população terá seu acesso facilitado às academias, com respaldo médico. “Se uma pessoa responder ‘sim’ em algum ponto do questionário, será encaminhado para uma consulta médica para avaliar o estado de saúde geral”, complementou Brandão. 

Médico do esporte e cardiologista, Marcelo Leitão não concorda com a posição do Conselho de Educação Física e reforçou a importância do atestado médico. Segundo ele, há um contingente significativo de pessoas que “não vão ao médico por décadas” e a exigência do atestado médico é uma oportunidade de fazer com que o indivíduo tenha contato com um médico, “começar alguns cuidados que não tinha”. O especialista ainda considera o questionário proposto como “ultrapassado”, tendo sido implantado para a avaliação específica de corredores. “[O PAR-Q] não foi feito para avaliação médica”, disse.

Ainda para Leitão,
apesar da lei municipal 13.559/2010 estar em vigor há 12 anos, poucas academias da cidade seguem rigorosamente a norma, ou seja, pedem atestados para seus alunos. “Grandes redes de academia, no entanto, são rigorosas com a questão legal e, de fato, exigem atestado médico. Olhando os números de crescimento dessas grandes redes, mesmo com atestado elas continuam crescendo. Então que barreira é essa que estamos falando? Esse argumento, num primeiro momento, parece válido, mas se a avaliação for feita de forma aprofundada talvez [a solicitação do atestado] não seja o principal motivo para que os indivíduos não se envolvam com a atividade física”. 

O médico ainda afirmou que tem conhecimento de que as pessoas são induzidas por funcionários das academias a responderem “sim” em todas as perguntas do questionário – quando aplicado – para que possam ser matriculadas. “Se a gente for retirar a avaliação médica para liberar os indivíduos, não tem por que ter PAR-Q, porque ele realmente não serve para nada, do jeito que é feito. É um instrumento ultrapassado, antigo, e da forma como ele é aplicado aqui, simplesmente não funciona”, avaliou Marcelo Leitão. Para ele, uma alternativa ao atestado médico precisa ser efetiva e trazer algum benefício. 

O que diz a SMS
Representante da Prefeitura de Curitiba, Ligiana Maffini Romanus, médica do Departamento de Atenção Primária à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), informou que, em 2021, foram realizadas 1.639.662 consultas médicas na atenção primária do SUS, o que significaria que a maioria das pessoas que têm comorbidades – como hipertensos e diabéticos – “está sob cuidado médico e não teria a barreira para o atestado médico”. Além disso, o acompanhamento médico garantiria que esse aluno de academia “já está sendo orientado para a atividade”. 

Sobre o questionário PAR-Q, ela disse que nas diretrizes da Associação Médica Brasileira, “em 2021, já se falava em um questionário para pessoas que não tivessem comorbidades, para avaliação pré-exercício”. E explicou, ainda, que o projeto de lei de Marcelo Fachinello “deixa claro que será o atestado médico ou o questionário [a ser adotado para ingresso nas academias e centros esportivos”. “[Será] aplicado a pessoas entre 18 e 60 anos, com exceção das gestantes. Se todas as respostas forem negativas, esta pessoa estará apta; se uma for positiva, essa pessoa terá que passar por avaliação médica”, reforçou. 

Também participaram da audiência pública os vereadores Amália Tortato (Novo), Indiara Barbosa (Novo), Mauro Bobato (Pode) e Maria Leticia (PV); além de Francisco Moraes Silva, médico legista aposentado e professor da UFPR; e Alexei Volaco, médico endocrinologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes. 

Audiências públicas
A proposição de audiências públicas, cursos e seminários pelos vereadores depende da aprovação de requerimento em plenário, em votação simbólica. O objetivo da reunião com os cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis é instruir matérias legislativas ou tratar de assuntos de interesse público. Caso a atividade ocorra fora da CMC, a liberação de servidores cabe à Comissão Executiva – formada pelo presidente, o primeiro e o segundo-secretário da Casa. No caso das comissões temporárias ou permanentes, a realização de audiências públicas, cursos ou seminários é deliberada pelo colegiado e despachada pelo presidente do Legislativo. 
 

A exceção são as audiências públicas para a discussão das Diretrizes Orçamentárias (LDO), do Orçamento Anual (LOA) e do Plano Plurianual, conduzidas pela Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização. Por se tratar de etapas legais para a tramitação dos projetos, sua realização não precisa passar pelo crivo dos membros do colegiado. Também cabe ao colegiado de Economia convocar as audiências quadrimestrais de prestação de contas da Prefeitura de Curitiba e da Câmara Municipal. À Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte compete a condução das audiências quadrimestrais para balanço do Sistema Único de Saúde (SUS) da capital. Ambas têm respaldo legal e independem de aprovação dos membros dos colegiados. 

Clique aqui para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2022.