Especialistas defendem próteses do SUS a pacientes com câncer
“No caso do câncer de laringe, que pode provocar a perda da voz, há uma estimativa de cerca de 860 casos por ano no estado, e em Curitiba, cerca de 146 casos considerando a população estimada", informou Aloysio Enck. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
O câncer de cabeça e de pescoço – que engloba diferentes tipos, como tumores na faringe, na laringe, na cavidade nasal ou oral e até na tireoide – foi debatido em audiência pública realizada pela Câmara Municipal de Curitiba (CMC) nesta segunda-feira (20). A discussão reuniu especialistas na área de saúde, pacientes, vereadores e representantes da Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG Brasil) e marcou o apoio do Legislativo à campanha nacional de prevenção, chamada Julho Verde.
A atividade foi coordenada pela Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte (421.00005.2022), que é presidida pela vereadora Noemia Rocha (MDB). O mês de julho foi instituído como Mês Nacional de Combate ao Câncer de Cabeça e Pescoço através da lei federal 14.328/2022, sancionada em abril deste ano e que tramitou no Congresso Nacional por quase cinco anos. A campanha nacional, que é coordenada pela ACBG Brasil, está em sua 6ª edição. Em Curitiba, a lei municipal 15.844/2021 também instituiu o mês Julho Verde no calendário oficial da cidade, dedicado à realização de ações educativas de prevenção desse tipo de câncer.
Caracterizado pelos tumores de faringe, de laringe, dos lábios, das cavidades oral ou nasal e até de tireoide, o câncer de cabeça e pescoço, em geral, não demonstra sintomas em sua fase inicial. Quando os sintomas surgem, as reclamações mais comuns dos pacientes são: obstrução nasal persistente, sangramento nasal, alterações da visão, ferida persistente no céu da boca e dor persistente na região da face. Rouquidão, dificuldade para engolir, emagrecimento sem causa definida e ferida aparente na face também são sintomas.
Fonoaudióloga do Hospital São Vicente, Larissa Teleginski, explicou que essa doença acomete “estruturas muitos próximas e pequenas, responsáveis pela voz, fala, deglutição e respiração”. “[Estruturas] que são responsáveis por funções vitais. Quando a gente tem uma comorbidade nessa região, a gente retira a possibilidade de comunicar, de comer, de se expressar no mundo”, orientou. Segundo a especialista, quando o diagnóstico é feito, o avanço da doença “já acometeu muitas dessas estruturas”.
Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontam que 76% dos casos só são diagnosticados em estágio avançado, dificultando o tratamento e aumentando a taxa de mortalidade. Só em 2019, 20.722 pessoas morreram no Brasil, vítimas do câncer de cabeça e pescoço. A maioria dos pacientes que desenvolvem esse tipo de câncer são do sexo masculino, com idade acima dos 60 anos. E os principais fatores de risco para o câncer são o tabagismo, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a combinação dos dois; além da infecção pelo HPV (sigla em inglês para papilomavírus humano). “Quando o diagnóstico é realizado na fase inicial, o paciente tem 80% de chance de sobreviver”, emendou a fonoaudióloga.
Próteses pós-tratamento
Conforme a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), o tratamento mais eficaz para esse câncer é a cirurgia, indicada para cada caso de maneira individualizada. Conforme o tipo de lesão podem ser retiradas partes da mandíbula, ou dos lábios, ou das estruturas responsáveis pela fala. Radioterapia, hormonioterapia e quimioterapia são opções de tratamento, que podem ser usadas de forma combinada ou não.
Médico-cirurgião de cabeça e pescoço e professor universitário, Aloysio Enck explicou que a principal demanda dos pacientes que passam pela cirurgia é o apoio do poder público no pós-tratamento. Ele atua no Paraná e em Santa Catarina e contou que, no estado vizinho, o governo fornece próteses e insumos para pacientes que passaram pela laringectomia, que é a remoção total ou parcial da laringe. Ao contrário do nosso estado que, na sua avaliação, ainda “corre atrás” da conscientização sobre esse tipo de câncer.
“Sempre digo aos meus pacientes: ‘só valoriza quem perde’. Então, perder uma funcionalidade tão importante como essa acaba acarretando uma influência no dia a dia dessas pessoas”, disse, ao citar o exemplo de quem perde a fala após o tratamento do câncer. Para ele, o número estimado de pacientes que podem chegar a perder a voz é pequeno, não justificando, assim, o desinteresse do poder público no pós-tratamento.
“No caso do câncer de laringe, que pode provocar a perda da voz, há uma estimativa de cerca de 860 casos por ano no estado, e em Curitiba, cerca de 146 casos considerando a população estimada. [Agora], imagine que 75 pacientes [que moram na capital] não terão a reinserção na sociedade, porque não terão mais a fala. Isso é impactante. A grande questão é não ser uma população tão grande e Santa Catarina conseguiu ver. Em SC, esse paciente, eu consigo colocar uma prótese fonatória nele, consigo reinserir na sociedade”, comentou, ao explicar que o estado vizinho tem previsão no seu orçamento para a disponibilização das próteses.
“Hoje, em Santa Catarina existem cerca de 220 pacientes com prótese fonatória, que também recebem insumos mensais, como adesivos e plugs (filtros para reabilitação pulmonar), e terapia. Tem um custo alto, sim. Hoje uma prótese fonatória custa mais ou menos R$ 5 mil na iniciativa privada. Imagina um paciente que está no SUS? Não vai conseguir angariar esses fundos”, continuou Aloysio Enck. Na avaliação dele, o custo de fornecimento da prótese e dos insumos é menor, se comparado aos custos com processos judiciais movidos por pacientes para ter acesso gratuito ao atendimento.
“A Comissão de Saúde vai solicitar à Secretaria de Saúde de Santa Catarina as informações sobre como foi o processo de estudo para fornecimento das próteses e insumos para os pacientes. Esse contato será feito por intermédio da Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço. Na sequência, vamos levar essa proposta para a Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba. Para se ter uma noção, os pacientes de Curitiba têm ido para SC para buscar o pós-tratamento e precisamos dar uma solução para esse problema”, finalizou Noemia Rocha, presidente do colegiado.
Também participaram do debate o vereador Pastor Marciano Alves (Solidariedade), que integra o colegiado de Saúde, que se somou à vereadora na busca pelo atendimento à demanda; a coordenadora de Advocacy desta Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço, Daniela Kovaliski, que explicou aos presentes como é a atuação da entidade e reforçou as falas dos convidados acima; e Ligiane Romanos, médica de Apoio da Coordenação de Adulto, da Secretaria de Saúde de Curitiba, que explicou como tem sido aplicadas as políticas públicas de saúde neste caso.
Audiências públicas
A proposição de audiências públicas, cursos e seminários pelos vereadores depende da aprovação de requerimento em plenário, em votação simbólica. O objetivo da reunião com os cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis é instruir matérias legislativas ou tratar de assuntos de interesse público. Caso a atividade ocorra fora da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), a liberação de servidores cabe à Comissão Executiva – formada pelo presidente, o primeiro e o segundo-secretário da Casa. No caso das comissões temporárias ou permanentes, a realização de audiências públicas, cursos ou seminários é deliberada pelo colegiado e despachada pelo presidente do Legislativo.
A exceção são as audiências públicas para a discussão das Diretrizes Orçamentárias (LDO), do Orçamento Anual (LOA) e do Plano Plurianual, conduzidas pela Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização. Por se tratar de etapas legais para a tramitação dos projetos, sua realização não precisa passar pelo crivo dos membros do colegiado. Também cabe ao colegiado de Economia convocar as audiências quadrimestrais de prestação de contas da Prefeitura de Curitiba e da Câmara Municipal. À Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte compete a condução das audiências quadrimestrais para balanço do Sistema Único de Saúde (SUS) da capital. Ambas têm respaldo legal e independem de aprovação dos membros dos colegiados.
Clique aqui para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2022.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba