ESPECIAL: 145 anos de uma história que ainda não terminou
Moradores de Curitiba e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) disputam uma área de 191.480m², num lugar batizado de Vila Domitila, entre os bairros Ahú e Cabral, atrás da desativada Penitenciária do Ahú. A situação está sendo debatida na Justiça e, em maio deste ano, chegou à Câmara Municipal de Curitiba. A pedido das famílias, foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso. De acordo com informações da Associação dos Moradores do Bairro Ahú e Cabral, 250 famílias brigam pela posse dos terrenos, sendo que aproximadamente 40 foram despejadas, já que a Justiça tem considerado, em decisões recentes, que a propriedade é do INSS. Para explicar todo o imbróglio, a Comunicação da Câmara ouviu as partes envolvidas e assim pretende auxiliar no entendimento de uma história iniciada em 1871.
Na versão dos moradores, as terras onde vivem eram inicialmente de Tertuliano Teixeira de Freitas, em 1871. Depois passaram para Antonio da Ros e, em 1912, Da Ros teria vendido os lotes a Jorge Polysú. Em meados de 1960, a filha dele, Mylka Polysú e o marido dela, Abdon Soares, registraram a propriedade no 2º Registro de Imóveis da Comarca de Curitiba, lotearam e venderam os terrenos (confira a linha do tempo). O casal moveu uma ação de reivindicação das terras em 1970 contra o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS, que hoje é o INSS). No entanto, conforme sentença de 1975 da 2ª Vara Federal do Paraná - transitada em julgado em 1984 -, não conseguiu comprovar a localização da área foi e condenado a arcar com as custas do processo.
Mas com base em uma perícia feita em 1998, argumenta-se que a área que pertence ao INSS não está localizada na Vila Domitila. Para os moradores, o INSS vem ganhando as ações de reintegração de posse porque a Justiça Federal do Paraná tem interesse direto nos lotes. “Ou seja, não tem isenção de ânimo para julgar esses processos”, afirmou a presidente da associação dos moradores e advogada, Shirley Terezinha Bonfim.
Já o INSS tem outra versão, que foi explicada pelo procurador-geral do Município, Joel Macedo, na reunião pública da CPI ocorrida no dia 15 deste mês. Ele contou que, em 1909, Eugênio Ernesto Wirmond vendeu uma área de 300 mil m² para o governo do Estado do Paraná. Em 1920, o terreno foi leiloado pelo Estado (que nesta época era presidido por Caetano Munhoz da Rocha) e arrematado por Carlos Franco. Carlos Franco, por sua vez, vendeu ao presidente do Estado, Munhoz da Rocha, em 1927 (na verdade em 1927 a prefeitura expediu um título de domínio pleno em favor de Munhoz da Rocha e a escritura pública só foi feita em 1944). Em 1944, Munhoz da Rocha vendeu parte da área (191.480m²) ao Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários - IAPC (atual INSS). Esta última operação de transferência foi feita no 6º Serviço de Registro de Imóveis de Curitiba (confira a linha do tempo).
Para Joel Macedo, quem comprou lotes da família Polysú em meados de 1960 foi enganado, pois trata-se de um registro de terreno em Colombo, que foi sobreposto à área da Vila Domitila. “Por volta de 1960, Abdon Soares e Mylka Polysú Soares, que tinham um loteamento em Colombo, registraram a área sobre o terreno do INSS. Então, sobre essa área há dois registros, um do INSS e outro dos atuais "proprietários"”, garantiu, usando como base um laudo realizado pelo perito Zung Che Yee, concluído em 2006. Para ele, o “nó da questão” está no cartório, mas o “cartorário já morreu”. Ele entende que todas as pessoas que compraram terrenos dos Polysú naquela época agiram de boa-fé e foram induzidas ao erro. No entanto, as que adquiriram mais tarde já saberiam do problema, de acordo com o procurador, porque os Polysú perderam uma ação na Justiça pela terra contra o INSS, em 1984.
O procurador da autarquia, Antonio Roberto Basso, acrescentou que não há dúvida de que a Domitila é do órgão público, e deve ser vendida para pagar benefícios aos aposentados (leia mais).
Negócios em família
Estevão Pereira, que mora na região há 41 anos e chegou a fazer bacharelado em Direito para se defender dos processos, entregou um dossiê aos vereadores com a versão dos moradores. Nele, afirma que quando o Estado leiloou a área de 300 mil m² em 1920, quem arrematou – CR$ 15 mil – foi o próprio cunhado do presidente Caetano Munhoz da Rocha, Carlos Franco.
Munhoz da Rocha comprou de Carlos Franco o terreno em 1927 e, no mesmo ano, a prefeitura aprovou a planta Domitila. O nome teria sido dado em homenagem à esposa do presidente do Estado, Domitila Almeida Munhoz da Rocha. De acordo com Pereira, em 1944, como Munhoz da Rocha devia ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC, que hoje é o INSS), entregou parte da área (191.480m²) para a quitação de sua dívida, em um negócio de CR$ 670.180,00.
Mas para ele, o imóvel referente a toda essa transação – inicialmente do Estado e adquirido de Eugênio Ernesto Wirmond – ficava em frente ao Presídio do Ahú. “Quando o Wirmond conseguiu o terreno da Câmara Municipal [que era quem na época fazia a distribuição dos terrenos até o final do Brasil Império], em 1883, a área era entre as duas cabeceiras do rio Juvevê, no quarteirão do Ahú. O Estado comprou do Eugênio em 1909, e a prefeitura fez um memorial descritivo dizendo que era entre o rio Juvevê e o Córrego da Penitenciária. Ou seja, onde está a penitenciária é onde o Estado comprou, só que para frente dela, e não para trás [onde está a Vila Domitila]”, constatou Estevão Pereira.
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