Entrada de jovens em shopping divide opiniões em audiência

por Assessoria Comunicação publicado 24/03/2016 15h20, última modificação 06/10/2021 07h37
Na tarde desta quarta-feira (23) a Câmara Municipal promoveu uma audiência pública para o debate da questão do acesso ao shopping Palladium aos jovens que têm sido chamados de “vileiros”. No debate, foi sugerida uma conciliação. O encontro foi organizado pela Ouvidoria Municipal, a pedido de Saul Durval, presidente do Instituto Brasil África e do Fórum Paraná de Igualdade Racial.

Clóvis Costa, ouvidor municipal, presidiu a audiência e lembrou que a origem do problema foi um tumulto ocorrido no shopping Palladium em janeiro. Por meio de uma liminar, o shopping conseguiu o direito de impedir o acesso de menores desacompanhados. “Os jovens alegam que se trata de preconceito e os shoppings entendem pela preservação de seu patrimônio e da segurança dos frequentadores”, disse. Ele entende que a audiência dessa quarta-feira pode representar um início de diálogo entre as partes envolvidas.

Saul Durval, autor do pedido que resultou no encontro, destacou que 23% da população curitibana é composta por negros que convivem diariamente com o descaso. “A praça Zumbi dos Palmares foi instalada no distante bairro Pinheirinho, a lei aprovada pela Câmara Municipal que criava o feriado do Dia da Consciência negra foi barrada pelo Tribunal de Justiça do Estado. Os exemplos se acumulam e agora temos essa questão dos chamados "vileiros", que somente desejam exercer o direito de ir e vir.”

Denis Denilton, do Conselho Municipal de Política Étnico-Racial (COMPER), apontou alguns números relativos aos jovens da classe “C”. “Ao contrário do que se pensa, tais jovens consomem sim, e muito. São R$129 bilhões de reais por ano, muito mais do que os aproximadamente 80 bilhões consumidos pelas classes "A" e "B" juntas”. “Esse alto consumo”, continua ele, “se dá porque o jovem da classe "C" frequenta o shopping 3,3 vezes por mês, portanto ignorar tais fatos revela uma certa miopia empresarial.”

O vereador Paulo Salamuni (PV), líder do prefeito na Casa, lembrou que durante sua gestão como presidente da Câmara foi aprovada a lei (14.224/2013) que criou o feriado da Consciência Negra, mas a legislação não foi aplicada em função de uma ação judicial impetrada pela Associação Comercial do Paraná (ACP-PR). “Vivemos um momento de brutalização e preconceito”, disse o vereador que também lembrou: “o conflito de normas é uma das situações mais delicadas do direito e é o que se verifica nesse caso. De um lado, o direito de ir e vir e, de outro, o direito à propriedade”. Para  “Hoje o consumo é supervalorizado, portanto é necessário coibir qualquer tentativa de instituir desigualdades”, opinou Professora Josete (PT).

Estefânia Barboza, professora de direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembrou que o conteúdo de decisões em caráter liminar não é definitivo. Para ela, “um acordo entre as partes poderia revogar a liminar para que todos voltem a frequentar o shopping sem restrições de direito, mas isso dependeria de boa vontade e diálogo”. Estefânia salienta que a Constituição Federal muitas vezes reúne direitos antagônicos. No caso, os jovens querem ter acesso irrestrito, mas os shoppings alegam que precisam preservar a segurança e a propriedade. “Não deveriam fazer isso fundamentados num certo estilo de roupa, com certeza”, defende ela.

Carlos Roberto Bacila, delegado da Polícia Federal, acha que a atitude do shopping favorece uma sociedade discriminatória, “mas também entendo que o adolescente infrator deve ser penalizado, e não falo de comportamento leve, mas de latrocínio, estupro e tráfico. Isso nós não fazemos hoje no Brasil. Vamos lavar as mãos?”. Para Bacila, o diálogo entre o Shopping e os jovens cuja entrada foi coibida reforça estigmas. “Não devemos afastar pessoas do convívio social fingindo que o preconceito não existe”, concluiu.

Para o promotor Régis Sartori, o consenso poderia ser alcançado por meio de uma audiência de conciliação, cujas decisões seriam homologadas judicialmente. Da mesma forma pensa Victor Meirelles, do Conselho Municipal da Juventude, entidade que tentou derrubar os efeitos da liminar. "Entendemos que há um vício de competência, haja vista que uma vara cível não é o juízo adequado para decidir questões que envolvam o Estatuto da Criança e do Adolescente", disse ele, que complementou: "infelizmente nem o Conselho da Juventude e nem o Contiba detém personalidade jurídica para se manifestar a respeito".

O tenente-coronel Antônio Zanatta Neto, comandante do 12º Batalhão da Polícia Militar lembrou que grandes aglomerações devem ser anteriormente comunicadas às autoridades. "Realizar a segurança de milhares de pessoas em um evento planejado é uma atividade que demanda método, mas quando o evento é espontâneo, marcado pela internet, tudo fica mais difícil", frisou.

Vileiros
Carolina de Souza Faria falou em nome do grupo intitulado “Vileiros de Curitiba”. “Ninguém quer perturbar ninguém, é só diversão, inclusive com a presença de crianças”, ressaltou. Nayara Fernanda de Jesus frisou o fato de que algumas adolescentes levam seus filhos aos “rolezinhos” (como são chamados os encontros) porque não têm medo da atitude dos “vileiros”.

“Ouço reclamações sobre como a polícia interrompeu um encontro de jovens na Praça da Espanha, mas não ouço nada quando isso acontece no Tatuquara”, questionou o jovem intitulado Wattena. Para ele, a questão da entrada de jovens no shopping representa somente uma fração do problema. “Quando o preconceito se torna intolerância, é o momento de se sair da teoria.”

Outro lado
Para Fábio Aguayo, presidente da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar), “o bom senso deve pautar as discussões, mas a situação chegou a tal ponto que a única solução para os empresários foi recorrer ao judiciário”. “A partir do momento em que, numa época de crise como a que vivemos,  34% das pessoas que estão numa praça de alimentação não consomem absolutamente nada, não há como ficar de olhos fechados” disse ele, que também destacou a responsabilidade que os shoppings têm em relação à segurança de seus funcionários e clientes.

Cátilo Cândido, diretor de Assuntos Institucionais da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) destacou o fato de que desde a década de 60 os shopping centers se instituíram como um saudável ponto de encontro familiar. “Apesar de serem entidades privadas, carregam almas públicas. A inclusão social é uma característica dos shoppings”, entende Cândido. Mas ele indaga: “que atitude o gerente ou proprietário de um shopping deve tomar quando sabe ou é informado de que em uma hora o estabelecimento vai ser invadido por mil, dois mil jovens?” O representante da Abrasce concluiu destacando que “são 7,6 milhões de pessoas que frequentam mensalmente os 14 shoppings de Curitiba, isto é, não há interesse por parte dos shoppings em coibir o acesso das pessoas”.